Os mais de 6 mil membros da Rede das Culturas Populares e Tradicionais, ouvidos através de seus canais institucionais, insatisfeitos com os esclarecimentos prestados sobre a administração do Prêmio Culturas Populares, vêm à público recomendar à Ministra Marta Suplicy e à Secretaria de Cidadania e da Diversidade Cultura do Ministério da Cultura as seguintes medidas, que também serão entregues aos membros dos colegiados setoriais de Culturas Populares, Culturas dos Povos Indígenas, Culturas Afro-brasileiras, Circo, Patrimônio Imaterial e Artesanato para os devidos encaminhamentos através do Conselho Nacional de Política Cultural:
1. Que sejam apuradas e cobradas juridicamente as responsabilidades individuais, através de sindicância, sobre os erros administrativos cometidos ao longo do processo de vigência do edital Prêmio Culturas Populares 2009 – Edição Dona Izabel. Estes erros resultaram na convocação e posterior cancelamento do pagamento de 200 prêmios no valor de R$ 10.000,00 cada, a mestres (as) e comunidades de todo o Brasil. Os (as) mestres (as), que viram um dos poucos reconhecimentos públicos recebidos em vida tornar-se um enorme transtorno e uma enorme frustração, sem contar os problemas econômicos, políticos e sociais acarretados a lideranças exponenciais das nossas culturas populares e tradicionais, jamais terão a devida compensação por tão grande injustiça, embora mereçam todo o esforço que não tem sido feito por parte do MinC;
2. Que seja realizado um trabalho muito maior e mais estruturado de comunicação direta com esses 200 “beneficiários” em comparação com o que foi feito até o momento. Que esse esforço seja direcionado não só aos responsáveis pelas iniciativas, mas também às suas comunidades, uma vez que muitos mestres foram questionados sobre o desaparecimento dos recursos, enfrentando dificuldades de toda ordem do ponto de vista moral, que, muitas vezes, é o maior patrimônio que possuem. Não basta o envio de cartas escritas. Essa forma de comunicação, somadas à complexidade jurídica dos problemas descritos nelas, poderão, ao invés de esclarecer e confortar, enfurecer e afastar ainda mais esses agentes, a tão duras penas incluídos nos processos de fomento à cultura. Que sejam feitas comunicações orais, de preferência, pessoalmente, pelo pessoal da Secretaria ou das Representações Regionais, com a utilização de rádio e televisão, dentre outras formas acessadas por essas comunidades. As administrações de cultura estaduais e municipais onde residem os contemplados também devem ser acionadas e mobilizadas neste esforço;
3. Que os responsáveis pelas iniciativas premiadas sejam ressarcidos dos custos de envio de documentação pedida pelo MinC imediatamente e, mais importante, que seja elaborado um conjunto de outras ações compensatórias (oficinas, apresentações, etc.) para essas 200 iniciativas culturais, com recursos próprios do MinC, equivalentes aos recursos que seriam disponibilizados, corrigidos com juros, uma vez que já não existe mais a possibilidade jurídica de se pagar o prêmio. A solução tem que ser política, antes de tudo, e a solução jurídica ou técnico-administrativa, tem que vir à reboque desta outra, mais importante. As ações devem ser mais incisivas nos casos em que os (as) mestres (as) já tenham falecido;
4. Que os 200 contemplados em 2009 não tenham restritas as possibilidades de participação e contemplação na edição atual do Prêmio. Que essa possibilidade seja completamente desconectada do problema anterior e devidamente explicitada nas atividades de divulgação do edital 2012/2013. Acreditamos que o melhor teria sido resolver esse problema antes do lançamento deste novo certame, o que caracteriza mais uma barbeiragem política grosseira do MinC. Que estes 200 tenham prioridade no trabalho de qualificação para as inscrições do novo edital, recebendo tratamento especial. Que sejam divulgados os nomes e endereços dos responsáveis para que a Rede possa acionar seus membros mais próximos a fim de apoiá-los no trabalho dessa nova inscrição, se é que ainda terão algum interesse;
