Racismo Classe A: quando as pessoas conseguem melhorar sua situação financeira, percebem que não é mais por causa da pobreza que são discriminadas

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Nos últimos dez anos, são incontestáveis as melhorias que a população brasileira vive, como apontam os indicadores sociais. Os cidadãos mais pobres passaram a ter acesso a outros níveis de consumo, como lojas de shopping, aeroportos, cinemas e universidades. No caso de cidadãos negros e pardos, para muitos, isso significou também maior exposição à discriminação racial nos ambientes antes frequentados majoritariamente por pessoas brancas.

A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) já contabiliza 15 denúncias de racismo em universidades, 12 registradas em 2012, quatro vezes mais do que as três contabilizadas em 2011 – quando a Ouvidoria da Seppir passou a receber os relatos de discriminação.

Segundo Carlos Alberto Silva Júnior, ouvidor da Seppir, este aumento não está relacionado a manifestações contra a lei que garante metade das vagas nas universidades federais a negros, pardos e índios, sancionada no final de agosto.

– A lei é recente, e muitas situações ocorreram antes de ela ser sancionada. O que percebemos é que há, além da maior exposição de negros em situações de consumo antes pouco comuns por causa de condições financeiras, também maior percepção por parte destes cidadãos do que é preconceito racial”, diz.

Daniel Teixeira, advogado e coordenador de projetos do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT), afirma que, neste ano, aumentou em cerca de 30% as denúncias de crimes raciais em situações de consumo registrados na entidade – que lida com casos de natureza racial e de intolerância religiosa, por exemplo.

As denúncias relacionadas aos centros de compras lideram nos 25 casos acompanhados pelo CEERT desde janeiro e evidenciam que o preconceito ocorreu em função da cor da pele e não da classe social. “Em muitos casos, quando a pessoa é pobre, ela não consegue identificar direito se está sofrendo preconceito por ser negra ou por ser pobre e, muitas vezes, acaba relacionando tudo à pobreza”, afirma Teixeira.

“Mas, quando estas pessoas conseguem melhorar sua situação financeira, percebem que não é mais por causa da pobreza que são discriminadas”, afirma.

“Tem um caso emblemático de um músico que foi o único da banda a ser barrado em shopping de elite em São Paulo onde eles se apresentariam. Ele chegou de táxi e foi impedido de entrar pelos seguranças, alegando que o motivo era por estar com um instrumento. Mas os outros músicos, todos brancos, também estavam com seus instrumentos e nenhum foi barrado”, relata.

Tanto para o advogado do CEERT como para o ouvidor da Seppir, a queda na desigualdade social registrada nos últimos dez anos no Brasil (que fez o índice Gini, usado pela ONU para medir a desigualdade, cair de 0,594 para 0,527 entre 2001 e 2011) beneficia a população de negros e pardos no país, historicamente relegadas às posições mais baixas da sociedade, e revela mais nitidamente as situações de preconceito.
Para Silva Júnior, há uma discriminação histórica – como na lei de Imigração de 1890, que proibia a entrada de africanos, e na lei que criminaliza e legaliza a prisão por vadiagem logo após o fim da escravidão, quando a maior parte dos negros não tinha emprego formal algum -, mas há também o preconceito difuso.

A secretária Nacional de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Reis Nogueira, acostumada a uma rotina de aeroportos por conta do trabalho, e dona de cartões de fidelidade que dão os maiores benefícios na compra de passagens,  conta que já caiu na armadilha do preconceito difuso em situações de consumo.

“Sempre viajo a trabalho, não me visto como uma madame, e percebi que em muitos locais quando entro na fila destinada aos portadores do meu cartão de fidelidade têm pessoas que me perguntam se estou na fila correta. No começo, ao perceber que esta atitude era em função da cor pele, respondia sempre que, se não tivesse o cartão, não estaria naquele lugar. Mas agora, quando me perguntam isto eu questiono a pessoa se está fazendo esta pergunta para todo mundo que está na fila, independente da cor da pele”, afirma.

fonte: revista AFro

Comments (5)

  1. Muitas pessoas têm a cultura de “acharem que negros dispõem de lugares predeterminados socialente”. Nos últimos dez anos têm havido mudanças não percebidas pelos “conservadores”. Nomeio como responsável por isso o RACISMO INSTITUCIONAL.

  2. Não esqueci, apesar de não conhecer de perto a realidade da maioria dos citados, quando me referi a negros, indígenas e pobres, pensei em todos os seguimentos no campo e da cidade,pois seria apenas um comentário generalizado e breve. Mas vcs tem razão.
    Quando me refiro ao “peso do frango” aos ricos, esqueci de citar que foi “em diamantes”, o que caracteriza maior atenção do governo com uns e não com outros. Entretanto não creio que a maioria dos negros, “beneficiados” tenham consciência de que é devido ao racismo que sofrem…

  3. Não esqueça as comunidades tradicionais, Reginaldo – quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, vazanteiros, extrativistas, camponeses, marisqueiros, geraizeiros, de fundo e de fecho de pasto, faxinais e tantas outras -, igualmente vitimizadas pelo racismo a serviço do capital.

  4. A falsidade e a mentira do marketing eleitoreiro das elites políticas e econômicas em conluio com a mídia fascista, favoreceram o surgimento de uma “classe média pobre”, consumista, insustentável, acrítica, alienada, insensível, não solidária, e racista, que disputa a primazia da aquisição de bens e serviços, de espaços e do “poder”. Essa é a razão do acirramento do racismo, sob a conivência da sociedade brasileira, do estado e suas instituições.
    Deram um frango ao pobre, aflorando-lhe a soberba, e o peso dele aos ricos empresários, políticos, magistrados, latifundiários e milicos, de modo a equilibrar institucionalmente as relações sociais através da mentira, repressão e o extermínio de jovens negros. Uma guerra genocida, não declarada, do estado brasileiro contra o povo negro, indígena e pobre. Reginaldo Bispo – MNU de Lutas, Autônomo e Independente.

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