SP – Hotel de luxo desativado agora abriga “hóspede” sem-teto

Foto: Fernando Donasci/UOL

Larissa Leiros Baroni, do UOL, em São Paulo

“Do lixo para o luxo”. Essa é a mensagem estampada em letras vermelhas e garrafais no alto do prédio do antigo Lord Palace Hotel, no centro de São Paulo, ocupado desde o dia 24 de outubro por 300 famílias –entre elas 168 crianças e 38 grávidas– da FLM (Frente Nacional de Luta por Moradia).

A frase, segundo Maria do Planalto, coordenadora da FLM, é uma referência ao último acampamento das famílias, que, após a desapropriação de um prédio na avenida Ipiranga, também no centro de São Paulo, passaram dois meses acampadas na calçada da avenida São João.

“A única estrutura que tínhamos lá era um bueiro. Na hora do banho, as crianças se amontoavam em cima deste bueiro para que água gelada fosse jogada nelas. Já os adultos tinham que se contentar com um pano molhado”, diz Maria, que diz ter ficado surpreendida ao encontrar aproximadamente 200 banheiros abandonados ao ocupar o antigo hotel de luxo. “Nós, agora, temos banheiro para escolher.”

O luxo do prédio, inaugurado em novembro de 1958 e desativado em maio de 2004, não é exclusividade dos banheiros, alguns deles com box de vidro e outros com banheiras. O estilo refinado ainda está estampado nas paredes decoradas com detalhes em formato de quadros de fios de ouro, e nos tetos delineados com molduras de gesso. Espelhos nos elevadores e em outras partes do edifício também dão um toque de elegância.

A doméstica Tamires dos Santos, 25, afirma ter se surpreendido com o “carpete”. Uma preferência também compartilhada por seus filhos.  “Vire mexe acordo durante a noite e os vejo deitados no chão. Volto a colocá-los na cama, mas quando me deparo, lá estão eles novamente no carpete”, afirma Tamires, que foi despejada do barraco que morava em São Mateus, na zona leste da capital paulista e trocou o cheiro de esgoto de lá por um lugar “mais seguro”.

“Luxo para mim significa uma moradia melhor e aqui é uma moradia melhor: não vou pisar mais no barro, meus filhos vão brincar sem se sujar e sem se arranhar”, afirma Tamires. “Só de não estar na rua, isso já é um luxo”, diz a doméstica, que mora em uma das 170 suítes do antigo hotel com seu marido e seus quatros filhos.

Já os filhos da caixa de supermercado Aline Rosa de Jesus Fester, 22, gostaram mesmo é da banheira. Os habituais resmungos da hora do banho viram até momentos de alegria que chegam a durar horas. “As banheiras aqui impressionaram a todos. Por isso, estipulamos uma escala para que todos os moradores possam desfrutar do benefício”, afirma Maria.

O luxo faz a auxiliar de limpeza Carolina Santos Silva, 25, que já participou de outras três ocupações, se sentir valorizada. “Eu gosto dos salões e de tudo que tem aqui. É muito bonito. O carpete, o banheiro bem arrumado. É muito diferente de todos os lugares que já vivi”, afirma, que antes da ocupação morava no desconforto das calçadas da avenida São João.

“Uma verdadeira organização”

Ainda que o luxo e a estrutura do prédio tenham resistido bem aos oito anos de abandono, o local foi encontrado pelos sem-teto cheio de lixo, pombos e ratos, conforme Maria do Planalto. “A luz também estava bem precária e a água estava cortada. Atualmente, há energia em todos os cómodos e água quente em todos os chuveiros”, diz.

Mas mesmo após toda a limpeza, as marcas do abandono são evidentes nos mofos das paredes de alguns quartos. “Estamos cuidado o máximo que podemos. Porque não é nosso, mas hoje somos nós que moramos aqui. Com a união das 300 famílias estamos conseguindo manter tudo sempre bem organizado”, afirma a coordenadora da FLM.

A limpeza no edifício é evidente. A reportagem não encontrou um único papel no chão e foi recebida com um agradável cheiro de produto de limpeza. Até mesmo as plantas, que segundo Maria, estavam abandonadas no estacionamento externo do antigo hotel, conseguiram ser recuperadas e, agora, enfeitam o saguão principal do prédio, juntamente com arranjos de natal.