5. Que seja realizada uma avaliação profunda sobre os resultados do Prêmio enquanto política pública, a exemplo de outros estudos encomendados pelo MinC, com vistas à melhoria de sua aplicação nos próximos editais. Esse estudo deve incluir a construção de um plano de aumento exponencial dos recursos para estas comunidades através de ações de fomento diversas, uma vez que ela representa o maior contingente de produtores culturais existentes em nosso país, ao passo que recebe atenção inversamente proporcional do MinC;
6. Que seja revisto o processo de fusão da Secretaria de Identidade e da Diversidade Cultural com a Secretaria de Cidadania Cultural, processo esse que acarretou uma perda significativa de conteúdo das políticas públicas para as culturas populares e os povos e comunidades tradicionais. Essa fusão acarretou uma violenta perda de recursos humanos para outros órgãos do MinC, como Secretaria Executiva e Gabinete, além da Secretaria de Economia Criativa, como também de orçamento e, principalmente, desorientação conceitual e saída do tema da pauta de prioridades do MinC;
7. Caso não sejam tomadas medidas claras no sentido do que foi proposto acima, as entidades que compõem a Rede estão dispostas a acionar o Ministério da Cultura na justiça a fim de obter uma resposta à altura da importância que esses contemplados tem para a cultura brasileira e mundial;
8. Que a Ministra Marta Suplicy atenda ao pedido de audiência encaminhado em 19 de setembro de 2012 e até hoje não respondido; e que a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural atente para a pauta de trabalho apresentada pela Rede em 2012, mas que não obtiveram, na nossa avaliação, a devida atenção deste órgão.
Certos de contar com vossa compreensão e sensibilidade para tão urgente questão, coloca-mo-nos à disposição, como sempre estivemos, para construir as alternativas a esse erro. Quem vos fala são parceiros e protagonistas políticos da transformação radical empreendida pelo governo Lula.
Rede das Culturas Populares e Tradicionais.
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Para quem não conhece o histórico do problema, segue uma contextualização:
A necessidade desta manifestação surgiu com bastante força no âmbito dos Fóruns Nacionais Setoriais ocorridos entre 13 e 15 de dezembro de 2012, sobretudo na primeira reunião do Colegiado Setorial de Culturas Populares eleito, ocorrida no dia 14, e também, na reunião dos membros da Rede das Culturas Populares e Tradicionais, realizada no dia 15. Nestas duas ocasiões, contamos com a presença de representações governamentais, que prestaram esclarecimentos considerados por todos como insuficientes, sobretudo quanto aos problemas pendentes do Prêmio Culturas Populares 2009 – Edição Dona Izabel.
Os editais de fomento às expressões culturais populares e tradicionais foram demandados pelos participantes do I Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares, realizado em 2005, em Brasília, mas também, posteriormente, em outras ocasiões (I Conferência Nacional de Cultura, Teias, seminários e grupos de trabalho diversos), ressaltando as dificuldades enormes enfrentadas pelos segmentos populares e tradicionais em relação ao acesso aos recursos públicos pelas vias consolidadas à época (Convênios e Lei Rouanet, dentre outras);
O MinC, através de suas Secretarias e instituições vinculadas, iniciou uma série de experiências no sentido de desenvolver formas inovadoras de acesso aos recursos públicos existentes para o fomento das culturas populares e tradicionais (Prêmio Culturas Indígenas, Pontos de Cultura, Ação Griô, Capoeira Viva, etc.);
O formato de premiação se mostrou o mais adequado ao nível de organização dos artistas tradicionais, comunidades e grupos populares até o momento e foi amplamente utilizado, a ponto de assistirmos, já, a um questionamento crescente quanto aos limites dessas soluções, que se mostraram paliativas e desprovidas de orçamentos suficientes para dar conta da grande demanda reprimida, apesar do papel fundamental que exerceram no reconhecimento das expressões culturais populares e tradicionais. Ou seja, além do Cultura Viva, outras ações precisam urgentemente de um redesenho, que não foram encaminhadas na retrógrada gestão Ana de Hollanda, muito em função da desorganização dos setores afetados e do pequeno poder de pressão que têm acumulado;
