Correntina: Em favor do agronegócio, Bahia pode expulsar 226 famílias de suas terras

ZDA – A comunidade rural de Arrojelândia, localizada no interior do município de Correntina, na Bahia,  à margem esquerda do rio Arrojado, composta por 226 famílias de agricultores, que praticam agricultura de subsistência, coleta de frutos silvestres, a pesca, a caça e a criação de gado vacum em soltas coletivas (conforme definição da Constituição do Estado da Bahia enquadrando-se na definição de comunidade tradicional como narra o Decreto Presidencial 6.040) nos gerais desde antes da década de 40 do séc. XX, encontra-se em conflito com a empresa Planta 7 Empreendimentos Rurais Ltda. desde o ano de 1982.

Até o advento dos projetos de reflorestamento do Oeste baiano, essas famílias ocupavam pacificamente os territórios compreendidos de: Couro de Porco acima, até a localidade de Pimenteira; e de Couro de Porco abaixo, até a localidade do Córrego da Vaca, do Arrojado ao Rio das Éguas à margem esquerda do rio Arrojado. À margem direita, a referida ocupação dos ribeirinhos se dava da região da Sambaíba ao Lodo, até o Galho Grande, acima do Galho da Rapadura.

A partir desse período, as empresas trazidas pelo projeto de reflorestamento do Oeste baiano estabeleceram vários conflitos com essa comunidade e com outras, no processo de tentativa de expulsá-las desse território, tanto através da violência caracterizada por: derrubadas de antigas cercas por tratores; sacrifícios de reses; queimas de moradias de posseiros, currais, destruição de roças, ameaças por pistoleiros, até a montagem de escrituras fraudulentas a partir do recurso grosseiro de “retificação de área”, como o utilizado pela Planta 7 Empreendimentos Rurais Ltda. que transformou um pequeno direito de herdeiros (medido por mil réis de terra) do espólio de Timóteo Florêncio de Barros, em 43.400ha, perfazendo juntamente com mais quatro empresas um total de 217.000ha, todos oriundos da matrícula 2.280 – o que já foi comprovado por parecer da Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário – CDA, em Ação Discriminatória realizada pelo Governo do Estado da Bahia, motivada pela radicalização do conflito entre a referida empresa e as 226 famílias ocupantes de toda a citada extensão de terras devolutas do Estado da Bahia, conhecida historicamente como Couro de Porco.

Uma vez concluída a Ação Discriminatória, a Procuradoria do Estado da Bahia, ingressou, na Comarca de Correntina, com Ação própria através do processo: 0000121-88.2009.805.0069, tendo como partes a Associação dos Pequenos Agricultores de Arrojelândia e outros, e Planta 7 Empreendimentos Rurais Ltda, com objetivo da regularização fundiária da região.

Em 21 de março de 2012, foi realizada inspeção judicial na área, objeto da referida ação, que constatou, dentre outras coisas, a ocupação quase centenária das 226 famílias em conflito com a Planta 7 Empreendimentos Rurais Ltda.

Desde a realização da inspeção judicial, a empresa Planta 7 Empreendimentos Rurais Ltda apresentou nos autos proposta como acordo, a cessão de uma área de 7.500ha para a ocupação das 226 famílias, o que resulta em 33,18ha por família – muito abaixo do módulo fiscal para o Oeste Baiano. Ressalte-se que nos 7.500ha propostos pela referida empresa está inclusa a área de reserva legal prevista na legislação em vigor – o que corresponde a 1.875ha, que subtraídos dos 7.500ha propostos, resulta numa área de 5.625ha que, divididos pelas 226 famílias, restariam 24,87ha por família – o que corresponde a muito menos ainda que o módulo fiscal da região. Essa constatação levou à rejeição dessa proposta pelas 226 famílias representadas nos autos do processo supra, pela Associação dos Pequenos Agricultores de Arrojelândia.

Em 26 de março de 2013, Claudomiro Ferreira de Jesus e Paulo Oisiovici, presidente e secretário da Associação dos Pequenos Agricultores de Arrojelândia estiveram no Fórum da Comarca de Correntina para acompanhar o andamento do processo, no Cartório Cível e, para surpresa dos Diretores da Associação, lhes foi informado pelo Escrivão do referido cartório e pelo Juiz da Comarca, Dr. Alexandre Mota Brandão de Araújo, que tal processo encontra-se na Procuradoria Geral do Estado, em Salvador, para parecer dos demais procuradores quanto à natureza devoluta ou privada da área ocupada pelas 226 famílias de posseiros centenários de Arrojelândia, Bebedor, Passaroto e Cajueiro, da qual a empresa Planta 7 se diz proprietária.

As 226 famílias de posseiros das localidades de Arrojelândia, Bebedor, Passaroto e Cajueiro, cientes da discordância entre os procuradores do Estado da Bahia quanto à natureza das terras (se devolutas ou não) disputadas por elas e a empresa em questão temem o desfecho do processo favorável à Planta 7 – que a ação discriminatória realizada pelo Estado da Bahia revelou ter montado, por meios ilícitos, a escritura através da qual pleiteia o domínio da área em questão – e em seu desfavor, pelo fato do agronegócio contribuir com grande parte da produção do Estado da Bahia.

Ante a possibilidade do desfecho da disputa, ser favorável ao agronegócio, os agricultores familiares do Oeste da Bahia, veem sua esperança de conquistar o direito de acesso à propriedade da terra (alimentada com o fim do carlismo), frustrada.

Concretizando-se tal desfecho, o conflito que já se estende por 31 anos, ao invés de solucionado, se radicalizará, resultando em consequências imprevisíveis, resultantes da iminente expulsão das 226 famílias do território por elas ocupado por quase cem anos, o que significa o seu extermínio físico e cultural. Tal desfecho atestará o caráter histórico do Estado, como aparato garantidor dos interesses vitais da classe que domina economicamente a sociedade e que, por isso, também a domina politicamente.

Merece destacar alguns números para ver, ao final, de que lado está o Estado que, em tese, seria um mediador. Eis: cada família de Arrojelândia não merece 65ha de terras. Mas a Planta 7 merece 43.400ha em Correntina-BA; 60.000ha em Cocos-BA, terras em Taiobeiras-MG, mais propriedade no perímetro irrigado de Juazeiro-BA. Essa empresa estabelece conflitos no norte do Estado de Minas Gerais, com pelo menos 7.000ha que estão sendo objeto de ação judicial de revisão de contratos de arrendamento (propostas pelo Iter-MG) na qual se diz dona das terras, nos municípios de Taiobeiras, Rio Pardo de Minas e Águas Vermelhas, além do registro da presença da mesma em: Felixlândia, Várzea da Palma e Curvelo.

Compreendendo-se a responsabilidade constitucional do Estado na garantia da cidadania, da dignidade da pessoa humana, na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na erradicação da pobreza, da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, na garantia da existência da pequena propriedade rural, clamamos às autoridades destinatárias por uma intervenção firme no sentido de garantir a existência e permanência das 226 famílias das comunidades de Arrojelândia, Bebedor, Passaroto e Cajueiro, de modo que cesse, de uma vez por todas a grilagem violenta sofrida ao longo dos últimos trinta anos de conflitos.

Felisberto de Souza – Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Correntina-BA
Claudomiro Ferreira de Jesus – Presidente da Associação dos Pequenos Agricultores de Arrojelândia
Paulo Oisiovici – Secretário da Associação dos Pequenos Agricultores de Arrojelândia.

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