Audiência tratou de caso de mais de 700 famílias que há 10 anos não podem produzir em suas terras
Assembleia de Minas – A situação das mais de 700 famílias que vivem na região onde foi demarcada, em 2003, a Reserva Biológica da Mata Escura, no município do Jequitinhonha, foi tema de audiência pública da Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta terça-feira (30/4/13).
A área tem pouco mais de 50 mil hectares e abriga comunidades quilombolas, assentamentos rurais e pequenos agricultores. Antes da demarcação da área para proteção ambiental, havia uma grande produção de mandioca, cachaça, coco e doces. Hoje, as comunidades estão impedidas de produzir e não foram nem indenizadas nem reassentadas.
A comissão recebeu várias entidades ligadas às famílias e representantes de órgãos envolvidos na negociação para buscar soluções para o problema. O requerimento para a audiência foi do deputado Antônio Carlos Arantes (PSC), presidente da comissão.
A Reserva Biológica da Mata Escura foi criada por decreto do Governo Federal e ampliou a área de pouco mais de 20 mil hectares que já era anteriormente protegida pelo Governo Estadual. Com a ampliação, abarcou as regiões historicamente ocupadas pelas famílias.
Os grupos que defendem essa população – como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, representada na audiência pública pelo secretário de formação e organização sindical Juraci Moreira Souto – têm três grandes reivindicações. A primeira é que a Reserva Biológica seja convertida em Parque Nacional, que é uma área protegida, porém com menores restrições. A Reserva Biológica é uma área onde apenas pesquisadores podem entrar.
A segunda reivindicação é de que a área demarcada seja reduzida para 38 mil hectares, o que excluiria a maior parte dos adensamentos populacionais. O último pedido é para que sejam reassentadas as cerca de 50 famílias que ainda estariam dentro da reserva depois da redução da área.
Uma década sem respostas
As propostas têm sido exaustivamente discutidas com o Governo Federal nos últimos dez anos. De acordo com o representante do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mario Douglas, está em construção um projeto de lei com essas alterações que será enviado ao Congresso Nacional. O órgão foi muito criticado pelos presentes especialmente pela demora em resolver o problema, mas o representante do instituto salientou que o poder de decisão do ICMBio é limitado. “Nossa obrigação e desejo é resolver essas questões, essa é a diretriz do ICMBio, mas o projeto, da forma como foi construído com as entidades, já está no Ministério do Meio Ambiente e a pressão sobre os técnicos do instituto, agora, não terá nenhum efeito”, disse.
Mario afirmou que a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, já pediu mais detalhes sobre a proposta e está pronta para se manifestar sobre o envio desse projeto de lei. “Se aprovada a lei, grande parte do problema estará resolvido, o gargalo será apenas o reassentamento das 57 famílias que continuarão dentro da área de preservação”, completou.
O chefe da procuradoria regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Geraldo Valadares Júnior, ressaltou que assentar essas famílias deslocadas pela demarcação de reservas ambientais não é função do Incra, que só pode obter imóveis rurais se o fim for a reforma agrária. Segundo ele, quem tem que fazer esse trabalho é o ICMBio, mas o Incra está disponível para ajudar e prestar toda a assessoria técnica necessária para, por exemplo, identificar o perfil das famílias.
Valadares manifestou também sua preocupação em relação à titulação das terras. “No caso de uma futura desapropriação, só serão indenizados os que tiverem títulos de domínio, só a posse não adianta. É de suma importância que a defensoria pública levante a situação de cada uma delas e entre com ações de usucapião quando necessário”, alertou.
Muitos dos presentes pediram a palavra para se manifestar e todos eles reafirmaram que a demora de dez anos não é aceitável. A proposta que está em vias de ser enviada ao Congresso também não é consenso.
O assessor de meio ambiente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Eduardo Nascimento, disse que a proposta mais justa seria não reduzir a área de proteção para 38 mil hectares, mas sim para 32 mil, que significaria tirar dos limites protegidos todas as famílias. “Chegamos a sugerir que comprassem essas terras, mas o ICMBio não tem dinheiro, isso é inadmissível”, disse. Ele afirmou, ainda, que a visão de que é necessário tirar o ser humano da área para preservá-la é ultrapassada.
Deputados anunciam próximos passos
O deputado Inácio Franco (PV) lembrou que a questão precisa ser resolvida no Governo Federal, mas que a ALMG fará as intervenções possíveis a favor das famílias. Ao fim da audiência, ele leu os requerimentos que serão votados na próxima reunião da Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial.
Os documentos incluem pedidos de envio de ofício para a Defensoria Pública, solicitando a verificação da situação dos títulos de propriedades das famílias; para o Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais (Iter), com pedido de regularização fundiária da população na área demarcada; para o Ministério do Meio Ambiente, para que seja agilizado o envio do projeto de lei ao Congresso; e para o ICMBio, pedindo proposta de assentamento das famílias que continuarão na área demarcada depois da mudança de seus limites. Outros requerimentos solicitam o envio das notas taquigráficas para as entidades interessadas e pedem audiência com a ministra do Meio Ambiente para tratar do assunto.
Os deputados Rogério Correia (PT) e Luiz Henrique (PSDB) salientaram a necessidade de agilizar a resolução dos problemas. “Sabemos da importância de preservar o meio ambiente e não tem ninguém aqui contra isso, mas as pessoas precisam ser respeitadas”, disse Rogério Correia.
Luiz Henrique lembrou também que existem outras áreas passando por situações parecidas e lembrou o Projeto Jaíba, no norte de Minas Gerais, que tem áreas que foram separadas para agricultura e, hoje, não podem ter produção por terem também sido alvo de demarcação de áreas de proteção ambiental. “É preciso mudar essa legislação burra que emperra tudo em seus trâmites burocráticos”, disse.
Consulte o resultado da reunião.
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Compartilhada por Alexandre Sampaio.