O Prêmio Culturas Populares foi precedido, em 2005, por um edital de conveniamento. Depois, foram lançadas três edições em 2006, 2007 e 2009. Ao todo, foram destinados R$ 6,9 milhões para 695 iniciativas diferentes de todo o país. Ou seja, em média, foram investidos R$ 862,5 mil por ano nessa ação, sendo R$ 9.928,05 em média para cada iniciativa premiada, que ainda sofreram descontos de impostos no ato do pagamento. Quase nada, não é mesmo? Se somarmos os R$ 5 milhões dessa nova edição, teremos uma pequena melhora, aumentando a média anual de investimento para R$ 1.322.222,22, embora isso possa se diluir ainda mais se em 2014, 2015 e 2016 não forem lançadas novos editais;
Na última edição, em 2009, devido aos aperfeiçoamentos implementados pela lamentavelmente extinta Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural (SID) e pela maior mobilização social em torno do edital, chegou-se a quase 3 mil inscrições, quando se dispunha de apenas 196 prêmios para serem concedidos. Nesse sentido, a comissão de seleção recomendou ao MinC que, na oportunidade de haver disponibilidade de novos recursos, deveriam ser convocados as muitas ótimas iniciativas que ficaram na ordem de classificação. Assim foi feito em 2010, com o anúncio e convocação de mais 200 iniciativas, por ordem de classificação, publicadas em diário oficial e convidadas para apresentação de documentos, uma vez que foram disponibilizados mais R$ 2 milhões para o orçamento da SID, como antecipação dos recursos do Procultura;
No entanto, esta convocação foi feita à revelia das recomendações do departamento jurídico do MinC, que observou no edital o esgotamento do prazo de validade do mesmo (até junho de 2010) e a impossibilidade de suplementação orçamentária. Logo depois, em finais de 2010, a expectativa de recursos adicionais da ordem de R$ 2 milhões não se confirmou, assim como muitos outros anúncios do final da gestão Juca Ferreira, que impactaram também a Funarte, a SCC e outros órgãos que lançaram editais. Estes só começaram a ser pagos na gestão seguinte, com grande prejuízo para a continuidade das políticas públicas de cultura como bem sabemos;
Eleita a presidenta Dilma e nomeada a ministra Ana de Hollanda, a questão ficou pendente até a reorganização da nova Secretaria de Cidadania e da Diversidade Cultural. Esta, através da sua Coordenação Geral de Culturas Populares e Tradicionais, organizou um serviço de informações para atender às dúvidas e reclamações dos contemplados. Concomitantemente, conseguiu uma brecha jurídica, que já tinha sido experimentada na 3ª edição do Prêmio Culturas Indígenas, e também, captou recursos junto à estatal Furnas para o pagamento dos prêmios. Foram remetidas aos 200 convocados cartas de esclarecimento da situação e um pedido de prazo para a solução técnica do problema;
Logo depois, no entanto, com a troca de comando da pasta, a solução encontrada via Furnas foi descartada, sem, até o momento, a prestação dos devidos esclarecimentos sobre o porquê disso. Muitos mestres e comunidades encontram-se desinformados sobre se irão ou não receber, quando sabemos que há uma decisão do MinC de não mais pagar os 200 prêmio extras. Problema maior é que, simultaneamente, foi lançado o novo edital, que começa a receber inscrições nesse dia 5 de janeiro de 2013. Esses fatos têm provocado insegurança e descrédito, por parte do segmento, quanto à participação neste novo edital e quanto à resolução do problema do edital 2009.
Outras ações que afetam o mesmo público-alvo, como a salvaguarda do Patrimônio Imaterial e a Ação Griô, dentre outros, também passam por problemas seríssimos de descontinuidade ou de falta de recursos.
Nesse sentido, os representantes do Colegiado Setorial de Culturas Populares do Conselho Nacional de Política Cultural, ouvindo as redes existentes e outros diversos atores importantes para a questão,
Sabendo que o maior patrimônio acumulado pelo MinC junto ao segmento foi o reconhecimento de sua importância para o conjunto da cultura brasileira, transformando-se num patrimônio político que está se esvaindo rapidamente com poucas possibilidades de recuperação,
Sabendo que a contemplação em editais públicos são mera expectativa de direito, e não direito consolidados, mas que, neste caso específico, por características culturais baseadas na oralidade e em outros processos históricos, a expectativa não pode ser, de maneira nenhuma frustrada.
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Enviada por Marcelo Manzatti para a lista CEDEFES e por José Carlos.