Favelas pacificadas: menos violência?

Rosalina Brito participa de festival de literatura

Marília Gonçalves, do Canal Ibase

Rosalina mora numa casa grande na Cidade de Deus, onde aluga um dos quartos para complementar sua renda. Certa vez, um dos seus inquilinos foi preso e, tendo já se passado alguns meses, Rosalina desocupou o quarto, pois não mais poderia ficar sem o rendimento daquele aluguel.

Ao retornar, o inquilino a ameaçou com uma faca, acusando-a de ter roubado alguns pertences – na verdade, os pertences haviam sido roubados meses antes, logo que o rapaz foi preso, quando a casa de Rosalina fora arrombada e o quarto alugado foi invadido. Numa manobra arriscada, Rosalina conseguiu contato com a polícia pelo telefone enquanto era ameaçada e acabou “sendo salva por policiais”, palavras dela.

Algum tempo depois, a artista ficou sabendo de uma reunião de avaliação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), implantada na comunidade em 2008, e fez questão de ir “agradecer à corporação”. Ela estacionou sua moto atrás de um carro oficial, em frente ao local onde ocorreria a reunião. Ao sair, sua moto não estava mais lá. Mobilizada, a polícia recuperou o veículo ainda no final do dia. “O major disse que era uma afronta, que minha moto ia aparecer no mesmo dia. Eu fiquei lá desesperada, chorando. Eles reviraram a CDD toda, apreenderam muita moto. Quando chegou, minha moto estava depenada e teve de ir para a perícia”, conta.

Contudo, nem só de boas experiências com a polícia vive a Cidade de Deus e outras favelas que receberam uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Aclamadas por diminuírem os índices de violência registrados no entorno do local onde estão localizadas, as UPPs são, por outro lado, muito questionadas pelos moradores das favelas que viveram o “fim do controle do tráfico armado” – principal objetivo declarado da política –, como registrado pelo Canal Ibase no ano passado.

Na verdade, existe o reconhecimento de alguns moradores sobre um aumento de alguns tipos de violência dentro das favelas com UPP. Assaltos, furtos, invasões de casas tornaram-se frequentes em algumas favelas. Na Cidade de Deus, onde trabalho há quatro anos, a história de Rosalina não é inédita. Pelo contrário, de um tempo pra cá, ouvir casos de violência local e reclamações sobre a ineficiência da polícia tornou-se lugar comum. A professora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPCIS/UERJ) e pesquisadora do Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade (CEVIS/UERJ) Marcia Leite comentou o tema, em artigo enviado ao Canal Ibase.

No final do ano passado, pouco depois do natal, a Paróquia Cristo Rei, na Cidade de Deus, foi invadida duas vezes na mesma semana. Segundo o padre Nicholas Wheeler, foram R$4.500 de prejuízo, entre laptop, CD players e parte de uma nova aparelhagem de som que a Igreja estava instalando. O assistente pastoral, que tomava conta do local, foi ameaçado.

Padre Nicholas: Igreja foi assaltada duas vezes

Padre Nicholas é inglês e missionário na Cidade de Deus há muitos anos. Ele não entende como o caso do assalto à Igreja não foi investigado, já que há “300 policiais ocupando a comunidade”. Ao procurar a UPP, o padre foi aconselhado a “aumentar a segurança da Igreja, colocando cerca elétrica nos muros ou comprando um cachorro”. “Quando meu assistente foi à delegacia, perguntaram: ‘Só isso? Tem certeza que você quer continuar?’. Tenho dificuldade em entender por que a policia não foi à Igreja para investigar o crime”, conta.

Para Rosalina, é notório que tenha havido um aumento dos casos de violência dentro da comunidade. Na casa dela, já entraram três vezes para roubar bicicletas no quintal. Sua vizinha também teve a casa invadida e o DVD furtado. Uma colega, também moradora da CDD, teve a máquina fotográfica roubada em frente à UPP. “Os caras aqui tinham medo de roubar, porque apanhavam, eram expulsos, mortos… Ninguém roubava nada. As pessoas dormiam com a casa aberta. Hoje em dia não dá mais”, explica. Este tipo de violência, na opinião de Rosalina, não tem sido relatada à polícia, ao menos não todos os casos, o que pode dificultar um planejamento de ação por parte da corporação. Ela ainda deixa claro, na conversa, que a paz não é rotina. É o medo que ainda ronda os corações dos moradores da Cidade de Deus. “A gente nem sempre pode procurar a polícia, porque vão dizer que a gente ‘tá fechando com eles’”.

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