Reunião do Conselho Superior da DP/RJ: desrespeito às leis, num episódio de corporativismo despudorado*

Tania Pacheco* – Combate ao Racismo Ambiental

Ao contrário da boa literatura, há casos em que o bom senso manda comecemos logo pelo fim, de forma a não termos nenhuma ilusão quanto ao que nos espera. Uma olhada nas referências utilizadas pelo autor já nos permite identificar “com quem ele anda” e, a partir daí, sequer perder tempo dando uma olhada no sumário. Comecemos, pois, pelo resultado. Mas que fique claro: não para pararmos de ler, e sim para sermos mais críticos na nossa leitura.

A lista tríplice escolhida pelo Conselho Superior da DPGERJ dia 25, segunda-feira, foi constituída por três defensores aposentados: a corregedora interina Clarice Amaresco; a responsável pelo setor de informática, Darci Cardoso; e o  assessor Odin Bonifácio Machado, que não queria se candidatar, segundo foi dito, mas o fez instado por alguns de seus pares. Havia um quarto concorrente, um defensor da ativa chamado José Danilo, que se manteve no páreo mas só foi votado por um colega que aparentemente achava que numa lista tríplice cabiam quatro. Qual dos três foi ou será escolhido? A decisão monocrática do defensor geral Nilson Bruno Filho (DP na Sapucaí: “Falta de ética e crime de falsidade ideológica”) me é tão indiferente quanto o respeito que a maioria absoluta do CS demonstrou pelas leis e pela sociedade civil, a respeito da qual um deles tentaria fazer piada, inclusive.

Pausa. De formas variadas vivenciemos agora a nossa indignação, caso ainda não soubéssemos deste resultado “democrático e republicano”. Andemos, levantemos, xinguemos, antes de passarmos a algumas observações sobre a peça, que aliás não consegui concluir se seria uma farsa ou uma tragicomédia… Mas uma coisa é certa: o espetáculo foi de total mau gosto! De qualquer forma, afastada a hipótese da catarse, podemos agora usar o artifício do distanciamento brechtiano para examinar personagens, ações e o próprio desenvolvimento da trama (palavra que aqui tem todos os sentidos que possam ser a ela atribuídos).

Seguindo as regras de Brecht, é hora de a narradora também se colocar, de forma a quebrar de todo a ilusão teatral. Se a Defensoria Pública tivesse como paradigma o CS e os dirigentes do estado do Rio de Janeiro, com certeza jamais este blog defenderia o veto ao PEC 114. Porque não queremos autonomia para aquilo. Aliás, não queremos que o dinheiro dos nossos impostos seja usado para pagar aquilo. Mais que isso: não veríamos o menor motivo para defender sequer a existência daquilo! Mas sigamos adiante…

Cenário: um dos auditório da chamada Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro. Entrando-se, duas fileiras de confortáveis poltronas azuis. Ao fundo, no palco, dois planos. No proscênio, uma mesa ocupada pelos doutos conselheiros, natos e classistas, e pela presidente da ADPERJ. Ao redor da mesa e, em alguns momentos, até mesmo para determinadas pessoas da plateia, movem-se continuamente garções vestidos a caráter, servindo de meros copos d’água e cafezinhos iniciais a pratos com aperitivos, mais tarde, para postergar a hora do almoço. No plano superior, numa quase penumbra, uma possível relatora ocupa solitária uma mesa, com seu laptop.

Estrategicamente sentado no centro da mesa, a primeira fala é do defensor geral Nilson Bruno Filho, que informa o que evidentemente todos já sabem, até mesmo a plateia: tem em mão um “requerimento” assinado por “umas 40 entidades”… e mais umas 60… pessoas…”, sobre o qual precisam decidir. E aqui abro um parêntese: se alguém desejar conferir as contas do DG ou relembrar o teor do Ofício 002/2013, pode encontrá-lo na íntegra em Amanhã, 25, às 10 horas, vamos defender nossos direitos de escolha da Ouvidoria na reunião do Conselho Superior da DPGERJ!, com direito inclusive a algumas observações para introduzi-lo politicamente.  Fecho o parêntese e retomo a encenação.