“Aqui dentro é uma verdadeira organização. Aqui tem regra, ela é rígida, mas favorece nós mesmos”, diz Carolina, que com a ajuda de Tamires é responsável pela limpeza das paredes internas do prédio. Os cartazes espalhados pela recepção do antigo hotel. “Os que trabalham ajudam na compra de comida, os que não trabalham nos serviços domésticos e no preparo das refeições”, aponta Maria, que diz ter três equipes na cozinha, uma no café da manhã, outra no almoço e no jantar. Há ainda outro grupo de pessoas que se responsabiliza por ir até o Ceasa para pegar doações de verduras e legumes.

A entrada e a saída do prédio são controladas por três porteiros, que se dividem em turnos. Todo o morador ao sair deve deixar a chave do quarto na recepção e só poderá entrar de volta no edifício mediante apresentação da carteirinha do movimento. De acordo com as regras, a entrada e a saída dos moradores não são permitidas após as 22h, exceto para aqueles que estudam e trabalham durante a noite ou em casos de emergência.

Bebidas e drogas também são proibidas, assim como a entrada de moradores aparentemente embriagados. Até os fumantes têm um lugar certo para fumar. “Não é permitido fumar nos quartos e em qualquer outro lugar a não ser no jardim externo do prédio”, aponta Maria, que diz que o desrespeito a qualquer uma das regras acarreta na expulsão da família.

Além do prédio do antigo Lord Palace Hotel, a Frente Nacional de Luta por Moradia ocupa 11 prédios no centro de São Paulo, entre eles o antigo hotel Cambridge, que apesar de ter sido frequentado pela elite paulistana nas décadas passadas os sinais de abandono já apagam qualquer vestígio de luxo que um dia ele já teve.

Sonho da casa própria

Não foi o luxo, no entanto, que levou o grupo a invadir o prédio, que foi desapropriado pela Prefeitura de São Paulo há dois anos para construção de moradias populares. “Nós nem sabíamos que esse prédio era um hotel. Vimos a placa que ele era desapropriado e entramos”, afirma Maria do Planalto.

Segundo ela, desde 2008, a Prefeitura de São Paulo se comprometeu a ajudar as famílias da favela removida no bairro Alto Alegre. “Tem 60 famílias aqui dentro que estão cadastradas no Programa Arrendamento Residencial, mas aguardam há 4 anos e três meses para conseguirem suas casas. A democracia e a fragilidade do governo favorece essa lentidão “, relata a coordenadora do FLM. “Só eu já levei 19 vezes o CPF e RG dessas pessoas.”

Carolina é uma das que espera pelo cumprimento da promessa feita pela Prefeitura de São Paulo. “Ela [a administração] nos garantiu, na época, que o auxílio aluguel fosse pago até que conseguíssemos a nossa casa própria. Mas já vai fazer três anos que não recebo um tostão”, completa ela, que está grávida de sete meses, e que relaciona o fato à participação dela e dos três filhos no movimento.

A Secretaria Municipal de Habitação não se manifestou. A única resposta foi que já entrou na Justiça “alegando esbulho possessório por parte dos invasores do imóvel e acatará a decisão judicial”.

Ela diz que o seu maior sonho é ter a casa própria. “Não quero nada de graça. Quero apenas conseguir pagar por ela de acordo com a minha renda”, diz a auxiliar de limpeza, atualmente desempregada e que conta apenas com a renda de R$ 500 do marido, que trabalha com a venda de chaveiros.

Esse também é o sonho de Tamires e Aline, que foram despejadas e encontraram no movimento uma esperança de não ter que pararem na rua.

“Como nós viemos do lixo para o luxo, nós temos que estar preparados para voltar para o lixo”, aconselha Maria do Planalto. “O Natal e o Ano Novo aqui estão garantidos, mas a folia de reis vai ser na rua se o nosso próximo presidente não tomar providência”, acrescenta ela, que diz ter conseguido postergar a reintegração de estava inicialmente prevista para o dia 12 de dezembro para dia 8 de janeiro.

Por meio de assessoria de imprensa, o prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), informa que o petista irá priorizar a questão da habitação na capital paulista, que, segundo ele, foi “banalizada” nos últimos oito anos.

O candidato, segundo a equipe, diz que vai construir 55 mil moradias em quatros anos e ainda beneficiar 70 mil famílias com um programa de urbanização de favelas.

Haddad anunciou na semana passada o empresário José Floriano de Azevedo Marques Neto como seu secretário de Habitação. O futuro secretário, que atua na área de habitação popular, não é filiado a nenhum partido, mas foi indicado pelo ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro (PP).

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental. http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/12/15/sem-teto-se-impressionam-com-luxo-ao-ocuparem-antigo-hotel-em-sao-paulo.htm

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