Obras do VLT em Fortaleza causam desapropriações em 22 comunidades e moradores resistem a ir para o ‘fim do mundo’
Almir Leite – O Estado de S. Paulo
FORTALEZA – Maria Edileuza Alves Silva caminha com passos curtos e apressados. Tem olhar desconfiado. A respiração é ofegante, reflexo da asma. O coração não dá para perceber, mas certamente anda apertado. Ela faz parte de uma das 4 mil famílias que, calcula-se, serão retiradas de suas casas para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) em Fortaleza, uma das obras da capital cearense para a Copa de 2014.
O VLT vai ligar o Porto de Mucuripe ao bairro de Parangaba, de onde será possível alcançar a zona hoteleira da cidade. Serão 12,7 km de extensão ao custo previsto de R$ 265, 5 milhões de acordo com a Matriz de Responsabilidade. Vai passar por 22 bairros e, para sua execução, são necessárias muitas desapropriações.
Esse é o motivo da aflição da vendedora Maria Edileuza, de 51 anos. Moradora há décadas da Comunidade Trilha do Senhor, sente-se ameaçada duplamente. Pelo risco de remoção e por desconfiar que nessa história de desapropriação há algo mais do que a necessidade de remover construções por conta do VLT.
“Aqui, temos toda infraestrutura. Escolas, hospitais, nossos parentes estão perto”, enumera. “Tem gente morando aqui há mais de 65 anos (a comunidade tem cerca de 80 anos). Gente que quando chegou era tudo mato. Agora, querem nos tirar. Pobre não pode viver ao lado de rico?”
Ela se refere ao fato de a Trilha do Senhor estar na Aldeota, bairro nobre de Fortaleza. Da comunidade é possível observar prédios de alto padrão, recém-construídos, além de um dos principais shoppings da cidade.
O governo cearense garante que as remoções obedecem apenas a critérios técnicos – serão construídas duas linhas para o VLT, paralelas à via férrea que já existe. Promete assistir e indenizar todas as famílias removidas e diz que nem todas terão de sair.
Esse é outro ponto de divergência. Basicamente, o governo oferece indenização de até R$ 40 mil por unidade e um apartamento num outro bairro. Mas proprietários de imóveis cuja avaliação for superior aos R$ 40 mil serão enquadrados no programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, e terão de pagar prestação pelo imóvel que receberão. Também se compromete a pagar o aluguel social de R$ 400,00 enquanto os imóveis não forem entregues.
“Essa proposta do Minha Casa Minha Vida é uma armadilha para nós. Vão nos tirar daqui e ainda vamos ter de pagar?”, diz Cássia Sales, a Cassinha, hoje com 40 anos. Ela chegou à Trilha do Senhor com dois meses de idade. Lá foi criada, cresceu, estudou, namorou, casou… “Minha vida está aqui.”
O diretor de desenvolvimento e tecnologia do Metrô de Fortaleza (Metrofor), responsável pela obra do VLT, Edilson Aragão, rebate. “As indenizações seguem os preços de mercado, e além da indenização a comunidade receberá os apartamentos.”
Os apartamentos ficarão no bairro José Walter, que, de acordo com os ameaçados de desapropriação, além de estar a 18 quilômetros de onde vivem, não tem nenhuma infraestrutura. O governo cearense reagiu anunciando a criação, no local, do projeto “Cidade Jardim” que, promete, terá infraestrutura, acesso fácil e todos os equipamentos necessários para uma comunidade, como postos de saúde, hospitais, escola e áreas de lazer.
No entanto, não informa quando o Cidade Jardim estará concluído. Não será, certamente, até fevereiro de 2014, data prevista para a entrega do VLT.
Aragão nega ter existido coação de vários moradores para preencher o cadastro de desapropriação – também há relatos de agressão física – e que muita gente teve a casa marcada pela Metrofor na calada da noite. “Não procede. Foram realizadas mais de 20 audiências com as comunidades que aceitaram dialogar. Algumas não aceitaram.”
Por causa do impasse e também por orientação da Defensoria Pública, o governo cearense está elaborando uma cartilha com explicações sobre remoções e reassentamentos, para ser entregue às pessoas sob risco. “Essa cartilha parece mais uma tentativa de ludibriar o povo”, entende Cassinha.
José Lino Fonteles da Silveira, da Defensoria, dá certa razão à moradora. “Houve pouco diálogo até agora”, considera. Reconhece que o governo fez melhorias na negociação com os moradores, mas alerta: “Para a maioria das pessoas, é um desespero sair das comunidades em que estão.”
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http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,uma-ameaca-a-populacao-cearense-que-vem-pelos-trilhos,1004470,0.htm
Enviada por Sonia Guarani Kaiowá Munduruku.