Elaíze Farias: Índios waimiri-atroari: uma incógnita que a Comissão Nacional da Verdade quer desvendar

Reunião entre Maria Rita Kehl e membros do Comitê Regional. Fotos: Audimar Arruda
Reunião entre Maria Rita Kehl e membros do Comitê Regional. Fotos: Audimar Arruda

Por Elaíze Farias

Maria Rita Kehl parte nesta sexta-feira (05) para o território dos índios waimiri-atroari, no Amazonas, para ouvi-los a respeito de milhares de mortes durante a ditadura militar. Ela sabe que a viagem de dois dias é uma incógnita.

Nesta quarta-feira (03) à noite Maria Rita participou de uma reunião prévia com membros do Comitê da Verdade do Amazonas na sede do Sindicato dos Jornalistas, à qual também estive presente. Maria Rita veio acompanhada de um assessor, Inimá Simões, e do documentarista Vincent Carelli, do projeto Vídeo nas Aldeias.

A psicanalista, que assumiu em 2012 o cargo de coordenadora do grupo de trabalho Graves Violações de Direitos Humanos no Campo e Contra Indígenas da Comissão Nacional da Verdade, admitiu que desconhece a disponibilidade dos waimiri-atroari em falar sobre o assunto, mas foi enfática ao dizer aos membros do Comitê que pretenderá “circular”, “entrar nos lugares” e conversar com os indígenas à sós, sem a pressão externa dos funcionários do Programa Waimiri-Atroari (PWA), mantido pela Eletronorte.

Denúncia

Diferente de outros casos envolvendo indígenas, onde eles próprios a procuraram para apresentar relatórios sobre mortes durante a ditadura militar, a situação dos waimiri-atroari é sui generis.

A iniciativa de denunciar o genocídio durante o qual teriam sucumbidos dois mil waimiri-atroari durante e depois da construção da BR-174 (Manaus-Boa Vista) partiu do indigenista Egydio Schwade, que viveu nos anos 80 entre os waimiri-atroari.

Egydio trabalhou na área de educação ainda na época que era membro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) com sua mulher e filhos pequenos. Um deles, Maiká, nasceu na aldeia e seu nome foi dado pelos próprios indígenas.

Anos depois, Egydio foi praticamente expulso da terra. Ele atribui a sua saída compulsória à pressão dos funcionários da Eletronorte junto aos indígenas tão logo foi criado o PWA. Outros pesquisadores também tiveram a mesma sorte, como foi o caso dos antropólogos Márcio Silva, da Universidade de São Paulo (USP), e Stephen Baines, da Universidade de Brasília (UnB).

Apesar de ter saído do território waimiri-atroari, o indigenista e sua família se estabeleceram nas proximidades, onde vivem até hoje. Egydio mora há mais de 30 anos no município de Presidente Figueiredo, onde vive da produção de apicultura. Os poucos contatos que mantinha com os waimiri-atroari em eventuais encontros espontâneos por parte dos indígenas foram desaparecendo nos últimos anos.

A psicanalista Maria Rita Kehl ouve as informações do Comitê.
A psicanalista Maria Rita Kehl ouve as informações do Comitê.

A reunião de ontem foi muito proveitosa, produtiva e informativa. Soubemos, por exemplo, que dos sobreviventes dos impactos causados pela obra nos anos 70, restaram aproximadamente 300. Estes sobreviventes são os mais velhos e os que possuem a memória viva daquela época.

Maria Rita não quis dar detalhes sobre como procederá na visita, porque ela própria tinha entendimento que tudo pode acontecer. Ou acontecer nada. Seu retorno está previsto para este sábado. Ela deverá se manifestar quando voltar.

Incomunicabilidade

Vivendo em uma situação de quase plena incomunicabilidade com a sociedade envolvente, os waimiri-atroari têm como únicos interlocutores os funcionários do PWA e da Eletronorte, em um caso único no país em que a gestão de um território indígena é administrado por uma empresa e não pelo poder público.

O convênio entre a Eletronorte e o PWA tinha duração de 25 anos e encerrou há dois meses. Não há informações (pelo menos publicamente) se o convênio foi renovado.

Tudo o que sabemos que acontece nos últimos 25 anos com os waimiri-atroari é transmitido por meio das fontes oficiais, tanto do PWA quanto da Eletronorte. O PWA diz que este “isolamento” foi opção dos indígenas.

Sabemos por meio de releases, de notas oficiais e vídeos (sempre produzidos pela Eletronorte/PWA) que os indígenas mantêm seu modo de vida tradicional da maneira mais preservada que se pôde alcançar nos últimos anos, que conseguiram recuperar sua população após tantos impactos (rodovia, mineração, hidrelétrica de Balbina) com medidas bem sucedidas de programas de saúde, educação e sustentabilidade.

Um dos poucos programas que furaram este certo foi produzido pela TV Brasil. Eis o link.

Pouco se fala que a terra dos waimiri-atroari é uma das mais ricas em minério. E não apenas cassiterita, que já é explorada na região desde os anos 70. Há informações de que a área (que teria sido reduzida por empresas de mineração) também é rica em urânio e terras-raras, e que aquele território continua sendo um dos mais cobiçados por mineradores. Eis algumas questões que deverão estar na pauta da CNV.

Elaíze Farias – Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e Questões Amazônicas.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.