Povo Munduruku anuncia: “Vai ter guerra”

Foto do ataque da Polícia Federal e Força Nacional que resultou na morte de Adenilson Munduruku, na aldeia Teles Pires, em novembro de 2012. Foto: Comunidade Munduruku.

Com presença da Força Nacional para garantir os estudos de impacto ambiental da hidrelétrica no rio Tapajós, indígenas se sentem “traídos” pelo governo federal, temem enfrentamento e afirmam: “nós vamos dizer como queremos ser consultados”.

CIMI– “Vai ter guerra”. Foi com esta sentença que lideranças Munduruku terminaram um telefonema com representantes da Secretaria Geral da Presidência, em Itaituba (PA), no último sábado, 30 de março. O contexto é a construção de usinas do chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós..

Na última quinta-feira, 28 de março, um destacamento da Operação Tapajós se deslocou para a aldeia Sawré Maybu, em Itaituba. Indígenas relatam que policiais fortemente armados, espalhados nos principais pontos de acesso à aldeia, têm feito revistas, registros fotográficos, interrogatórios, tentativas de forçar escoltas de ônibus com indígenas, sobrevoo pelas aldeias e monitoramento pelo rio, margeando a comunidade. Apesar da presença policial, os indígenas atestam não ter visto pesquisador algum.

Indígenas e organizações sociais denunciaram a ação do governo como uma “operação de guerra” e exigiram a suspensão da Operação Tapajós.

“Se o governo [federal] quiser diálogo com os Munduruku, tem que parar a Operação Tapajós e mandar tirar as Forças Armadas de nossas terras. Nós não somos bandidos. Estamos nos sentindo traídos, humilhados e desrespeitados com tudo isso. O governo não precisa da polícia e da Força Nacional para dialogar com o povo Munduruku. Nós queremos diálogo, mas só falaremos com o governo depois que todos os caciques do alto, médio e baixo [rio] Tapajós conversarem e tomarem sua decisão. É nosso último aviso. Se a Operação não parar, não vai ter mais diálogo com os Munduruku. Vamos acionar os caciques e vai ter guerra”, afirmaram os indígenas ao representante da Secretaria Geral da Presidência da República, Tiago Garcia, na ligação telefônica de 30 de março.

Carta

Em nova carta ao governo, os indígenas denunciam a presença ostensiva da polícia no território indígena. “Helicópteros e voadeiras estão circulando pelo rio e pelo ar”, relata a carta. “Estamos sendo humilhados e ameaçados pela Operação [Tapajós]. (…) As Forças Armadas estão espalhadas sobre o rio Tapajós, sobre a Transamazônica e nossos territórios, intimidando e ameaçando as pessoas, impedindo de navegar pelos nossos rios e circularmos livremente pelas estradas nas terras e aldeias. Não podemos pescar. Trabalhar, tomar banho no rio, caçar, andar livremente e viver nossa vida”.

Os Munduruku também explicam que o governo federal não aguardou a “reunião das lideranças Munduruku, marcada para 10 de abril, para dizer como queremos ser consultados”. Segundo a carta, os Munduruku se reuniriam com o governo para comunicar a decisão.

Leia na íntegra a “Carta do povo Munduruku para a Justiça, governo, sociedade mundial e povos indígenas“.

Decreto

A Justiça Federal proibiu a concessão da licença ambiental para a hidrelétrica São Luiz do Tapajós, a pedido do Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA), enquanto não forem realizadas consulta prévia aos índios afetados e avaliação ambiental integrada de todas as usinas planeadas para a bacia do rio Tapajós. A hidrelétrica é parte do Complexo Hidrelétrico Tapajós, conjunto de cinco usinas que o governo pretende construir na bacia do rio.

Apesar da proibição, uma decisão da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Santarém permitiu a entrada de cerca de 80 pesquisadores, entre biólogos, engenheiros e técnicos nas terras indígenas para a realização de parte dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) da hidrelétrica São Luiz do Tapajós.

Para garantir a consecução dos estudos, o governo federal, através do Decreto Nº 7.957, de 12 de março, alterou a lei que regulamenta o funcionamento da Força Nacional, garantindo que a a companhia “(…) poderá ser empregada em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação (…) de Ministro de Estado”, e não apenas governadores e presidência, como estabelecia o decreto original. O decreto acrescentou uma nova atribuição à Força Nacional: “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”.

Os Munduruku enviaram ao governo uma carta repudiando “essa maneira ditadora da presidenta que governa o País” e publicizando sua preocupação com o novo decreto, “porque há 4 meses atrás numa operação chamada Eldorado foi morto um parente e vários ficaram feridos inclusive crianças, jovens e idosos, na Aldeia Teles Pires”.

Com esse decreto, o Ministério de Minas e Energia (MME), no dia 21 de março, pôde solicitar o uso da Força Nacional no estado do Pará. No dia seguinte, uma portaria ministerial do Ministério da Justiça autorizava o emprego do efetivo da companhia “para o fim de garantir incolumidade das pessoas, do patrimônio e a manutenção da ordem pública nos locais em que se desenvolvem as obras, demarcações, serviços e demais atividades atinentes ao Ministério de Minas e Energia”.

Imediatamente ao menos 250 homens da Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal foram deslocados para a região de Itaituba, às margens do rio Tapajós, sob justificativa de que acompanhariam os trabalhos do EIA.

