MG – Hospitais psiquiátricos sofrem intervenção

Gestão do São Domingos e da Casa de Saúde Esperança ficará a cargo da Secretaria de Saúde por 18 meses, tempo em que serão implementados novos serviços substitutivos

A intervenção administrativa no Hospital São Domingos e na Casa de Saúde Esperança foi iniciada ontem com a transferência de gestão para a Secretaria de Saúde do município pelos próximos 18 meses. A medida, considerada histórica, foi definida, na última terça-feira, com assinatura de acordo em reunião realizada pelo Ministério Público com o titular da pasta e os sócios da unidade psiquiátrica. No primeiro dia de troca de comando, as portas do São Domingos foram abertas para a imprensa, mas o próprio secretário de Saúde, José Laerte Barbosa, ficou estarrecido. Pacientes nus, urina pelos quartos, mau cheiro, camas sem lençol, banheiros em estado de calamidade, restos de alimento pelo chão e pão puro sendo oferecido no café da manhã para os doentes que passam o dia ociosos. Dez anos depois da primeira denúncia de precariedade no funcionamento do São Domingos, realizada pela Tribuna, o rumo da unidade pode, finalmente, ser mudado. Para uma cidade que integrou o corredor da loucura em Minas, quando, na década de 1980, chegou a mobilizar a maior quantidade de leitos psiquiátricos do Estado, ao lado de Barbacena, a busca por um modelo de atendimento humanizado é bem-vinda mesmo que tardia. Dos sete hospitais psiquiátricos implantados no município, apenas três ainda sobrevivem.

“A intervenção é efetivamente um ato de coragem, pois nunca houve um enfrentamento da situação como agora”, afirmou o promotor Rodrigo Barros que acompanhou os trabalhos ontem e, há um ano, vem tentando resolver o problema por intermédio de um termo de ajustamento de conduta (TAC), assinado em 2012, pelos sócios do hospital. Os termos do TAC eram claros: ou a direção da unidade privada se adequava às normas de funcionamento ou seria obrigada a entregar o serviço. A declaração da impossibilidade de manter a assistência dentro das normas exigidas pelas vigilâncias sanitárias municipal e estadual foi feita pelos diretores do hospital em fevereiro deste ano e acabou consolidando o processo de intervenção que se estendeu à Casa de Saúde Esperança, cujo quadro societário é composto pelos mesmos nomes do São Domingos. Antes do processo de intervenção, as duas unidades foram transformadas pelos sócios em institutos, e os representantes da direção passaram a assinar como fundadores.

Juntos, os dois hospitais têm cerca de 300 pacientes e recebiam, em repasses do SUS, quase R$ 400 mil mensais. Segundo José Laerte, do total de internados, 70% são doentes crônicos, 15% internados por medidas judiciais e apenas 15% de casos agudos. “Na verdade, o que a gente percebe é que a maioria é apenas morador do hospital, mas não é possível mantê-los em condições tão indignas”, criticou o gestor, classificando o quadro encontrado de “dramático”.

Preocupado, o ex-interno do hospital Ubiratan Ferreira da Silva, um dos frequentadores do clube do egresso, diz que não quer o fechamento da unidade. “O São Domingos dá suporte terapêutico aos pacientes que tiveram alta. Precisamos dele.”

‘Derrubada de muros’ mostra situação desumana

A “derrubada” dos muros do São Domingos revelou a situação desumana em que os pacientes estavam sendo mantidos. Ontem, às 8h, quando o secretário José Laerte iniciou o processo de intervenção, o que se viu foi o funcionamento de um modelo manicomial já condenado pela reforma psiquiátrica brasileira há mais de três décadas. No prédio de quatro andares, o cheiro de urina impregnava o ambiente e já podia ser sentido no primeiro piso, onde funcionava o setor administrativo, o refeitório e a cozinha. Para o café da manhã, o pão puro, servido com uma caneca de leite, seria uma rotina na unidade, conforme asseguraram os funcionários. “Estamos mantendo a rotina”, confirmou uma empregada do hospital que prefere ter o nome resguardado. Na subida para os quartos, a maior dificuldade foi conter a ânsia de vômito. Sujeira, fezes e urina nos cômodos com pouca ventilação indicaram a insalubridade do local, onde homens e mulheres estavam nus. Muitas das atendidas que apareceram sem roupas eram idosas. Nos banheiros, vasos sanitários sem tábuas e apenas um chuveiro com água quente funcionando na ala masculina.

