Encontro Nacional de Homens de Axé

Bbábà Diba de Iemanjá fala da promoção da saúde nos terreiros

por Thiago Ansel

Nos dias 10 e 11 de novembro, lideranças de terreiros de diferentes estados brasileiros se reuniram no Rio de Janeiro para o I Encontro Nacional de Homens de Axé. No evento, organizado pela Rede de Religiões Afro Brasileiras e Saúde (RNRABS), representantes de tradições afro-religiosas como o Candomblé, a Umbanda, a Jurema, o Tambor de Mina, entre outras, debateram os desafios para o controle social tanto da Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem, quanto da Política Nacional de Saúde da População Negra, com destaque para a importância de seu caráter transversal (ou seja, por princípio, sua implementação deve perpassar outras políticas da área). A discussão foi pautada a partir do reconhecimento do racismo como o mais importante determinante social a impactar a saúde do homem negro.

O fato é que ser homem e negro no Brasil é fator de risco. Isto, quem acompanha os debates trazidos pelo Observatório de Favelas e lê as matérias publicadas pelo Notícias & Análises nos últimos meses, já sabe. Hoje o risco de um jovem do sexo masculino ser assassinado é mais de 10 vezes maior. Se este jovem for negro a chance de ele ser vítima de um homicídio triplica em relação a uma pessoa branca de mesmo sexo e facha etária. Os índices revelam uma faceta extrema do racismo, mas também as consequências de um modelo de masculinidade que tem por base a agressividade e opta frequentemente pela violência na resolução de conflitos.

Outra face perversa, mas menos evidente, da conjugação de racismo e cultura machista está na forma como os homens geralmente lidam com sua saúde.  Segundo o Ministério da Saúde os homens são mais vulneráveis às doenças, sobretudo às graves e crônicas, morrendo também mais precocemente que as mulheres. Eles, entretanto, procuram muito menos os serviços de atenção primária, chegando ao sistema de saúde em condições agravadas pela postergação do tratamento – o que também implica num custo mais elevado para o próprio SUS. Uma das razões, ainda segundo o Ministério, para além das questões institucionais, é que o homem costuma julgar-se invulnerável, um fato da cultura machista que contribui para que ele esteja menos atento aos cuidados com sua própria saúde e se exponha mais às situações de risco.

Maria Inês Barbosa, pesquisadora da Saúde Pública, falou de como a cultura patriarcal — quase sempre aliada ao racismo — pode determinar, na prática, as condições de saúde do homem. “Saúde não é só um aspecto biológico”, lembrou. “Temos que nos perguntar, por exemplo, qual é o horário de funcionamento das unidades de saúde. Quem pode ser atendido, quem fica de fora. Se a unidade só pode atender de 8h às 17h, os homens em geral ficam de fora e só podem ser atendidos em uma emergência. O pronto atendimento não age de forma preventiva. Se você pega o exame de próstata, nessa sociedade patriarcal, o homem evita fazer porque isso fere a sua noção de masculinidade.

E quando ele resolve fazer, pode ser tarde. Temos que lidar com a questão do machismo para promover a saúde do homem”, explicou.

Devison Faustino, da Rede Nacional de Controle Social e Saúde da População Negra, deu um exemplo de como o racismo consegue comprometer a saúde de toda um conjunto de pessoas. “No caso da epidemia de HIV, mesmo os negros não sendo os mais infectados, eles são os que mais morrem. A população negra morre duas vezes mais de AIDS do que a branca. Por isso, é preciso pensar na questão de raça para fazer o controle social das políticas”, observou.

Tradição e modernidade em pauta nos terreiros

Além de confirmar a vocação histórica das casas de terreiro para a promoção da saúde, sacerdotes e praticantes dos cultos afro, mostraram que não temem abordar temas espinhosos da cultura contemporânea e uma série de questões ainda abertas no interior das tradições. A transsexualidade e a pluralidade de modelos de construção da masculinidade foram assuntos que permearam quase todos os painéis e rodas de coversa dos dois dias de seminário.

Adailton Costa, da RNRABS, destacou que o Candonblé sempre discutiu questões como as de gênero, pois a tradição e as histórias das divindades, disse ele, propõem outras forma menos maniqueísta de construção da masculinidade e feminilidade se comparada à cultura ocidental. “Sempre houve discussão de gênero dentro dos terreiros, lidar com as sexualidades sempre fez parte de nosso meio, por meio de parâmetros que são nossos. E hoje não é diferente. Questões como as da travestilidade e transsexualidade batem a nossa porta e devemos sim tratar delas”, afirmou.

http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=1278

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