Morre Erivaldo Almeida Cruz, 37 anos, líder indígena do Alto Rio Negro

Erivaldo em foto tirada em 2009 (ISA)

Ele perdeu a batalha contra o câncer na madrugada desta quinta-feira (11/4) e está sendo velado na maloca da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), cuja diretoria integrou entre 2005 e 2012

Renato Martelli Soares – ISA

Erivaldo Almeida Cruz – Piratapuia Bahsa Wehetará, nasceu em uma pequena comunidade do Rio Papuri chamada Capinima, localizada na fronteira da Colômbia com o Brasil. Estudou e se formou como professor em Iauaretê. Também serviu ao Exército brasileiro e foi diretor da Foirn em dois mandatos. Em 2011 colaborou com uma pesquisa de mestrado sobre a federação para a qual gravou duas entrevistas.

Sobre a comunidade em que nasceu Erivaldo relatou: “Quando eu nasci já não tinha muita gente, só tinha a casa do meu pai, do meu tio e um velhinho que era nosso avô. Na época quando os velhos ainda estavam lá, a comunidade era grande, tinha maloca, os Piratapuia faziam cerimônias grandes. Meu avô era baya, um cantor. Ele se juntava com seus cunhados, com seus irmãos e fazia a festa na comunidade onde eu nasci”.

Em um movimento comum nas últimas décadas, na região do Rio Negro, Erivaldo se mudou para a comunidade de Aracapá para estudar e posteriormente concluir seus estudos na escola salesiana de São Miguel, em Iauaretê. Em um de seus depoimentos ele recordou que desde os tempos em que era estudante, havia muitas reuniões e conversas sobre a demarcação das Terras Indígenas do Rio Negro. “As pessoas que não entendiam diziam: ‘eles estão vendendo terra’, mas como iriam vender terra? Os que entendiam explicavam que ninguém estava vendendo terra, mas lutando pelos nossos direitos, demarcando nossa terra”.

Aluno dedicado

Erivaldo se formou no curso de magistério e em seguida ingressou no Exército, onde trabalhou por sete anos. Aluno dedicado nos estágios que fez durante o curso do magistério, foi indicado por seus professores para assumir o cargo de conselheiro distrital de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro (DSEI-RN). Como conselheiro levava as demandas das comunidades ao DSEI e supervisionava o serviço de saúde na região. Em 2004, quando a Foirn realizou a primeira eleição que escolheria os diretores nas assembleias locais das cinco regiões, Erivaldo foi um dos eleitos. Quatro anos depois seria reeleito diretor pelo Médio e Alto Rio Uaupés e Rio Papuri.

Nesse período de oito anos na Foirn, Erivaldo trabalhou intensamente pela valorização das culturas indígenas. Esteve envolvido em uma série de iniciativas e ações culturais na região e foi articulador de importantes parcerias no campo da cultura, com destaque para o Iphan e o próprio MinC. Entre estas ações destaca-se o processo que trouxe o reconhecimento pelo Iphan da Cachoeira da Onça, em Iauaretê, como Patrimônio Imaterial do Brasil e Patrimônio Cultural dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri, no Alto Rio Negro.

Daí surgiram também outras conquistas nas quais Erivaldo teve um papel fundamental, como a repatriação dos ornamentos sagrados que estavam sob a guarda do Museu do Índio, em Manaus, e a implantação de um Pontão de Cultura em São Gabriel da Cachoeira. Além disso, Erivaldo também participou ativamente na concepção e elaboração da proposta brasileira para o projeto Mapeo – de cartografia cultural, que vem sendo desenvolvido desde 2009, para identificar e mapear locais considerados sagrados pelos indígenas da região do Rio Negro e contribuir para a sua salvaguarda.

Erivaldo era ainda a pessoa de referência da Foirn para os encontros e reuniões transfronteiriças da rede Canoa – Cooperação e Aliança no Noroeste Amazônico -, formada por organizações indígenas e não indígenas do Brasil, Colômbia e Venezuela, para debater a adoção de políticas públicas para contemplar as demandas dos povos indígenas da região.

Sobre o trabalho que vinha realizando na área cultural ele disse em entrevista:”Ultimamente a gente está trabalhando nessa política nova de conscientização cultural, de respeito entre clãs, entre tribos. É uma questão de organização tradicional”. Para Erivaldo, esse trabalho se “destinava à população indígena”, pois era ela quem lhe havia confiado o posto de liderança.

Mesmo com a saúde agravada – a doença foi descoberta em meados do ano passado – Erivaldo participou, em 2012, da assembleia que viria a eleger a nova diretoria da Foirn. Incansável na luta pelos direitos dos povos indígenas, sua trajetória é exemplo do esforço e do trabalho pela valorização das riquezas, materiais e imateriais de seu povo. Sua história será sem dúvida fonte de inspiração para as novas lideranças indígenas do Rio Negro e ficará gravada para sempre na memória do movimento indígena.

Compartilhada por Janete Melo.

Comments (1)

  1. “…seguindo os princípios recebidos pela educação católica, vivenciando-as, assim como os princípios éticos, de respeito, de cidadania e humanidade, recebido dos pais, trabalhou sem pensar em se enriquecer e apossar de bens alheios, trabalhou com honra, como líder indígena.

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