Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória – PB
Um dos torturadores da ditadura militar, que atuava em Campina Grande, trabalha hoje como promotor no Estado do Ceará. Foi o que revelaram, na última terça-feira (06/08), vítimas e testemunhas das torturas. Ele era conhecido como Sargento Marinho. “Era o pior de todos”, disseram as vítimas durante audiência pública promovida em Campina Grande pela Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da Paraíba.
“Esse Sargento Marinho era um terror. Torturou todo mundo aqui em Campina Grande nas granjas e no quartel do exército. Soube que hoje ele é um promotor público no interior do Ceará. Esse homem não tem condições de defender a sociedade, porque promovia tortura durante o regime militar”, afirmou o hoje suplente de vereador João Crisóstomo Moreira Dantas, um dos ouvidos pela Comissão da Verdade.
Também foram ouvidos os testemunhos de Maura Pires Ramos, Josélia Wellen e Jorge de Aguiar Leite. O evento aconteceu no auditório do Centro de Extensão José Farias Nóbrega, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), situado no bairro de Bodocongó.
A primeira a prestar depoimento foi a torturada Maura Ramos, que pertencia à organização Ação Popular e militava, em 1968, no movimento estudantil da Universidade Regional do Nordeste, tendo sido presidente do Diretório Acadêmico de Letras e Pedagogia e presa no Congresso da UNE de Ibiúna/SP.
Maura relatou que foi sequestrada quando saía do trabalho no dia 29 de abril de 1974 por agentes do DOI-CODI, sendo levada algemada a um lugar da zona rural de Campina Grande. “Digo que era uma granja por conta dos cantos dos pássaros e de galos, além de outros animais. Pois bem, naquele lugar me deram murros, mandaram me despir, ficando somente de calcinha. Logo em seguida, começaram as sessões de choques elétricos em minhas orelhas, meus seios, dedos dos pés”, relatou Maura Ramos.
Ela disse que se encontravam presas com ela Josélia Ramos Wallen, Roberto Carlos Cantalice (estudante secundarista) e Dilza Rodrigues de França. Todos foram levados para Recife num assoalho de uma Kombi, encapuzados, alguns dias após as sessões de tortura na granja. O Major Câmara, do Exército, era quem comandava as prisões e as torturas em Campina, junto com o Sargento Marinho.
Na prisão em Recife pediram a Maura para assinar um papel em branco, mas ela não aceitou. Na cela com ela estava uma moça de nome “Maria”, que era de Belém do Pará, que até então não conhecia. Foi trazida de volta para Campina Grande, deitada num assoalho do carro, “e liberada no meio da rua toda esfarrapada”.
Contou ainda que a família havia procurado por ela nos quartéis do Exército e da polícia militar e nas delegacias, mas todos negavam a prisão de Maura Ramos. Foi lida uma das cartas feita pela sua mãe ao prefeito de Campina Grande pedindo a sua intervenção para localizar a filha desaparecida. “Eu sofri muitas dores, tive muito medo, e minha família também sofreu muito com meu desaparecimento”, disse Maura.
A segunda a prestar o seu testemunho foi a professora Josélia Ramos Wellen, que havia sido sequestrada também no dia 29 de abril de 1974. Contou que foi levada para um local onde, pelos sons, tinham características de ser uma granja dos arredores de Campina Grande, já que a viagem não demorou. Ela foi levada encapuzada e deitada no chão do carro.
Josélia disse que depois de uma sessão de murros e gritos, colocaram fios elétricos nas olheiras, seios e dedos dos pés durante várias horas. “Foi um tormento muito grande. Queriam que eu falasse sobre os nomes de pessoas que pertenciam à organização Ação Popular”, lembra ela. “A vítima foi o povo brasileiro, não fui eu sozinha”, afirmou Josélia Ramos, ao se referir às atrocidades praticadas pelo regime militar no Brasil.
Na parte da tarde, a Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da Paraíba iniciou os trabalhos com o testemunho do poeta e suplente de vereador de Campina Grande João Dantas. Ele contou que foi preso em 1971 porque colecionava cartaz de teatro, cinemas etc, e um dia retirou do aeroporto de Campina Grande um cartaz contendo fotos de pessoas procuradas pela polícia federal, tidas como “terroristas” e “subversivas”.
João Dantas disse que à noite o Exército foi até a sua casa e o levou preso, encapuzado e conduzido a uma granja. Ali foi torturado por três pessoas que, pelo sotaque, não eram de Campina Grande, e também pelo Major Câmara e o Sargento Marinho, ambos do Exército. Denunciou que as granjas pertenciam aos irmãos empresários do setor bélico Bartolomeu Bezerra e Manoel Bezerra.
O depoimento de Jorge de Aguiar Leite, o Jorjão”, foi o último na audiência da Comissão Estadual da Verdade da Paraíba. Ele fez parte do movimento secundarista antes do golpe militar, ocupando a secretaria e depois a vice-presidência do Centro Estudantal Campinense na gestão do então presidente Derly Pereira. Em 1969, tendo como fundamento o Decreto 477, foi suspenso por um ano quando fazia economia na Faculdade de Ciências Econômicas de Campina Grande.
Jorjão contou que em 12 de janeiro de 1973 foi preso sob acusação de envolvimento em atividades subversivas, tendo sido submetido a violentas sessões de torturas físicas e morais na “Granja do Terror”, em Campina Grande, cedida por Manuelito Bezerra, comerciante de armas.
“Colocaram um fio elétrico na minha orelha e outro no pé. Depois tiravam e colocavam no meu pênis. Era um terror. Dois dias depois, fui conduzido à cidade do Recife, onde fiquei preso e incomunicável até o mês de março, no DOI- CODI. Lá respondi a vários interrogatórios perante os órgãos de repressão sediados em Pernambuco”, relatou Jorjão.
Ele disse que o pessoal do DOI CODI só perguntava sobre as pessoas que ele escondera do PCBR na sua casa e propriedade, mas nunca sobre os membros da Ação Popular. “Se eles chegassem até a AP eu estava lascado, porque emprestei minha fazenda para que a direção nacional da Ação Popular realizasse conferência nacional por três anos consecutivos, Inclusive, a decisão do ingresso da AP no PCdoB se realizou na minha fazenda”.
Relatou ainda que, dentre as pessoas do PCBR que ele escondeu em sua residência, duas delas foram mortas pelo regime militar. “Um era chamado de Comprido, ou Fernando Sandália, que foi morto em tiroteio. Outra era conhecida como Maria, do Rio Grande do Norte, que apareceu enforcada, estranhamente, por seu cinto”.
Terceira audiência
Essa audiência foi a terceira realizada pela Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba, formada pelos membros Paulo Giovani (presidente), Lúcia Guerra (vice-presidente), Iranice Muniz (secretária), Waldir Porfírio, Fábio Freitas, Irene Marinheiro e João Manoel de Carvalho.
Já foram ouvidos os testemunhos das vítimas do regime militar: Jô Moraes (Socorro Fragoso), Assis Lemos, Ophelia Amorim, Neide Araújo, Elizabeth Teixeira e Antônio Dantas.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.