Instado por um de seus pares, o DG percebe a necessidade de indagar se por acaso há alguém na plateia que tenha assinado o “requerimento” e queira defendê-lo. Após um instante de silêncio, decido erguer a mão e, obedecendo criteriosamente os cinco minutos que me são concedidos, exponho nossos argumentos. Encerrado esse simulacro de democracia, a palavra volta à mesa, onde o DG inicia o processo de auscultar as opiniões de seus pares, já por todos sobejamente conhecidas.

Não vou gastar o tempo de tod@s nós repetindo as mesmas fórmulas desgastadas, pontuadas por mesuras, vossas (na verdade, “suas”, na maioria das vezes; aparentemente essa lição não foi aprendida) excelências e trocas de elogios  e quejandos, tudo envolvendo uma repetição de formas variadas do mesmo desrespeito às leis e a nós! A presidente da ADPERJ muda um pouquinho a tônica, dizendo também ser contra (o nosso Ofício), mas estar aguardando a fala do Supremo em relação à validade da LC 132/2009 para os estados que já têm suas leis.

De repente, algo novo e vivo: uma jovem Defensora, Eliete Silva Jardim, defende vigorosamente a aplicabilidade da lei federal, lembrando que ela inclusive vem sendo usada nas partes que são de interesse do Conselho e da própria Defensoria.

O ultraje é insuportável e respondido de forma veemente por Rômulo Souza de Araújo, que vê no documento “não mais que uma tentativa de desgastar o Conselho Superior” por parte de algumas pessoas, “seja ela quem for a sociedade civil”! Um certo caos se estabelece, e Eliete Silva Jardim decide pedir vistas ao documento. Pausa.

Na medida em que não deixa de ser uma espécie de teatro, na política muitas vezes é muito mais importante observar os que estão calados que aqueles que têm a palavra ou estão diretamente envolvidos numa disputa. Os cochichos e sorrisos trocados pelo DG com sua vizinha da direita, durante a fala de Eliete, serão sintetizados por ele numa pergunta: “Tem ela conhecimento de que o requerimento está assinado pela DPMOV, à qual Sua [sic] Excelência está ligada?”. Uma inabilidade  política, embora questionável, acontecera, e a Defensora Pública é obrigada a se declarar impedida de votar em relação ao documento. Mas ainda levará algum tempo até que seja convencida a desistir de lutar pela lei e pela Ouvidoria Externa, apesar da animosidade quase que geral.

Alguns argumentos são meras repetições entremeadas de nada; outros merecem ser pelo menos citados, até pelo seu absurdo. Para Celina Bragança Cavalcanti, “uma lei geral posterior não revoga a anterior”. Traduzindo: a LC 132 de 2009, nacional, não mudaria a lei 6 de 1977, estadual. Exceto, claro, quando for de interesse do Conselho (ele próprio constituído tendo por base a “lei geral posterior”) ou da  administração da DPGERJ… O defensor geral é contundente no seu apoio, a ponto de torcer as conclusões para provar sua tese: a maior prova de que a lei que estabelece o modelo não está em vigor seria o fato de não existir Ouvidoria Externa na maioria dos estados.

Do outro lado do palco, uma voz se ergue num meio apoio a Eliete: o defensor Luís Inácio Araripe Marinho afirma que, embora contra as Ouvidorias Externa, aprovará o pedido de vistas, se ele for mantido. Mesmo que seja uma estratégia de obstrução, pois reconhece esse direito.

O mais importante da fala, entretanto, é que pela segunda vez o palavrão foi pronunciado: Ouvidoria Externa. E a partir daí não deixará de sê-lo. As máscaras vão caindo uma a uma e mostrando o óbvio: a LC 132/2009 nunca esteve em questão, embora seu santo nome fosse a cada momento pronunciado em vão.

Em consequência, Thiago Abud, o outro Defensor Público presente, se dirige diretamente à sua única colega, Eliete, questionando se vale manter o pedido de vistas, quando está mais que clara qual será a posição vencedora, então ou depois. E ela reconhece que não há qualquer abertura para prosseguir discutindo Ouvidoria Externa no interior desse Conselho.

O defensor geral Nilson Bruno Filho tenta, então, declarar que “o requerimento foi indeferido por unanimidade”; é corrigido por Eliete, mas, unânime ou não, importante é que o inimigo foi afastado. Agora estão livres para revelar, inclusive, os nomes dos candidatos que democraticamente acorreram à Defensoria Pública com seus documentos, juntados e arrumados em pleno Carnaval. Talvez também o tenham feito na Sapucaí?

