Tentativa de golpe já esperada: K.Abreu quer lei impedindo demarcação de terras “invadidas” por três anos

Kátia-Abreu-petição

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Viva a argúcia de uma amiga cujo nome acho melhor omitir, mas a quem homenageio! No dia 8 de agosto, do lado de fora da Casa de Reza da Aldeia Jaguapiru, em Dourados, no momento em que acabamos de ouvir o relato da proposta do governo para a regularização das Terras Indígenas no MS, ela falou, lembrando o exemplo do MST: “o próximo passo será querer proibir que as terras retomadas sejam demarcadas”.  Demorou três semanas e dois dias, mas aí está o golpe tentando se configurar.

Acontece que ontem, durante a abertura da 36ª Expointer, em Esteio, Rio Grande do Sul, a presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu, anunciou que segunda-feira, 2 de setembro, apresentará um projeto de lei determinando que “áreas invadidas” não possam ser demarcadas nos três anos subsequentes. A intenção da vencedora do Troféu Motoserra de Ouro 2009 pode ter outros resultados, entretanto…

Ora: até onde sei, quem saiu invadindo e ocupando territórios foram exatamente os não indígenas! Peguemos a História do Brasil, e o que vemos são portugueses, bandeirantes, colonos importados para ‘embranquecer’ nosso povo, madeireiros, pecuaristas, ruralistas, mineradoras etc, nacionais e internacionais, nessa ordem e na maioria absoluta dos casos com total apoio dos governos – estaduais e federal -, inclusive via incentivos fiscais e régios financiamentos.

Para que isso se concretizasse, as estratégias foram desde as mais violentas e vis (vide Relatório Figueiredo, por exemplo) a apelos ao patriotismo dos indígenas, que foram combater no Paraguai enquanto suas terras eram sumariamente ocupadas e roubadas, no emblemático caso dos Terena narrado por Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira em “Duas no pé e uma na bunda”: da participação Terena na guerra entre o Paraguai e Tríplice Aliança à luta pela ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti, passando pela contaminação proposital por vírus e doenças.

Não importa as táticas e estratégias, mais ou menos sanguinolentas, a verdade é que, além de elas permitirem exatamente a invasão e ocupação das terras indígenas, isso aconteceu ainda por via criminal. Como já se tornou cansativo mas nunca é demais repetir, os cinco milhões de habitantes originários deste País, quando as caravelas aqui chegaram, foram submetidos a um genocídio intencional que os reduziu nesta década, quando muitas etnias quase exterminadas retomaram seu crescimento, a menos de 900 mil indivíduos, segundo a última contagem do IBGE.

Não seria o caso, então, de, além de expulsar de imediato todos os invasores e ocupantes indevidos de Terras Indígenas, sem qualquer direito, obviamente, de pedirem a demarcação de algo que nunca lhes pertenceu, acionar também os tribunais internacionais contra o Estado brasileiro, responsabilizando-o por invasão, roubo e genocídio, principalmente? Como ficaria a CNA, nesse caso? E sua filha mais afável, a Famasul? Mais: o que diria a senadora ruralista?

Segundo a notícia divulgada pela Assessoria de Comunicação CNA, ela disse, em seu discurso, que “É a ordem, a segurança jurídica que nós esperamos do nosso governo”, ao mesmo tempo em que denunciava a ação de “entidades e organismos internacionais disfarçados com passaporte brasileiro, que usam os índios para insuflar uma guerra falsa”. E continuou:

“Brasileiros brancos e brasileiros índios sempre viveram em paz[,] e não vamos aceitar esse artificialismo de interesses internacionais obscuros que agem, especialmente, contra os pequenos [sic] produtores do país”. (…)

“Só com ordem e segurança jurídica os produtores rurais do Brasil poderão, de fato, comemorar o sucesso da atividade e fazer parte do Time Agro Brasil, que é campeão mundial de produção com respeito ambiental”. (…)

“Não podemos permitir que o Brasil fique amarrado. Precisamos de acordos bilaterais que possam levar o Brasil para o céu, porque o céu para o agronegócio é o infinito”. 

Dependendo das circunstâncias, pode ser que o céu seja efetivamente o infinito para o agronegócio. Mas também, dependendo das mesmas circunstâncias, é bem possível que o infinito para os ruralistas seja o inferno, literal ou metaforicamente falando.

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