Oswaldo Sevá: Mais uma entrevista censurada no Acre por causa da exploração de petróleo e gás

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Por Oswaldo Sevá

Por duas vezes, no último ano, fui procurado pelo repórter Duaine Rodrigues, de Rio Branco, para conceder entrevista sobre o avanço da prospecção de petróleo e gás na região – a primeira em fevereiro de 2012, com a promessa de que a entrevista seria publicada em A Tribuna. Não foi. Após aguardar dois meses, pedi ao jornalista Altino Machado a gentileza de publicar a entrevista no seu blog, o que aconteceu (leia) em junho. O repórter até agradeceu ter sido mantido “em sigilo” o nome dele, o que mostra que somos gente correta.

Na segunda vez, o mesmo repórter me procura, um ano depois, dizendo que a entrevista seria publicada no portal G1. Semanas depois, questionei a falta da publicação, e ele explicou que estavam aguardando as respostas oficiais aos quesitos que foram enviados pelo portal G1 à Agencia Nacional do Petróleo (ANP), que seriam apresentadas “em contraponto” às minhas respostas. Passados dois meses, pedi novamente esclarecimentos, e, há quatro dias, estou sem qualquer explicação.

Posso supor, até prova em contrário, que, nos dois casos, minhas respostas tiveram sim a função de “informar o outro lado”, ou seja: os governos estaduais e políticos petistas que embarcaram cegamente nessa coisa do petróleo, e a própria ANP, que está promovendo a etapa de prospecção no Alto Juruá, Acre, e no Alto Javari, no Amazonas, sem nunca ter incluído oficialmente esses perímetros nos seus “leilões”, que vão esse ano para a 11ª rodada, cada vez mais contestados e mal afamados.

Aqui está a minha segunda entrevista censurada no Acre, terrinha tão querida. Isso talvez possa clarear um pouco a cabeça dos leitores que ainda não se entregaram à visão inebriante do suposto dinheiro fácil do “ouro negro”.  Talvez possamos dar uma pequena força àqueles que desconfiam das mentiras propagandeadas pela oligarquia que comanda quase tudo, detesta e persegue quem ainda pensa de modo independente.

Meu “site” (veja) andou um pouco desatualizado, por motivos de saúde do redator, mas continua interessante para quem ainda não conhece e para quem consultou há alguns meses e não retornou.

Nota do blog do Altino: Arsenio Oswaldo Sevá Filho é professor dos cursos de doutorado em Ciências Sociais e em Antropologia Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Sevá informa que a entrevista a seguir foi concedida por e-mail em 16 e 19 de fevereiro de 2013.

Quais impactos podem sofrer as populações que vivem nas regiões onde estão sendo realizados os estudos?
 
Todas as pessoas residentes nas áreas onde são feitos sobrevoos, coletas de solo para análise e a exploração chamada de “sísmica” ficam sujeitas aos transtornos e aos eventos usuais dessa atividade em qualquer parte do mundo. Isso inclui desde assustar pessoas desprevenidas, espantar os animais e prejudicar a caça, a abertura de pontos de pouso de aeronaves e de picadas e estradas na selva, até os efeitos da “invasão” dos locais por operários e técnicos vindos de fora e que ali ficam por curtos períodos. Infelizmente, é uma indústria arrogante e que age sempre na pressa e frequentemente  ignorando os direitos dos moradores, ou seja, age na ilegalidade ou na sua franja.

Esta semana foi anunciado que encontraram sinais de hidrocarboneto perto de uma aldeia. Que tipo de consequências podem acontecer a partir dessa informação?

O “anúncio” feito, se podemos nos basear pela matéria do G1 de 13 de fevereiro, é uma peça meramente publicitária e incoerente, não menciona nenhuma pessoa que tenha dito que encontrou indícios físicos da algum hidrocarboneto. Nas atividades da empresa Georadar é impossível obter indícios de óleo, pois são sobrevoos, coletas de material no solo e a chamada “sísmica”. Segundo a matéria, o coordenador da Funai é que afirmou que os índios Poianaua “colheram amostras de liquido oleoso” em poços abertos pela Petrobrás há 20 anos. Como assim? O líquido estava na superfície? O poço não estava tampado? “Índio colher amostra” já é em si algo estranho, e nesse caso, não tem nada a ver com a fase de prospecção atual feita pelo Georadar. A conseqüência dessa divulgação é uma só: é o próprio objetivo da divulgação, dar o tiro de partida para o assédio sobre os índios, visando fragilizá-los, flexibilizá-los, dividi-los, não somente os Poianaua mas todos os demais na região do Juruá, no Acre e no Amazonas. É a ponta de um novelo terrível, que seria a “liberação” das terras da União dentro dos perímetros indígenas e de unidades de conservação para a exploração econômica, do petróleo, de ouro, hidrelétrica, madeireira. Para isso, está sendo mexido no Código da Mineração e em todo o aparato legal para impor os tais “projetos estratégicos” do capitalismo no meio da selva.

