Nota do Tribunal Popular sobre reunião junto aos Guarani Kaiowá em janeiro de 2013

Foto: Pedro Alves e Ignacio Lemus

Do dia 22 de dezembro de 2012 a 05 de janeiro de 2013 cerca de 40 pessoas passaram pelo Acampamento Internacional de Observadores dos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul, registrando e divulgando a luta, resistência e situação vivenciada por esse povo indígena. O acampamento contou com a participação de brasileiros e estrangeiros e foi realizado por iniciativa do Comitê Internacional de Solidariedade aos Guarani Kaiowá, organizado, entre outros movimentos, entidades, ativistas e organizações, pelo Tribunal Popular. A proposta era organizar um escudo humano que ajudasse a conter a violência impetrada por jagunços a mando de fazendeiros, que retomou força a partir de agosto do ano passado, além de potencializar a visibilidade sobre esse conflito.

Posteriormente, entre os dias 06 e 13 de janeiro de 2013, membros do Tribunal Popular e das entidades que o compõem estiveram em reunião permanente para realização de planejamento político junto aos Guarani Kaiowá, em Aty Guasu, na aldeia Takuara (município de Juti), onde se procurou organizar o apoio do Tribunal para com esse povo indígena no próximo período e tirar um calendário de ações.

Durante as reuniões puderam ser debatidas a necessidade de aprimoramento do levantamento da situação fundiária e da situação jurídica das aldeias, incluindo as recentes medidas tomadas pelo Executivo, pelo governo estadual, bem como os projetos de lei em discussão no Legislativo. Foram deliberadas também diretrizes para o aprimoramento da comunicação interna e externa nas aldeias.

Além disso, durante o dia 12 foram filmados e registrados os relatos de diversos caciques e lideranças que puderam apresentar a situação vivenciada em cada uma das aldeias, demonstrando que os conflitos, dificuldades, ameaças e violações de direito seguem sendo muito fortes e presentes tanto nas aldeias, quanto nas reservas e nos acampamentos.

Ao final da intensa semana de reuniões, no dia 13 de fevereiro realizou-se um ato em memória do assassinato do cacique Marcos Veron, contando com a presença de diversas lideranças, professores indígenas, caciques rezadores, nhanderus e nhandecys.

O ato encerrou as atividades de forma emblemática, na medida em que demostrou que os indígenas não apagarão de sua memória a violência a que são submetidos historicamente, e que estão dispostos a seguir lutando por justiça e pelo direito ao desenvolvimento de sua cultura e organização próprias.

E também não nos deixou esquecer que o Estado democrático de Direito que temos desde a Constituição de 1988 (onde se reconhece o direito dos indígenas a seus territórios tradicionais) comete sistematicamente graves violações de direitos humanos, e os alvos privilegiados dessas ações são setores específicos da sociedade, dentre eles os povos indígenas.

Ao longo dos últimos 5 anos, o Tribunal Popular vem se consolidando como espaço de articulação dos diversos grupos que lutam contra a perversa lógica opressora do capital que tem criminalizado, encarcerado e exterminado considerável contingente da classe trabalhadora empobrecida, buscando fortalecer as lutas que vem sendo travadas no campo, na cidade, na cultura, no movimento estudantil, popular e sindical, contribuindo com a construção de espaços de denúncia, articulação e formação.

Reafirmamos a importância e o potencial da luta dos Guarani Kaiowá na atual conjuntura nacional, em que o governo federal vem incentivando e financiando a expansão do agronegócio como forma de impulsionar a economia em tempos de crise global. A luta pela manutenção do seu modo de vida, de sua cultura e a reprodução da sua relação com terra, faz com que hoje os indígenas encontrem-se em confronto direto com o capital, em seu estágio rentista e financeirizado.

A luta Kaiowá-Guarani é caracterizada, entre outras coisas, por ser um conflito étnico e uma disputa fundiária e, consequentemente, dos recursos naturais existentes nessas terras e fundamentais para a existência desse povo. Assim, os Kaiowá-Guarani, frente a este processo histórico de usurpação de seu território, tem feito um enfrentamento direto com o agronegócio, o que significa, em última instância, a luta contra o atual modelo de desenvolvimento no campo. As retomadas que acontecem há décadas são exemplos dessa luta.

A perspectiva do Tribunal Popular é construir essa relação junto aos povos indígenas de forma a preservar sua a autonomia e a organização, colocando-nos na posição de companheiros e irmãos apoiadores de sua luta milenar. Além disso, entendemos que a unidade dos não indígenas que se somam nessa articulação é de profunda importância, por isso, durante os quase quatro anos que o Tribunal vem se relacionando com os Guarani Kaiowá, Terenas, Tupinambas, Nhandevas Pankararus, Pataxós e Guajajaras, procuramos sempre estar abertos ao diálogo com aqueles que queiram se somar nessa luta, convidamos diversas organizações e entidades, e debatemos todas as medidas coletivamente, sempre garantindo que nossa ação se dê de forma a respeitar as deliberações e a organização dos próprios indígenas.

Dentre as deliberações da reunião está a conclusão do documentário iniciado após a I Expedição “Cacique Marco Veron”, a realização de mais acampamentos internacionais de observadores dos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul e a construção da II Expedição em 2014.

Avaliamos que esse espaço de debate e reflexão foi extremamente positivo na medida em que contribuiu para avançarmos na construção e fortalecimento da relação entre o povo Guarani Kaiowá e as demais lutas que vem sendo travadas contra o mesmo sistema que oprime tanto os indígenas, quando os trabalhadores, mulheres, negros, sem teto, sem terra, homossexuais, quilombolas, ribeirinhos, movimentos culturais, etc.

O povo Guarani Kaiowá mostra à todo momento uma convicção inabalável diante da reconquista de suas terras e que não abrirão mão de lutar por elas, oferecendo a própria vida para garantir o futuro dos seus descendentes e a proteção da natureza. Por isso são uma grande inspiração para todas e todos aqueles que estão travando lutas nas mais diferentes trincheiras, nos mais diversos espaços!

Tribunal Popular: o Estado no banco dos réus.

Compartilhada por Teceres Teares Guarani Kaiowá.

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