Carta aberta de acadêmicos autores de pesquisas junto ao povo Tupinambá: Concluir o processo demarcatório da Terra Indígena Tupinambá de Olivença é urgente

Carta aberta de acadêmicos autores de pesquisas junto ao povo Tupinambá:

Concluir o processo demarcatório da Terra Indígena Tupinambá de Olivença é urgente

Na condição de pesquisadores que, ao longo da última década, desenvolveram investigações acadêmicas junto ao povo indígena Tupinambá, no sul da Bahia, Brasil, observamos com grande preocupação o recrudescimento das tensões na região, neste mês de agosto de 2013. Ações violentas têm sido registradas nos municípios de Buerarema, Ilhéus e Una desde o último dia 14, quando um veículo que transportava estudantes indígenas e nãoindígenas foi alvejado com armamento letal, próximo à aldeia Serra do Padeiro, no território Tupinambá. Desde então, as notícias seguem alarmantes – indígenas tiveram suas casas incendiadas e parte de sua produção agrícola roubada; veículos de órgãos governamentais foram destruídos e prédios públicos, depredados –, configurando um cenário conflituoso, caracterizado por reiteradas violações aos direitos indígenas.

Os ataques aos indígenas – bem como a não-indígenas considerados seus aliados – visam solapar a mobilização em defesa da demarcação da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença, ora em curso. O processo de identificação da TI teve início em 2004, como resultado de intensa pressão por parte dos indígenas. Cinco anos depois, a Fundação Nacional do Índio aprovou o relatório circunstanciado, que delimitou a TI em cerca de 47 mil hectares, estendendo-se por porções dos municípios de Buerarema, Ilhéus e Una. No momento, aguarda-se a assinatura, pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, da portaria declaratória da TI, para que o processo encaminhe-se para as etapas finais. Como se vê, a regularização da TI já dura nove anos, de modo que os prazos legais para a conclusão da demarcação, estabelecidos pelo Decreto nº 1.775/96, vêm sendo sistematicamente violados.

Os Tupinambás sofrem cotidianamente os efeitos da omissão do Estado brasileiro no que diz respeito à garantia de seus direitos territoriais. Ao mesmo tempo, os ocupantes nãoindígenas de boa fé também são impactados pela morosidade do processo demarcatório, vivendo uma situação de indefinição, à espera do pagamento das indenizações a que têm direito e do reassentamento, no caso daqueles que têm perfil compatível com o de cliente da reforma agrária. Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 reconhece aos povos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como os direitos originários sobre as terras por ele tradicionalmente ocupadas, competindo ao Estado demarcá-las, um compromisso legal também internacional, posto que o Brasil é signatário do Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalhado, ratificada pelo Decreto Legislativo nº 143/2002, que obriga a Brasil a tomar “medidas necessárias para identificar terras tradicionalmente ocupadas pelos povos interessados e garantir a efetiva proteção de seus direitos de propriedade e posse”. Ao mesmo tempo, a Constituição Federal tem na dignidade da pessoa humana um de seus princípios fundamentais. Ao não cumprir suas atribuições legais, o Estado brasileiro vem contribuindo para o agravamento das tensões na região, devendo ser responsabilizado pelas violações aos direitos humanos em curso.

Nossas pesquisas – que, enquadradas em filiações acadêmicas e perspectivas teóricas diversas, debruçaram-se sobre distintos objetos e foram desenvolvidas em diferentes momentos do final da década de 1990 ao presente ano – demonstram que a tradicionalidade da terra Tupinambá é inquestionável. Baseados em dados etnográficos e documentais, nossos trabalhos reconstituem o longo histórico de expropriação territorial vivido pelo povo Tupinambá e documentam sua mobilização em face do Estado, com vistas a demandar os direitos que lhes são constitucionalmente assegurados. Nesse sentido, estamos convictos de que é imprescindível que se conclua, com urgência, o procedimento administrativo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, único caminho para garantir justiça histórica e fazer cessar os conflitos na região.

26 de agosto de 2013

Assinam:

  • Cecilia McCallum, doutora em Antropologia Social (University of London), professora no Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia e no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.
  • Luisa Elvira Belaunde, doutora em Antropologia Social (University of London), professora visitante no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • Susana de Matos Viegas, doutora em Antropologia Social e Cultural (Universidade de Coimbra), professora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
  • Teresinha Marcis, doutora em História (Universidade Federal da Bahia), professora no Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Santa Cruz.
  • Aline Moreira Magalhães, doutoranda em Antropologia Social (Universidade Federal do Rio de Janeiro), pesquisadora associada ao Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • Amiel Ernenek Mejía Lara, doutorando em Antropologia Social (Universidade de Campinas).
  • Daniela Fernandes Alarcon, mestre em Ciências Sociais (Universidade de Brasília), pesquisadora associada ao Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo da Universidade de Brasília.
  • Erlon Fábio de Jesus Costa, mestre profissional em Desenvolvimento Sustentável junto a Povos e Terra Indígenas (Universidade de Brasília).
  • Helen Catalina Ubinger, mestre em Ciências Sociais, com concentração em Antropologia (Universidade Federal da Bahia).
  • Patricia Navarro de Almeida Couto, mestre em Ciências Sociais, com concentração em Antropologia (Universidade Federal da Bahia), pesquisadora associada ao Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro da Universidade Federal da Bahia, professora no Departamento de Ciências Humanas e Filosofia de Universidade Estadual de Feira de Santana.
  • Sonja Mara Mota Ferreira, mestre em Educação (Universidade do Estado da Bahia).
  • Ulla Macêdo, mestre em Ciências Sociais, com concentração em Antropologia (Universidade Federal da Bahia).

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Daniela Fernandes Alarcon.

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