Maioridade Penal e educação: um debate mais que necessário, urgente

menino de rua 7

Por Noélia Brito*, especial para o Blog de Jamildo

Tenho visto muitas manifestações de apoio à redução da maioridade penal. Observo também que os que assim se manifestam, quero dizer, a favor dessa redução, em geral, fazem-no movidos por um certo sentimento de ódio, revolta que jamais deveriam ser a força motriz desse ou de qualquer outro debate sobre Direito.

Quem é movido pelo ódio é o ser humano quando este se deixa levar por sentimentos inferiores e mesquinhos. O Estado jamais deve fazê-lo. Estado que se move pelo ódio insano acaba se tornando o que a Alemanha de Hitler se tornou. É preciso cuidado, portanto, para que o ódio, a insanidade ou o fascismo de alguns não contamine todo o Estado.

Impressionada com a falta de argumentos coerentes, muitas vezes por pura ignorância, noutras por evidente fascismo, de alguns defensores da redução da maioridade penal em nosso país, tomei o cuidado de investigar quais seriam os mentores das tais PECs que tramitam no Congresso e que estariam trazendo à tona tal discussão sem, entretanto, trazer consigo, o devido debate sobre os porquês da delinquência entre os jovens e qual o papel e as responsabilidades do próprio Estado, diante dessa delinquência que se pretende solucionar com algo que não se mostra eficiente nem para adultos, para quem o Sistema Prisional, como mecanismo de recuperação e reinserção social também se mostra totalmente falido.

Descobri, então, que não era só o ódio insano que movia os defensores de tais projetos, mas interesses inconfessáveis de mentes, essas sim, criminosas. Tramitam pelo menos sete Propostas de Emendas à Constituição, cujo objetivo é a redução da maioridade penal. Entre os proponentes figuras bem conhecidas de nossa política nacional: os senadores Romero Jucá, Roberto Arruda (chegou a apresentar duas PECs sobre esse tema), Íris Resende, Eduardo Azeredo, Magno Malta e Papaleo Paes.

Em 2007, todas essas PECs que sugeriam imputabilidade penal para jovens de 13 anos, como no caso da proposta do Senador Magno Malta, ou até sem limites mínimos de idade, como no caso da proposta do senador Papaleo Paes, foram relatadas pelo então senador Demóstenes Torres que propôs suas rejeições pela Comissão de Constituição e Justiça, sugerindo, em seu relatório, a aprovação apenas da PEC 20/1999, do ex-senador Roberto Arruda, com a qual o art. 228, da Constituição Federal passaria a ter o seguinte texto:

“Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial. Parágrafo único. Os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anos:

I – somente serão penalmente imputáveis quando, ao tempo da ação ou omissão, tinham plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar- se de acordo com esse entendimento, atestada por laudo técnico, elaborado por junta nomeada pelo juiz;

II – cumprirão pena em local distinto dos presos maiores de dezoito anos;

III – terão a pena substituída por uma das medidas socioeducativas, previstas em lei, desde que não estejam incursos em nenhum dos crimes referidos no inciso XLIII, do art. 5º desta Constituição.”

Desde a aprovação do relatório de Demóstenes Torres, na CCJC, todas essas PECs foram incluídas na ordem do dia do Senado, podendo ser votadas a qualquer momento, bastando, para tanto, um acordo de lideranças que as coloque na pauta de votação.

No momento, então, a favor da redução da maioridade penal, temos um parecer feito por um ex-senador, do DEM, cassado por ter sido um dos mentores de um dos maiores escândalos de corrupção de que se tem notícia neste País, que praticava tráfico de influência com a maior desenvoltura, com o intuito de beneficiar o esquema mafioso do bicheiro Carlinhos Cachoeira e da Construtora Delta, recomendando a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição de um outro ex-senador, flagrado quebrando o sigilo do painel de votações do Senado, quando na presidência da Casa e mais, que recentemente comandou outro gigantesco escândalo de corrupção, o chamado Mensalão do DEM, quando governava o Distrito Federal e distribuía propinas para deputados e políticos para aprovação dos projetos de interesse de seu governo.

Aliás, foi nesse caso, o do Mensalão do DEM, comandado por Roberto Arruda, que uma deputada corrupta foi filmada rezando, em agradecimento às propinas recebidas.