Esse tipo de estudo já acontece na Amazônia desde a década de 70, pelo menos. O senhor acredita que o resultado pode chegar a representar futuramente um retorno comercial que compense os prejuízos causados pela prospecção?

Não tenho acesso aos dados para poder responder. A indústria petrolífera busca sempre hidrocarbonetos e informação sobre o subsolo; é isso que está sendo feito. É para um trabalhoso mapa de informações sobre o subsolo da bacia sedimentar do Juruá, do lado brasileiro, pois do lado peruano a coisa já está bem mais avançada. Se um dia encontrarem óleo ou gás com qualidade e quantidade suficientes para a exploração comercial, aí a coisa muda de figura, pois tem que ser resolvido para onde e como esse material será despachado para processamento e posterior venda dos derivados. Basta acompanhar como foi em Urucu, no centro do Amazonas, desde a primeira grande descoberta, em 1986, para se ter uma ideia da complexidade e dos longos tempos de execução. O gasoduto para Manaus, com pouco mais de 600 km de extensão, somente ficou pronto, operacional, em 2010, 2011. E só foi feito porque existe um grande mercado consumidor que são as usinas termelétricas.  Se for encontrado material de interesse comercial no Alto Juruá, no Acre, qualquer forma de despacho, seja para Manaus, ou para o Peru, será muitas vezes mais cara e com mais consequências danosas do que em Urucu.

A região amazônica é um local apropriado para se fazer esse tipo de estudo geofísico?

Para essa indústria, qualquer local onde o subsolo tenha uma camada sedimentar que sepultou matéria orgânica de centenas de milhões atrás é um local “apropriado”. A região amazônica ainda não destruída deveria ter outras destinações, inclusive econômicas e sociais. Infelizmente, o que está sendo feito atualmente, com o apoio explícito e a própria indução dos governos, é para extrair dela o máximo possível de minérios, combustíveis, eletricidade, princípios ativos e patrimônio genético.

O senhor acha que essa ação pode motivar empresas estrangeiras a tentarem se beneficiar com os mesmos recursos (estudos geofísicos) e assim deixar os nativos ainda mais suscetíveis aos riscos?

Na indústria petrolífera, não há nacionais e estrangeiros, toda ela é uma indústria internacionalizada; os dados dos estudos valem muito e entre a fase atual, a entrega de dados para a agência reguladora ANP e a futura inclusão dessas áreas nas licitações, instala-se uma verdadeira guerra de bastidores sobre as características do subsolo da região. Não apenas os chamados nativos mas, insisto, toda a população residente na área e no entorno estarão sempre sob risco, mesmo que a empresa tenha capital de maioria brasileira.

Se quiser comentar algo que considere relevante e não tenha sido abordado em qualquer uma das perguntas acima, fique à vontade.  Aguardarei sua resposta de retorno.

A exploração de petróleo e gás em diversos pontos da Amazônia já é uma realidade, em geral conflitiva. Basta acompanhar os casos de Camisea, no leste do Peru, da região de Puccalpa e do rio Napo, também no Peru,  de  Sucumbios e do parque Yasuni, no Equador, vários casos, na Colombia. Os leitores interessados deveriam ver com cuidado o que está acontecendo justamente agora, na fronteira Brasil-Peru, próximo da Serra do Divisor, no Alto Juruá e no Alto Purus, com a “invasão’ da floresta por empresas de todo o mundo que fazem prospecção após as rodadas de “leilões” feitas pelos governos entreguistas de Toledo e de Garcia no país vizinho; e a batalha da Federação Indígena para limitar e bloquear os estragos e os conflitos. O fato de a Petrobras divulgar o caso de Urucu, no Amazonas, como uma “vitrine” e viver levando comitivas para visitas completamente guiadas e controladas não cancela as consequências intrínsecas da exploração, por exemplo, um enorme volume de água de formação do petróleo, oleosa e bastante contaminada,  que é em geral descartada na rede superficial de igarapés e lagos. Que eu saiba nunca foi feita qualquer investigação independente nem uma  perícia judicial nas dezenas de poços abertos durante os últimos 25 anos, a maioria ainda em funcionamento, e nos rios próximos da região de Urucu, para se saber a extensão dos danos e dos riscos. Mas a simples consulta  mais pormenorizada das fotos de satélite do sistema Google Earth mostra  muitos indícios de problemas.

Enviada por Oswaldo Sevá para combate Racismo Ambiental. Publicação original no Blog do Altino Machado, em 26/04/2013.

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