A Vale e o método do atropelo

Encontro Internacional de Atingidos pela Vale em Moçambique discute os impactos socioambientais e entrega relatório a ex-presidente Lula 

Em um distrito de Moatize, 1.313 famílias foram desalojadas para exploração de uma mina - Foto: Agência Vale

Pedro Carrano, de Curitiba (PR)

Gerson Castellano, dirigente do Sindiquímica-PR que organiza os trabalhadores da Vale Fertilizantes, na unidade de Araucária (PR), relata a experiência que teve no Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale. Escolhido para ser em Moçambique devido aos impactos da extração de carvão realizada pelas transnacionais Vale e a canadense Rio Tinto, o encontro conseguiu entregar o relatório dos impactos da empresa ao ex-presidente Lula, que realizava uma conferência no país. Além disso, pôde denunciar o método com que a gestão de Murilo Ferreira, presidente da corporação internacional, lida com comunidades originárias e com o movimento sindical.

Brasil de Fato – Quais organizações participaram do encontro e qual o seu objetivo?

Gerson Castellano – No dia 19 de novembro, tivemos um encontro entre sindicatos de Moçambique, a Via Campesina, o Steel Workers (sindicato presente no Canadá, EUA e México), uma entidade da África do Sul. Estava também a organização local Justiça Ambiental. Foram feitas apresentações. O foco do pessoal do Steel Workers era na questão de segurança, eles explicaram sobre a sua estrutura, que representa 1,2 milhão de trabalhadores, como se fosse uma central.

Eles não atendem metalúrgicos e mineiros apenas. Tem professor universitário, enfermeiros, motoristas, diferente do contexto do que conhecemos sobre o funcionamento de um sindicato. Então, alguns sindicatos de Moçambique participaram, mas houve uma participação baixa. Há informações de que foram feitos convites e o governo local fez pressão para os sindicatos não participarem do encontro. Há um discurso recorrente que coincide com o discurso que a Vale tem: de que as organizações internacionais de apoio seriam contra o desenvolvimento do país.

Na ocasião, houve uma intervenção do movimento durante palestra do ex-presidente Lula, que estava no país?

Ainda em Maputo, no dia 19, soubemos que o Lula estaria lá, pelo Instituto Lula. Junto com o pessoal da África do Sul e Canadá, resolvemos tentar uma entrega do Relatório de Insustentabilidade da Vale para ele. O local do evento, onde Lula faria uma palestra para empresários e comunidade, era um lugar isolado e muito luxuoso, um evento para empresários e políticos de Moçambique. Conseguimos fazer uma intervenção, falar com o Lula quando acabou tudo, e mostramos o relatório. [Durante a fala do ex-presidente], a única voz contrária a todos que fizeram pergunta para o Lula, houve uma ativista que perguntou sobre o impacto dos grandes projetos em Moçambique, como o Projeto Savana, um projeto na região de Savana, que busca investir na questão da agricultura de cana e eucalipto – a Vale está à frente disso, com suporte da Embrapa. Lula ficou ciente do relatório. Fizemos questão de registrar isso. E comprometeu-se a entregar para Dilma.

A realidade encontrada em Moçambique justificou a escolha do país como sede do encontro dos Atingidos?

No segundo dia fui à cidade de Tete, onde há um carvão que está à flor da terra, não precisa de grandes escavações, um dos melhores do mundo, com saída para o Oceano Índico. Essa saída, dentro do projeto Savana, é para escoar também a produção de soja, cana ou eucalipto. Então, o carvão tem propriedades boas e com facilidade de envio para a China. Rio Tinto e Vale extraem carvão, há outras empresas para terras raras. Ali foi o nosso foco principal, onde as pessoas são diretamente atingidas. É onde a sociedade está sofrendo maior impacto. Houve uma mina onde 1.313 famílias foram deslocadas, no distrito de Moatize, onde fica a extração. O mais assustador é perguntar: “como a Vale deslocou as pessoas em um Estado independente?” O que reflete o poder econômico que ela tem junto ao governo de Moçambique. Realmente foi a Vale que deslocou as pessoas. E, apesar do que diz nos relatórios, há um vídeo institucional que é vergonhoso. Ela dividiu uma comunidade em duas, usando critérios únicos e exclusivos dela, como, por exemplo, tal pessoa tem o perfil para trabalhar na cidade. A outra não. Critérios subjetivos e específicos de uma empresa numa questão que é da sociedade. Isso foi muito forte e afetou diretamente na questão cultural deles. As pessoas tinham por hábito a agricultura de subsistência. Essas pessoas foram deslocadas para locais impróprios para a agricultura, uma terra cheia de pedra.

