Riscos envolvidos na próxima licitação de petróleo podem levar a grandes desastres ecológicos no Brasil e em países vizinhos

Parque do Parcel - MA
Parque do Parcel Manuel Luís, no Maranhão, está a 86 quilômetros de blocos em Barreirinhas. Foto: Márcia Couro/ Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão.

Blocos do Rio Grande do Norte ao Amapá, que vão a leilão este mês, ficam perto de santuários ecológicos

Por Bruno Rosa e Ramona Ordoñez em O Globo

RIO — Ao lado do inimigo. Será possível a convivência da exploração de petróleo com verdadeiros santuários naturais, como manguezais e áreas de reprodução de tartarugas marinhas e corais? Este será um dos maiores desafios da 11ª Rodada de Licitações, que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) vai realizar nos dias 14 e 15 próximos. A poucos dias do leilão, ambientalistas alertam que pouco se conhece, nas regiões onde estão os blocos da margem equatorial (região que vai da costa do Rio Grande do Norte ao Amapá), sobre as correntes marinhas, ventos e marés. Este conhecimento é necessário para evitar que, em caso de vazamento, o óleo atinja a costa repleta de unidades de conservação. Os blocos estão entre 60 e 100 quilômetros da costa.

Dos 289 blocos que serão ofertados, 170 estão em bacias situadas na margem equatorial, onde não existem os chamados dados primários — obtidos através de pesquisa local, como a temperatura da água, as correntes marinhas, a variação das marés e a rota dos ventos, além da biodiversidade. Apesar de haver um potencial de 7,5 bilhões de barris de petróleo em reservas na margem equatorial, a região conta com 96 unidades de conservação. Deste total, 18 estão no litoral.

Maior costa de manguezais

Assim, especialistas destacam que a exploração exigirá altos investimentos tanto na fase de elaboração dos estudos de impactos ambientais, para obtenção das licenças, quanto na elaboração do Programa de Emergência Individual (PEI).

Segundo Guilherme Fraga Dutra, diretor do Programa Marinho da ONG Conservação Internacional Brasil, o leilão mostra que há falta de planejamento do governo, visto que muitas áreas não têm dados ambientais detalhados:

— Parece haver uma desconexão dos poderes. A ANP oferece os blocos; as empresas compram, e, depois, não conseguem a licença. E isso é ruim para todos. Do Maranhão ao Amapá, há a maior costa de manguezais do país. No Maranhão, há um dos maiores bancos de corais do país, o Parque do Parcel de Manuel Luís, que está próximo de blocos.

O presidente da consultoria CP+, Marcelo Bacci, diz que a região, com santuários ecológicos, é pouco conhecida:

— Os maiores riscos estão relacionados com a possibilidade de vazamento de óleo, que poderia afetar áreas sensíveis e atividades econômicas como a pesca e o turismo. Outro desafio é criar estruturas de combate ao vazamento numa região tão isolada.

O executivo lembra que o Ibama vai exigir das empresas vencedoras os estudos de impacto ambiental e o levantamento dos dados primários, uma vez que os dados existentes são secundários (obtidos de literatura disponível).

— É possível explorar petróleo e preservar o meio ambiente. Alguns dos blocos ofertados se sobrepõem a ecossistemas sensíveis — disse Bacci.

O chefe de gabinete da ANP, o biólogo marinho Sílvio Jablonski, admite que o Ibama deverá exigir das companhias o levantamento de dados primários para conceder o licenciamento e o Programa de Emergência Individual (PEI) terá de conter infraestrutura, como embarcações e bases em terra.

— Com o aval prévio do Ibama, estamos tranquilos que não teremos problemas de licenciamento. O Ibama retirou áreas que poderiam ter ameaça de levar óleo para a costa.

O Ibama, por outro lado, diz que há, sim, o risco de, ao se fazer os estudos de dados primários, se inviabilizar a exploração de algum bloco. Além disso, ressalta, os blocos que apresentam os maiores riscos são os próximos à costa .

— Sempre há a possibilidade de o estudo ambiental concluir que o projeto é incompatível com a região. Dados secundários não são ruins. Para a margem equatorial, há poucos dados ambientais como um todo, então será necessária a coleta de informações pelo empreendedor — diz Cristiano Vilardo, coordenador-geral de Petróleo e Gás do Ibama.

Uma fonte do governo federal destacou que os blocos estão a mais de 50 quilômetros da costa e a profundidades superiores a 50 metros do solo marinho. Por isso, acredita que não haverá problemas com as licenças.

