Comunidades revitalizam Rio São Francisco

Populações ribeirinhas de um afluente do Rio São Francisco respondem com medidas originais à destruição de seu curso de água.

Uma das pequenas represas próximas do Rio dos Cochos com água de uma chuva recente. Foto: Mario Osava/IPS

por Mario Osava, correspondente da IPS

Januária, Brasil, 3 de dezembro de 2012 (Terramérica).- José Geraldo Matos recorda com saudades as grandes traíras (Hoplias sp), peixes carnívoros de lagoas e rios do Brasil, que ele pescava no Rio dos Cochos, a poucos metros de sua casa. Restabelecer as condições que tinha este rio de 38 quilômetros ao menos três décadas atrás não parece possível, mas graças a um esforço concertado, já foi recuperada parte do fluxo que ostentava antes que a sedimentação e a perda de nascentes o convertessem em um riacho intermitente.

“Onde vivo ficou sem água cerca de 20 dias” este ano, de forte estiagem. Antes “ficava seco por quatro ou cinco meses”, disse Jaci Borges, morador local e ativista da Cáritas, organização católica que apoia essa iniciativa e muitas outras de desenvolvimento solidário. Salvar este e outros pequenos rios é fundamental para revitalizar o São Francisco, o mais importante recurso hídrico do Nordeste do Brasil, uma região com nove hidrelétricas, médias e grandes.

O Rio dos Cochos, um subafluente, faz parte de sua bacia. Dos 36 afluentes diretos do São Francisco, chamado “rio da integração nacional” por cruzar o centro e o nordeste do país, 16 já eram intermitentes em 2005, conforme investigou o jornalista Marco Antonio Coelho para seu livro Os Descaminhos do São Francisco. A população ribeirinha do rio dos Cochos – 300 famílias, ou cerca de 1.500 pessoas – começou a reagir à destruição de seu rio em 2001.

A preparação, que incluiu criar a Associação de Usuários da Sub-Bacia do Rio dos Cochos e a discussão sobre o que fazer exigiu três anos. A partir de 2004 foram construídas 850 “barraginhas”, pequenas represas circulares junto a estradas e outros caminhos por onde seguem as águas de cheias ou chuvas. Desta forma, se impede que os sedimentos, abundantes por causa do solo arenoso, sejam arrastados até o leito do rio e continuem entupindo-o.

Além disso, a terra ao redor dessas pequenas represas fica úmida e se alimenta do lençol freático em uma área onde as chuvas não são abundantes e as graves secas são frequentes, como a que sofre o semiárido do país desde ao ano passado. O Rio dos Cochos cruza os municípios de Cônego Marinho e Januária, no norte de Minas Gerais, com um clima semiárido semelhante ao que afeta quase todo o interior do Nordeste, onde o índice pluviométrico varia entre 250 e 750 milímetros por ano.

Além das represas, há três anos se tenta restaurar as florestas ribeirinhas, estendendo uma cerca a 30 metros do leito do rio para impedir a invasão do gado. Nem todos aderiram a esta campanha, mas é impressionante a recuperação natural da vegetação onde foi colocada essa proteção, sem necessidade de plantar novas árvores, contou Matos. O pequeno rio ficou conhecido como exemplo de revitalização, divulgado pela imprensa e pela televisão nos últimos anos.

A causa da deterioração do rio é o desmatamento dos morros e a substituição da mata original por eucalipto para produzir carvão vegetal, estimulada por políticas oficiais desde a década de 1970. Sua agonia vinha prejudicando a produção agrícola local. “Muitas nascentes secaram, algumas fechadas por sedimentos”, explicou Borges.

Minas Gerais é o Estado de maior atividade de mineração, vinculada ao transporte ferroviário e à siderurgia, grandes consumidores de carvão vegetal. Entretanto, a pecuária também foi uma causa da deterioração, pois danificou a mata e o solo na margem do rio, até ser colocada a cerca. Além disso, exigia a substituição da vegetação natural por extensas pastagens, favorecendo a erosão que, por sua vez, libera mais sedimentos.

Matos, de 57 anos, divide com cinco irmãos uma área de 200 hectares dedicados a agricultura e pecuária. De seus três filhos, um já foi para a cidade próxima, Januária, e “o outro também quer ir”, lamentou. “Viver aqui é bom, mas sobreviver é difícil”, porque as chuvas são muito irregulares e, “após dois meses sem chover, se perde tudo”, contou. Outras dificuldades são as estradas, de terra e sem manutenção adequada, acrescentou Borges. A pouca atenção das prefeituras afeta o transporte, e também as “barraginhas” com as quais se tenta salvar o rio.

As últimas chuvas romperam diques mal feitos em um trecho da estrada onde foram construídos, mais ou menos a cada 50 metros, para resistir à intensidade das cheias. Assim, cresce a bola de neve: as “barraginhas” corrente abaixo não suportam as águas que crescem muito por não serem contidas acima, explicou o camponês e ativista. A associação de moradores locais proporá às prefeituras uma reforma em um trecho de 6,5 quilômetros da estrada para testar o modelo que poderá servir mais tarde para toda a extensão.

A recuperação do riacho por iniciativa dos próprios moradores mostra um caminho para revitalizar o São Francisco, uma promessa do governo federal como contrapartida à transposição de águas desse grande rio, uma obra gigantesca concebida para melhorar o abastecimento hídrico de quatro Estados do Nordeste, que beneficiará 12 milhões de pessoas, segundo o projeto oficial.

Contudo, pouco está sendo feito, apenas o saneamento básico – e incompleto – de algumas cidades, e nada para reflorestar as margens dos rios, segundo Roberto Malvezzi, membro da Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica. Vários estudos estimam que o São Francisco perdeu um terço de seu fluxo desde meados do século passado. Muitos de seus afluentes ou subafluentes secaram em Minas Gerais, onde nasce a maior parte de suas águas.

A pecuária e as monoculturas – soja, café, arroz e outros grãos, além do eucalipto – provocaram desmatamento e são as principais causas desse desastre hídrico, ao “romper o ciclo hidrológico”, disse Apolon Heringuer-Lisboa, fundador e dirigente do projeto Manuelzão, que procura recuperar o Rio das Velhas. O grande problema deste curso é que cruza a região metropolitana de Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais, e recebe a contaminação do esgoto urbano e industrial antes de desembocar no São Francisco.

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