E quanto ao “paternalismo da Vale” apontado pelo relatório dos Atingidos pela Vale? O que significa este termo?

O assentamento de 25 de Setembro é o mais rural e fica a 60 quilômetros de onde estavam as pessoas. Os moradores desse assentamento fizeram, em 10 de janeiro, um protesto impedindo que os trens passassem. Foi acionada a “polícia de intervenção rápida” de Moçambique. Feriram pessoas, arrombaram casas de quem estava no movimento. Após isso, o acesso a esse assentamento é controlado por essa “força de intervenção rápida”. Existem informações da Justiça Ambiental de que a Vale banca o alojamento e o uniforme dessa polícia. Para chegar ali, é preciso passar por uma blitz, foi usado para isso o crachá da Vale que eu levei junto. Meu crachá valia muito ali. Eles controlam o acesso a este assentamento. Há casas trincadas, portas que não fecham mais, a água fica extremamente distante. Não há energia elétrica. As pessoas não tiveram opção, mas tiveram que sair, obrigados a sair dos locais onde estavam. Fomos conhecer o que a Vale coloca na propaganda, que está ensinando as pessoas com as ‘fazendas modelo’, onde há água à vontade. Até as terras vêm de outro local. E plantando coisas que não são do hábito e cultura local.

Qual a importância de uma articulação dos movimentos sociais e sindicais nessa luta? O movimento sindical começa a se somar a algo que estava mais na esfera dos movimentos sociais?

Todos esses atores fazem parte da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale. Percebemos como o braço da Vale é forte, vários sindicatos foram chamados a participar desse evento de praticamente uma semana, mas receberam orientação para não participar desse evento, no contexto de que os participantes são ‘contra o desenvolvimento da nação’. Esse discurso é forte. E tanto a empresa como o Estado usam seu poder de intimidação para que os trabalhadores e os movimentos sociais não fortaleçam seus laços. Quando cheguei ao Brasil, tive a informação de que o dirigente sindical de Moçambique, pertencente a outra província, foi afastado do sindicato pela Central e na carta o sindicato alega que ele participou de um encontro de entidades contra o desenvolvimento da nação. O discurso é semelhante nesse sentido.

E quanto ao aprendizado com os métodos de luta de outros países? Aprendemos o seguinte: o quanto é falho e falso o discurso dessas empresas. As questões de segurança que as empresas têm que se submeter devido à legislação no Canadá é diferente da questão de segurança em Moçambique. Então, as empresas cumprem única e exclusivamente as questões legais no seu limite. E, se puderem, vão influenciar. Mas esse discurso de segurança e meio ambiente depende do país onde eles estão. Não vão padronizar a partir da melhor legislação. Em reunião recente com Murilo Ferreira, os Atingidos pela Vale lhe entregaram o prêmio de pior empresa do mundo. Ele sentiu-se incomodado e afirmou que eram pessoas de fora contra o desenvolvimento do país etc. Inclusive afirmou que havia pessoas não-brasileiras. E foi argumentado o seguinte: primeiro, que a afirmação dele foi racista. Segundo, por que as empresas podem se unir em joint-ventures, em associações, para explorar os países, e a sociedade não pode se organizar de forma internacional? A lição que a gente tira é de que temos que ter algum mecanismo internacional para combater, se não, a nossa luta fica local e com isso se enfraquece.

http://www.brasildefato.com.br/node/11388

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