Uma questão de raça e classe: “Cabral…Onde está Amarildo?”

O desaparecimento de Amarildo, lamentavelmente, é algo que se repete cotidianamente nas comunidades onde a maioria é pobre e negra. Contudo, temos visto que o povo está fazendo, e mudando, a História nas ruas. E continuaremos mobilizados até que Sérgio Cabral (PMDB) e sua polícia nos respondam. No dia 22 de agosto, esse grito vai ecoar ainda mais alto, em protestos que estão sendo organizados em todo o país

Edu H. Silva – Quilombo Raça e Classe (SP)

Temos visto a pergunta “Onde está Amarildo?” por todos os lados: em placas, faixas e cartazes espalhados Brasil e mundo afora, amplamente compartilhados nas redes sociais. O lado extremamente positivo disto, é que estamos presenciando uma enorme exposição desta atrocidade. O negativo, é que, infelizmente, este está longe de ser o primeiro caso semelhante.

Todos que moram nas periferias das grandes cidades conhecem histórias de gente que “desapareceu” nas mãos da polícia; de jovens cujas covardes chacinas foram mascaradas sob a farsa da “resistência seguida de morte” ou de trabalhadores que perderam a vida vítimas de uma suposta guerra ao tráfico.

Amarildo, 47 anos, pedreiro, pai de seis filhos, negro e morador da Rocinha poderia ter se tornado mais um dentre tantos outros. Contudo, desde que milhões tomaram as ruas, de junho pra cá, o Brasil não é exatamente o “mesmo de sempre”. E a luta para que se faça justiça tomou o país. Amarildo tornou-se um símbolo da luta contra os desmandos do ditador Cabral, contra a violência policial e racista, contra a impunidade que protege os assassinos.

Culpado pela pobreza! Marginalizado pelo racismo!

Amarildo lutava para sobreviver com um salário de R$300,00 por mês (quase a metade de um salário mínimo) e, para complementar a renda, fazia “bicos” extras. Uma situação com a qual, certamente, muitos trabalhadores e trabalhadoras se identificariam facilmente. Os nomes podem mudar. Podem ser Maria, José, Pedro ou Ana…mas são muitos os que conhecem esta situação de exploração.

Os enormes esforços do pedreiro para continuar vivendo e alimentar seus filhos foram bruscamente interrompidos entre os dias 13 e 14 de julho, quando ocorreu na Rocinha a “Operação Paz Armada”, mobilizando cerca de 300 policiais da chamada “Unidade de Polícia Pacificadora” (UPP), com o objetivo de prender suspeitos sem passagem pela polícia.

E sabemos, muito bem, que os policiais da UPP já entraram na comunidade com um perfil-padrão de suspeito na cabeça. O mesmo que é usado pelas polícias espalhadas pelo país inteiro, como ficou demonstrado, por exemplo, em uma ordem de serviço expedida, em fevereiro passado, pelo comandante da Polícia Militar em Campinas, Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, que os policiais a abordarem “indivíduos de cor parda e negra com idade aparente de 18 a 25 anos”.

Amarildo se tornou, imediatamente, um “suspeito”, pura e simplesmente por ser preto e pobre. Assim como a enorme maioria de seus vizinhos na Rocinha, criminalizados por serem pobres, marginalizados por serem negros.

Cinismo e hipocrisia cobertos pela impunidade

Foi por isso que, por volta das 20 horas do dia 14, Amarildo foi abordado por oficiais da UPP. Portando documentos, ele se dirigiu à delegacia para a “averiguação”, deixando familiares e vizinhos confusos sobre a situação. Um dos filhos de Amarildo ainda procurou o comandante da UPP e questionou o paradeiro de seu pai, obtendo como resposta um “já o liberamos”. Uma postura que lembra, em tudo, o tratamento dado aos presos políticos, nos tempos da ditadura, quando a PM foi criada.

E quem mora na periferia sabe que entre a palavra de um policial e a realidade, há um abismo enorme de distância. Amarildo tornou-se um “desaparecido”.

Desde que a campanha exigindo o paradeiro de Amarildo ganhou as ruas e redes sociais, temos assistido um lamentável espetáculo de hipocrisia por parte das “autoridades” do Estado, a imprensa e, particularmente, as forças polícias. Desculpas esfarrapadas, declarações hipócritas de “preocupação” com o caso são intercaladas com manipulações grosseiras da realidade.

Exemplo disto foi a história das câmeras de segurança. Há cerca de 80 delas espalhadas pela Rocinha. Contudo, segundo a polícia, “curiosamente” as duas que filmariam o que ocorreu com Amarildo estavam fora de serviço. E o mais “curioso” é que essas duas câmeras se localizavam na base da UPP e seriam as únicas que poderiam revelar os horários de entrada e saída de Amarildo. Uma farsa que tem tudo a ver com o funcionamento e o papel das UPP’s nos morros cariocas.