Se o Parecer nº 478/2007 não fosse da lavra do ex-senador Demóstenes Torres, eu até me impressionaria com o cinismo do texto, mas sendo o relator quem é, sendo o relator uma pessoa que vestia a máscara de vestal e defensor público nº 1 da moralidade, para esconder sua verdadeira face de bandido de colarinho branco, não é de causar surpresas que para justificar a redução da maioridade penal tenha se utilizado de argumentos dos mais falaciosos para ocultar a falência do Estado que sempre o protegeu e ainda o protege com uma aposentadoria de mais de R$ 24 mil mensais, como procurador de Justiça vitalício que é, apesar de cassado como senador por corrupção. Demóstenes Torres, assim como aqueles que representou e ainda representa transferiu todos os ônus dessa falência estatal para os jovens, que antes de se tornarem algozes, foram vítimas da falta de políticas públicas decorrente dos desvios de dinheiro público cometidos por corruptos como o próprio autor da PEC da Menoridade Penal e o próprio relator desta.

Em seu relatório, Demóstenes Torres afirma que a maioridade penal aos 18 anos é responsável pelo uso de menores por quadrilhas organizadas que os utilizam como escudo contra o Judiciário. Afirma, ainda, que no Rio de Janeiro e em São Paulo, 1% da população estaria envolvida com o tráfico de drogas e que em sua maioria seriam os jovens os envolvidos com esse crime. Esses, portanto, seriam os motivos, que, no entender do ex-senador, cassado por tráfico de influência em favor de empreiteiras e suas obras superfaturadas, justificariam a redução da maioridade penal para dezesseis anos.

É natural que quem se beneficia do dinheiro desviado das políticas públicas para os cofres polpudos de empreiteiras, por meio de obras superfaturadas, faça uso de um argumento desses. Ora, porque chamar a atenção de todos para os reais motivos da situação de nossas crianças e de nossos jovens? Isso seria o mesmo que chamar a atenção para os vergonhosos índices de nossa educação básica, para a política educacional que manda aprovar crianças sequer alfabetizadas de uma série para outra, para que não se comprometam os índices de aprovação, as metas. Seria o mesmo que chamar a atenção da população para o fato de que, nas escolas públicas, a merenda é de péssima qualidade porque está entregue a empresas mafiosas, já flagradas em operações policiais cometendo todo tipo de fraude, como é o caso das empresas paulistas que fornecem merenda para as crianças da Rede Municipal do Recife, a Geraldo J, Coan e a SP Alimentação.

Se traficantes de drogas e quadrilheiros estão se aproveitando de nossas crianças e de nossos jovens para a prática de seus crimes é porque outros tipos de criminosos, os de colarinho branco, os que traficam influência e formam quadrilhas para assaltar o Erário desviam os recursos que deveriam ser investidos na educação e na formação desses jovens. Então a solução evidentemente é a de sempre: punir o mais fraco, o que não tem como se defender e com isso jogar mais fumaça sobre o verdadeiro “x” do problema.

A questão da delinquência entre jovens, que alguns chamam de criminalidade, é questão afeta à seara das políticas públicas, é questão social e não penal. Tenho visto alguns debates sobre a transferência das Escolas Profissionalizantes da Rede Municipal de Ensino da Secretaria de Educação para a Secretaria da Juventude da Prefeitura. Pretendo evidentemente, num futuro próximo, aprofundar-me mais sobre esse assunto específico, mas após ler a matéria publicada hoje no Portal NE10, sobre a situação da FUNASE, em Pernambuco, gravíssima, como todos sabemos e que é a maior prova da falta de políticas públicas para jovens em nosso Estado, fico me questionando o porquê de uma Secretaria da Juventude não se preocupar em instalar suas próprias escolas profissionalizantes dentro dessas Unidades, que, segundo a matéria do NE10, não as possuem, ficando os internos no mais absoluto ócio, em vez de querer tomar posse de escolas já administradas pela Secretaria de Educação e que incluem, em seu público, não apenas jovens, mas também adultos de todas as idades. Qual o propósito disso, afinal?

Como podemos observar, a questão é bem mais complexa e envolve interesses muito maiores do que os singelamente postos até o momento pelos defensores dessa ideia.

*Advogada e procuradora judicial do Município do Recife.

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