“Deus e o perdão aos homofóbicos”

Cris Faustino, para Combate ao Racismo Ambiental

Às vezes fico a me perguntar o que o bondoso Deus guarda para aqueles que em seu nome disseminam violências. Quando imagino o tamanho da justeza do Ser Supremo, chego quase a me apiedar dos homofóbicos. Digo quase  porque nos humanos a misericórdia tem limites. Para os misericordiosos, não pode ser menos que imperdoável a violência homofóbica e a sua naturalização como missão, desígnio e interesse de Deus. Atentar contra o nome do Criador dessa maneira deve ser pecado em alto grau. Ora, se eu, que sou uma reles pecadora, consigo ver essa aberração de forma tão cristalina, imagine o Senhor de todas as coisas!

Além de insulto à inteligência e à beleza da criação, a homofobia é também uma arrogância que em nome do Criador se vê no direito de massacrar e impedir a liberdade do desejo, do prazer e do afeto, preciosos bens com os quais a bondade divina nos premiou. É razoável crer que, em respeito ao livre arbítrio, mesmo sabendo de seus efeitos colaterais (já que o Senhor tem, legitimamente, seus mistérios), Deus tenha deixado as coisas correrem meio soltas por aqui. Porém, com certeza, não sem espanto diante do ridículo em que se tornou parte de sua obra: os homofóbicos, os racistas, os machistas e misóginos, e toda essa horda decaída que só serve mesmo para atrapalhar a paz dos outros e o sossego do Senhor, tão bondoso que nos foi.

Se não fosse tão coerente e não quisesse respeitar o livre arbítrio e, claro, a diversidade e a democracia, tenho certeza de que o Senhor já teria exposto sua posição política: no mínimo teria encaminhado uma nota de repúdio ao seus pretensiosos pastores.  Já teria organizado passeatas e atos coletivos, porque, com seu imenso poder, Deus – só posso crer – é democrático e atualizado; já teria buscado, por todos os meios, incidir para que a homofobia e a suas violências correlatas fossem erradicadas. Mas convém respeitar  a paciência divina, e conforta crer que Ele esteja vendo, sentido, pensado e tomando providências. Na verdade, imagino que se Deus não fosse contra todas as formas de violência, já teria até mesmo tomado alguma atitude mais radical contra os homofóbicos.  

Na verdade, coisas como a homofobia só podem ser obras do outro, daquele que não é bom nem pronunciar o nome… Aquele sanguinário, desrespeitoso, injuriador, violento, além de homofóbico, racista, machista e misógino. Aquele cuja obra é tão perspicaz que cinicamente provoca a sabedoria divina, fazendo com que alguns humanos, em nome do Senhor, criem e defendam as mais diferentes violências, como se fossem portadores de vozes celestiais. Esse outro é tão esperto; suas armadilhas, tão perversas e inescrupulosas, que fazem com que a violência homofóbica pareça um querer de Deus, e a negação dos direitos sexuais e afetivos das pessoas, um interesse e uma vontade divinos.

Ele, o maligno, na sua sombria força cria – em pastores, padres, juízes, policiais, pais, políticos e outras autoridades – a incapacidade de raciocinar e entender a diversidade e a beleza do amor, a ternura do afeto, a quentura do desejo: as mais misteriosamente belas das criações divinas nos seres humanos; partes incontestes da vida cotidiana, das relações e realizações. Através da imposição da vontade maligna, esses homens, com seus discursos e atos, favorecem tipos como os skinheads, os estupradores, pedófilos e torturadores, enquanto transformam homens e mulheres de boa vontade em violadores de direitos.  Tamanha maldade faz com que cabeças inteligentes, criadas com tanta dedicação, elaborem raciocínios sinistros, do tipo que silencia sobre ou faz com que dores, mortes, iniquidades pareçam necessárias para Deus, enquanto amor, prazer e desejo sejam mostrados como ruins e representem o mais alto prejuízo de sua glória. Isso deve ser considerado, no mínimo, uma calúnia contra o Criador.

Os homofóbicos poderiam ter um pouco de caridade e solidariedade com o Senhor que eles dizem amar e lhes poupar tamanho aborrecimento, já  que é razoável crer que Ele esteja ocupado e engajado em nos ajudar a resolver o problema da fome, das desigualdades, das violências e das injustiças de tantas outras ordens. Se eu fosse os homofóbicos tomaria um pouco mais de cuidado com o agravante que vêm causando no esforço divino de melhorar o mundo. Mas qual não é! Quando Deus abençoa as lutas dos oprimidos e lhes ajuda a conquistar algumas melhoras, contingentes enormes de fiéis vêm a público e fazem de tudo pra que a generosa bênção divina seja contrariada. Tem sido assim com as mulheres, com os negros, com os indígenas, com meninas e meninos, com travestis, transexuais, com gays, lésbicas e bissexuais. Tão inteiras criaturas de Deus, massacradas pelos servidores do mal, travestidos (sem nenhum trocadilho) em representantes do Senhor que, no auge de sua arrogância, se autodefinem como os legítimos decifradores dos mistérios divinos.

Pergunta que deve atormentar o nosso Juiz Supremo: por que, ao mesmo tempo em que dizem me venerar, me aborrecem e entediam com tão perigosas besteiras, que acreditava ter resolvido com o tanto de inteligência que lhes coloquei à disposição? Têm o corpo, a vida, a alma, o incrível dom de sentir desejo, o prazeroso ato sexual, a oportunidade de se relacionar e ser qualquer sexo e qualquer gênero. Mas ao invés de serem felizes com isso, criam toda sorte de interdições a esses milagres…

A única maneira de explicar tudo isso só pode ser o medo desses milagres,  doença que acomete os homofóbicos e os transforma em babacas, ignorantes, estúpidos, recalcados, invejosos e infelizes, ou cria neles a convicta ilusão de que a paz e o direito à abençoada sexualidade é sua propriedade privada. Todo mundo sabe que Deus se comove com os doentes. Então, nesse caso, como sempre nos ensinaram os cristãos, se pedirem perdão e se abrirem para os bens da criação, o que inclui a capacidade de respeitar a sexualidade alheia, pode ser que o Senhor se compadeça dessas criaturas, que lhe saíram deformadas e tão suscetíveis às artimanhas do  “coisa ruim”.

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