Começa, então a votação, na qual não se sabe quem faz mais mesuras e afagos de egos: se os garções, se abaixando para passar à frente da mesa e servir às excelências, se elas próprias, com sorrisos que só se desmancham ocasionalmente (como o da estática ouvidora interina, que parece pretender reproduzir a Mona Lisa), quando alguém foge ao padrão pré-definido.

Eliete e Thiago Abud anulam seus votos, uma vez que as regras do Conselho (serão de 1977 e estaduais, ou de 2009 e federais, essas?) não permitem a abstenção. Antes de fazê-lo, entretanto, Thiago faz questão de reafirmar o óbvio, menos para aquela “curiosa” mesa: uma lei estadual não pode contrariar uma lei federal. E isso sem sequer considerarmos  que a  estadual, que já foi inovadora e elogiável, é hoje uma lei caquética!

Rômulo Souza de Araújo, conselheiro classista,  faz um longo discurso sobre a “grande tolerância que se torna necessária num ambiente tão conflagrado como o da Defensoria”, onde a compreensão é algo essencial. Isso torna, assim, um defensor aposentado, portador dessa necessária experiência, a melhor solução.  Mais que isso, é necessário um conhecimento profundo, uma formação adequada e anos de experiência… Como esperar que alguém de movimentos sociais ou dessas associações, que às vezes mal sabem escrever, possam ocupar um cargo de Ouvidor? Só se houvesse um curso, uns dois anos em que ficassem como sub-defensor ou algo assim, cargo que teria de ser inventado, até terem condições de se candidatar e defender, oralmente e como eles o fizeram ao se tornarem defensores, seu desejo de ser Ouvidor…

A votação prossegue, a maioria votando nos três aposentados, alguns poucos escolhendo um só candidato e gastando minutos e minutos para justificar que não votam nos outros dois pois estão desempenhando tão magnificamente bem seus papéis em outros lugares…

Mas o Oscar da categoria votação sem dúvida merece ir para Elison Teixeira de Souza, membro nato do Conselho, que inicia sua fala com um discurso interminável (e pelo visto repetitivo) sobre um governador populista cujo nome  mais uma vez se recusará a pronunciar, que queria acabar com a defensoria e para isso cortou seus salários etc, etc, etc. Enquanto o DG se levanta, sai e volta duas vezes, o discurso continua, até ser interrompido por alguém que o aconselha a dizer de uma vez que está falando de Leonel Brizola. Isso não o faz desistir, entretanto, mas leva-o a mudar temporariamente de assunto. Após mencionar brevemente seu trabalho junto às populações carentes, ele volta ao governador populista inominável, antes de encerrar afirmando categórico que foi assim que “a 132 veio para desestruturar a Instituição”! Referia-se, claro, à Defensoria Pública. E de alguma forma dava a entender haver alguma relação de causa e efeito entre Brizola e a Lei Complementar. Quiçá Leonel veio assombrar Lula para assiná-la…

O pior da tarde ainda viria, entretanto. Terminada a votação farsesca e enquanto comiam seus quitutes, os excelentíssimos conselheiros retomam a discussão do assunto que está reproduzido numa tela de data-show. E que é exatamente o Regimento Interno do CS. Mas não só: exatamente na parte que se refere a como deveria ser a escolha do Ouvidor, como pode ser visto na foto abaixo, com parte da discussão da reunião anterior, por ser resolvida, escrita em vermelho! Resolveram na marra!

Termino este texto dizendo que poucas vezes saí de uma reunião política me sentindo ao mesmo tempo tão deprimida e tão enojada. Fisicamente enjoada. Me lembrei do povo tomando a Bastilha… Pensei no nosso jeito de ser, onde um quartel vira DOI-CODI e depois volta a ser quartel, e as pessoas simplesmente esquecem. Pois acho que jamais voltarei naquele prédio enquanto aquilo estiver lá.

*Este texto, escrito num desabafo e revisado somente às 07:30 do dia 28/02/2013, é uma espécie de homenagem à Articulação Fórum Justiça, cujo Pacto de criação assinei e à qual me orgulho de estar de alguma forma ligada na missão que nos impusemos: a luta pela democratização do sistema de justiça. Que deixe de haver espaço, nele, para espetáculos como esse narrado acima!

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