Comments (2)

  1. Comentários com palavras de baixo calão, injúrias raciais e ainda escondidos sob falsos e-mails não são publicados pelos três motivos.

  2. Damos á conhecer aqui CARTA DENÚNCIA ENCAMINHADA:
    DENÚNCIAMOS E REPUDIAMOS

    Porto Alegre,28/03/2013

    Excelentíssima Senhora Presidenta da República: Dilma Vana Rousseff

    Excelentíssima Senhora Presidenta da Fundação Nacional do Índio: Marta Maria Azevedo

    Ministério Público Federal de Dourados: Dr. Marco Antônio de Almeida

    Abrimos nosso apelo aqui, mais que urgente, destacando nota recebida e amplamente divulgada em Redes sociais, como facebook, também disponível para leitura, site(http://racismoambiental.net.br/2013/03/povo-munduruku-informa-desembarque-de-tropas-para-esta-quinta-feira-28-e-diz-temer-massacre/).

    Povo de tradição guerreira, os Munduruku dominavam culturalmente a região do Vale do Tapajós, que nosprimeiros tempos de contato e durante o século XIX era conhecida como Mundurukânia. Hoje, suas guerras contemporâneas estão voltadas para garantir a integridade de seu território, ameaçado pelas pressões das atividades ilegais dos garimpos de ouro, pelos projetos hidrelétricos e a construção de uma grande hidrovia no Tapajós.

    “Tropas da Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, criada por decreto presidencial no último dia 12 de março, estão posicionadas em Itaituba preparadas para a execução da Operação Tapajós. Conforme informações dos indígenas, os soldados e agentes deverão desembarcar em aldeia Munduruku nesta quinta-feira, 28, para garantir realização dos estudos de impacto do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, no Pará.”

    Excelentíssima Senhora Presidenta, Dra. Marta Azevedo,Dr. Marco Antônio de Almeida, que aqui diretamente poderiam encaminhar apoio emergencial nesta situação e tantas outras que configuram este já tão anunciado Holocausto Indígena secular, perguntas que não querem calar implodem em nossas Alma gerando mais que desespero: Porque se segue desrespeitando á Vida, aos Direitos Humanos, Indígenas?

    Já não basta que esta Terra e as veias da América tenham sido massacradas em séculos e séculos? Estas veias estão saturadas de tanto sangue derramado e tantas injustiças, tanta insanidade humana frutos de um formato mais que “opressor” senhora Presidenta.

    Referendando aqui ,toda sua trajetória que traduz igual respeito pelo que vivenciou na pele , vimos aqui apelar à sua consciência de Mulher, de filha desta Terra, de Mãe e de Presidenta deste Brasil que deveria acolher seus filhos(as)com iguais Direitos e sabemos que assim não se dá.

    Não somente se descumpre a Carta Magna,como outras tantas Leis,Nacionais e Internacionais que queremos crer, foram geradas para serem executadas exercidas além do papel.

    Viemos de uma Nação que respeita a palavra, porém o não indígena deletou muitos valores de base primordial e por isto,seguramente os atos e fatos entram em choque permanente.

    As Nações Indígenas em suas mais de 252 Etnias vivem em combate por direitos de Ser, estar e Viver, senhora Presidenta , Dra. Marta Azevedo, Dr.Marco Antonio Almeida.

    Não esperamos resposta nesta carta denúncia, pois já elaboramos muitas e infelizmente reforçamos que seguiremos a elaborar..Talvez um dia sejam lidas,mesmo que não estejamos aqui para vivenciar mudanças justas e coerentes, o que é bem provável, porém as crianças merecerão estar e ao menos saberão que fizemos nossa parte, esgotando todos os meios, falas, manifestos e tudo que possamos fazer pelo bem comum,coletivamente e honrando aos ossos ancestrais.

    Sabemos de onde viemos, quem fomos e somo e sabemos o bom oriente Senhores(as).

    As incoerências, cegueiras da Humanidade, dos “Poderes”,mostram que o avião já caiu faz algum tempo…resta saber.. quem tomará providências por salvar estas vidas que ainda sonham e tem uma trilha por cumprir?

    Estamos órfãos faz muito tempo,já sabemos, mas não temos como abandonar nossos filhos, netos, gerações “futuras”!

    Quem os abraçará? Quem irá escutar e acalentar seus prantos por perdas irreparáveis, por serem enxotados de seus Territórios, por terem suas águas contaminadas, seu Ar minado, suas Tekohás(Moradas) destruídas e Mães, Pais, Avós mortos pela ganância!

    Já basta! BASTA!

    Nos negamos à silenciar e seguiremos a lhes enviar DENÚNCIAS ,porque acreditamos que um dia elas estarão ecoando dentro de cada um(a) e nossos Ancestrais sabem, “DEUS”, tenha o nome que tenha..sabe.

    Mais de 500 indígenas foram mortos desde 2003 no Brasil. Em 2011 51 Indígenas foram assassinados, e MS concentra 62% destes casos, quase sempre por disputas por Terras e riquezas destas Terras.

    Ñande RU imbarete ha hesa renondegui mba evé nokañei -Nosso PAI é forte e diante dos seus olhos nada está oculto.

    Att

    Liana Utinguassú-Filha desta Terra

    Servidora/Presidente Oscip Yvy Kuraxo -Coração da Terra

    http://www.yvykuraxo.org.br

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