P., 41 anos, foi internada compulsoriamente no São Domingos em agosto do ano passado, em função da dependência de crack. Prestes a deixar a unidade, ela disse que foi difícil permanecer em meio ao caos. “Sei que, se ficasse lá fora, eu morreria, mas aqui dentro também é difícil sobreviver. Só consegui aguentar com muita medicação. Por várias vezes, fiquei mais de cinco dias sem usar o banheiro, em função do nojo que sinto diante de tanta sujeira. Em todo esse tempo, comi carne poucas vezes, porque o mais comum é ovo e macarrão”, revela. A., 23, vive no São Domingos há dois anos. Com quadro de depressão e epilepsia, ela passou a vida institucionalizada em hospitais psiquiátricos da cidade. “Hoje isso aqui está limpo. Tem dia que é bem pior”, comentou.

Além da insalubridade, a precariedade da rede física chama atenção. Fiação exposta, chão com pisos faltando, mofos na parede, janelas com vidros quebrados. “A situação está muito grave”, dizia o secretário de Saúde a todo instante pelo telefone celular. Após percorrer todos os andares, ele desabafou: “É lamentável encontrar pessoas em completo abandono. Já estive no Ceresp, e nem na prisão o aspecto era tão ruim. Em 30 anos de formado, nunca tinha visto isso”.

A direção do São Domingos disse que o caos foi criado pela Prefeitura ao realizar o bloqueio do pagamento para o estabelecimento de saúde, impedindo, assim, a quitação dos salários dos funcionários desde janeiro e o pagamento de fornecedores. Os sócios tentam, na Justiça, garantir o desbloqueio da verba do SUS.

Regularização

O promotor Rodrigo Barros informou que, mesmo diante do impasse, não haverá desassistência aos pacientes. “Existe um plano operativo da secretaria para regularizar a rede. Durante os 18 meses de intervenção, a Prefeitura terá tempo para implementar os serviços substitutivos e acabar com os hospitais psiquiátricos da cidade, embora os leitos devam continuar existindo nos hospitais gerais para casos agudos. Quem precisar de internação será mantido internado”, assegurou o representante do Ministério Público.

Ainda ontem 29 pacientes foram transferidos do São Domingos. Vinte e um foram levados para o Ana Nery e outros nove para a Clínica Aragão Villar, que está com descredenciamento estabelecido pelo Ministério da Saúde.

Situação de funcionários indefinida

No primeiro dia de intervenção no São Domingos, a Prefeitura montou uma equipe composta por seis enfermeiros e oito técnicos, além de psicólogo, farmacêutico e assistente social. A chegada ao hospital foi tensa, já que os funcionários queriam uma garantia do gestor de saúde em relação às questões trabalhistas. O secretário de Saúde, José Laerte, informou que eles continuam ligados a empresa São Domingos e que a rescisão contratual e futuras indenizações teriam que ser resolvidas junto ao grupo, já que o Poder Público não poderia absorver essa mão de obra. No entanto, o gestor assegurou que pretende firmar contratos temporários de até seis meses com os trabalhadores, para que não haja descontinuidade no atendimento.

Funcionário do hospital há três anos, o enfermeiro Rodrigo Gaspar estava indignado. “Nós estamos sendo colocados para fora do hospital. Toda a minha vida foi dedicada à psiquiatria”, disse, sem conseguir conter as lágrimas. A esposa de Rodrigo está grávida de gêmeos e a suspensão do salário, desde janeiro, além da indecisão quanto ao posto de trabalho tem afetado sua família. “Muitos estão com dificuldade de pagar as contas. Na casa de alguns, água e luz foram cortadas”, revelou.

Também surpresos, os empregados da Casa de Saúde Esperança protestaram em frente ao prédio da unidade. “Ainda não sabemos o que acontecerá conosco. Estamos sem saber o que fazer”, afirmou uma funcionária que preferiu ter o nome preservado.

A diretoria criticou a interdição da Casa de Saúde. “Ela estava sendo reformada para absorver, gradualmente, os pacientes do São Domingos que, lentamente, já caminhava para o fechamento. Por que a Casa de Saúde também foi fechada? Sinceramente, ainda não tenho respostas”, afirmou um dos sócios.

Fonte: Tribuna de Minas

http://www.contraprivatizacao.com.br/2013/03/hospitais-psiquiatricos-sofrem.html

Comments (1)

  1. Ação das famílias constata que após intervenção da prefeitura a situação ficou muito pior que antes

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