UPP: Unidade de Perseguição à Pobres e Pretos

O projeto da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) foi inaugurado em 2008, na Comunidade Santa Marta, zona sul do Rio de Janeiro, e depois se expandiu para outras comunidades.

De lá para cá, aproximadamente cinco mil pessoas foram mortas pela ação truculenta da polícia. Este é o número de habitantes em várias pequenas cidades país afora. E, certamente, isto corresponde apenas aos dados registrados. Há um ainda mais e mais assustador que sequer se conhece. O fato é que o que tem marcado os quase cinco anos de UPP nas favelas são chacinas, desaparecimentos e intimidação aos moradores.

A presença das UPP’s nas comunidades cariocas faz parte de uma política do governo estadual – sob aval e o incentivo do governo federal (PT) – de criminalizar a pobreza e não, de forma alguma, para garantir proteção e segurança da comunidade. Isto tudo cercado de muita publicidade e propaganda enganosa.

Como prova disso, basta lembrarmos de uma ação escandalosa, em novembro de 2011, chamada “Operação Choque de Paz”, na favela do Vidigal, onde além de toda a violência durante a invasão, foi montada (como a imprensa revelou recentemente) uma farsa hollywoodiana, com direito a figurantes e sangues de ficção.

A realidade, contudo, não tem nada de “filme de ficção”. Nos morros tomados pela UPP, a taxa de desaparecidos aumenta vertiginosamente. E os desaparecidos em sua maioria são jovens negros, que, segundo dados do governo, têm 139% mais chances de serem mortos dos que os brancos.

Dentre os desaparecidos, a maioria (59%) é do sexo masculino, sendo que 27,4% são estudantes. Os desaparecimentos, em sua maioria, atingem a população com faixa etária superior a 18 anos. Muitos deles trabalhavam em empregos precarizados, sem direitos trabalhistas, garantias de estabilidade e baixos salários. Amarildo, como muitos outros trabalhadores, se encaixa nesses dados.

Diferente do que defende a grande imprensa, as UPPs estão longe de ser órgãos pacificadores para o combate ao tráfico nas comunidades. Pelo contrário. Não são poucos os exemplos da existência de acordos entre o crime organizado e amplos setores da polícia, inclusive em seu alto escalão.

O uso cada vez mais freqüente de meios de comunicação “alternativos” (como os vídeos postados nas redes sociais) só tem servido para confirmar algo que os moradores das comunidades negras e pobres do Rio já conhecem há tempos: s UPPs se tornam verdadeiras máquinas de execução em massa, com seus fuzis voltados particularmente para a população negra.

Uma simples busca na internet apresenta resultados que, literalmente, embrulham o estômago. São cenas de policiais agredindo mulheres, como o caso de um oficial da UPP espancando uma mulher negra sentada em um banco ou de um vídeo feito em 2010, no morro do Cantagalo, que mostra um policial agredindo um jovem e ameaçando os moradores que estavam em volta da ação.

Exemplos (dentre centenas de outros que poderíamos citar) de que UPP e violência policial são sinônimos. Assim como polícia e racismo.

Todos às ruas dia 22 de agosto! Justiça para Amarildo!

Amarildo, infelizmente, passa longe de ser o último caso de “desaparecimento” nas periferias. Enquanto continuar existindo UPPs nos morros cariocas, os trabalhadores estarão sujeitos a toda forma de barbárie que o Estado pode oferecer. Por isso, é necessário extinguir as UPPs e desmilitarizar todo o aparato policial.

Os moradores das favelas não querem violência policial. Querem, sim, saúde, educação, cultura, lazer, moradia e transportes dignos. E se é verdade que o caso de Amarildo às políticas fascistas do cada vez mais odiado Sérgio Cabral, também precisamos lembrar que ele não é o único culpado. Em São Paulo, Alckmin é exemplo da mesma política de extermínio da população negra e criminalização da pobreza. O massacre do Pinheirinho e a violência contra as manifestações ainda estão na memória de todos.

Como também não podemos deixar de apontar as responsabilidades do governo federal que nada fez sobre o caso (sequer um pronunciamento), apesar da ampla solidariedade e movimentação nacional perguntando o paradeiro de Amarildo.

Cabral, Alckmin e Dilma devem ser responsabilizados pelos muitos “Amarildos” desaparecidos nos morros cariocas. E a única forma de fazer com que estas lamentáveis e tristes histórias não se repitam é tomando as ruas.

Por isso, no próximo dia 22 de agosto ocorrerão, em vários estados do país, manifestações “Onde está Amarildo?”. Em São Paulo, o Quilombo Raça e Classe e uma série de outras entidades do movimento negro já estão se articulando, em reuniões que acontecerão esta semana, para organizar a atividade.

Nós, do Quilombo, estamos desde já comprometidos com a construção e realização destes atos. Algo que precisa ser encampado por todas as entidades dos movimentos sindical, estudantil, popular, LGBT e de mulheres. Por todos que lutam contra a opressão e exploração, para que histórias como as de Amarildo não se repitam ou fiquem impunes.

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