— Um ou outro (licenciamento) pode ser um pouco mais rigoroso, mas nada que inviabilize a exploração. A obtenção dos dados primários é de responsabilidade das empresas, não do governo — afirmou a fonte.

Mas Ricardo Baitello, responsável pela campanha de energia do Greenpeace, lembra que as regiões Norte e Nordeste não contam com uma infraestrutura para que a empresa possa agir rapidamente em caso de vazamento.

— Além disso, não há um Plano Nacional de Contigência. E também não está clara a responsabilidade de cada órgão. Cada estado do Norte e Nordeste tem uma legislação e isso traz ainda mais incertezas.

Risco a países vizinhos

Segundo especialistas, uma das áreas mais críticas é a Bacia da Foz do Amazonas. Paulo Cesar Rosman, professor de Engenharia Costeira da Coppe, ressalta que as correntes marinhas predominantes da região vão em direção ao Norte, levando, assim, o óleo em direção à Venezuela em caso de vazamento. Bacci, da CP+, afirma que há risco de contaminação acidental em outros países:

— É um fato inédito nos licenciamentos, o que demandará negociação com os países potencialmente afetados e definirá uma maior complexidade no processo de licenciamento — destacou Bacci.

Assim, para Beatriz Paulo de Frontin, advogada de Direito Ambiental do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, os investimentos serão mais elevados na região.

— Os investidores vão ter que enfrentar as incertezas na hora de adquirir os blocos. Quanto mais próximos a essas áreas sensíveis, maiores serão os investimentos para o controle de um eventual vazamento de óleo — destacou Beatriz.

A advogada Miriam Mazza, do mesmo escritório, diz que o ideal seria ter mais estudos prévios.

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Abrolhos, que já foi ameaçado, hoje é referência de proteção

Banco de corais do Parcel de Manuel Luís está próximo a blocos da 11ª Rodada

RIO — Há dez anos, um imbróglio fez do arquipélago de Abrolhos — o primeiro Parque Nacional Marinho do país e dono de um dos maiores bancos de corais da América do Sul — símbolo da preservação ambiental do Brasil. Na 4ª Rodada de Licitações do Petróleo, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) leiloou blocos próximos à região, a 950 quilômetros de Salvador, e gerou polêmica entre ambientalistas. A empresa que arrematou as áreas, a americana NewField, não obteve as licenças ambientais do Ibama e teve a exploração proibida.

— Abrolhos tem a maior biodiversidade da costa. Conseguimos comprovar que na região os ventos mudam de direção durante o verão e o inverno, ampliando os impactos ambientais em caso de acidentes. E, a partir de 2004, os blocos dessa área foram retirados dos leilões — disse Guilherme Fraga Dutra, diretor do Programa Marinho da ONG Conservação Internacional Brasil.

O bloco foi formalmente devolvido à ANP em 2006 e a disputa foi parar na Justiça. A ANP teve de pagar indenização superior a R$ 5 milhões a NewField.

Mas a 11ª Rodada promete novas polêmicas devido à proximidade de alguns dos blocos oferecidos a áreas de preservação ambiental, como o Parque Nacional Cabo Orange, no Amapá, na divisa com a Guiana Francesa. O local, de 619 mil hectares e que abriga espécies em extinção, é uma das maiores áreas de conservação do país. Segundo a ANP, os blocos na Foz do Amazonas estão a 100 quilômetros da costa.

Outra área sensível é o Parque do Parcel de Manuel Luís, a 96 quilômetros da costa do Maranhão e com um dos maiores bancos de corais da América do Sul. Os blocos que serão oferecidos na Bacia de Barreirinhas estão a 86 quilômetros deste parque. Já os blocos de Pará-Maranhão estão a 99 quilômetros do parque.

Uma fonte do governo disse que, em caso de vazamento, o óleo levaria dois dias para chegar ao Parque do Parcel:

— Dá para recolher a tempo.

Mas ambientalistas lembram que a região tem grandes amplitudes de maré, o que dificulta a dispersão de óleo.

— As correntes são muito fortes. É impossível ir ao Parcel durante a lua cheia ou lua nova, por conta das marés. Formações rochosas chegam próximo à superfície — detalha Luiz Rocha, professor da California Academy of Sciences.

Fernanda Duarte Amaral, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, disse que a exploração de petróleo pode trazer problemas ao Parcel.

— Quando o coral morre, todo o ecossistema é atingido. É impossível falar de dispersantes, pois essas substâncias químicas prejudicam o nível de respiração do coral.

Enviada por Mayron Régis para Combate Racismo Ambiental.

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