Imperdível: Comentário do líder Taravy Kayabi sobre a ação da Polícia Federal no Teles Pires

O texto abaixo, enviado por Sonia Mariza Guarani Kaiowá, foi postado pelo líder Kayabi para a jornalista Beth Begonha*.  É um depoimento contundente sobre as diversas agressões que os indígenas vêm sofrendo, desde o descaso do governo, que os levou a aceitar a permanência de alguns garimpos para fazer face às suas necessidades mais urgentes, à contaminação do Teles Pires por outros agentes, como as barragens e os agrotóxicos. Sobre a ação da PF na chamada Operação Eldorado, Taravy Kayuabi faz uma pergunta direta: “será que Presidenta Dilma gostaria que a Polícia chegasse em um almoço de domingo na sua casa jogando bombas de gás lacrimogênio em seus avós e em seus netos??”. Abaixo, a íntegra do depoimento, cuja publicação foi devidamente autorizada através de Sonia Mariza, a quem agradecemos. TP.

Comentário de Taravy Kayabi Kayabi:

Boa noite, minha querida amiga Beth Begonha. Primeiramente gostaria de agradecer você por ter falado que eu escrevi para você. Estou acompanhando todos os seus programas de manhã. Agradeço pelo apoio.

Beth, eu, Taravy Kayabi, gostaria de informar sobre a OPERAÇÃO ELDORADO, DEFLAGRADA PELA POLÍCIA FEDERAL, QUE TEVE COMO OBJETIVO A RETIRADA DO GARIMPO AO LONGO DO RIO TELES PIRES.

Beth, há anos que eu, Taravy, vem buscando apoio das várias instâncias do governo para desenvolvimento de projetos que permitam a sustentabilidade, autonomia e acesso à geração de renda das comunidades. Assim, eu, Taravy, junto com as lideranças, já fomos milhares de vezes até Brasília conversar com Ministros, IBAMA , FUNAI, contar a nossa realidade e pedir SOCORRO.

Ouvimos muitas promessas, muita enrolação, mas nunca uma atitude concreta. Essas pessoas jamais vieram até as nossas terras, conhecer a nossa realidade, conversar com a comunidade e ver a difícil situação em que nos encontramos. Não temos acesso a renda, a condições de deslocamento para a cidade, a energia, saneamento básico, água potável ou atendimento de saúde por equipes de médicos e enfermeiros.

Nosso Rio Teles Pires, que é nossa principal fonte de vida e subsistência, está cada dia mais sujo e mais poluído pelo agrotóxico, por esgotos e mais recentemente pelas grandes usinas hidrelétricas. Já não podemos confiar em tomar a água do rio como era antes.

A resposta do governo foi sempre a mesma: vamos fazer, iremos até lá. Só que jamais chegaram até nós. Jamais nos atenderam. Nos deixaram abandonados aqui depois de acabar com nossa água, nos transmitir doenças e nos fazer precisar de remédios.

Diante da situação crítica, da morte de parentes por falta de atendimento e da falta das coisas mais básicas possíveis os povos da região estabeleceram acordo com 8 máquinas de atividade de garimpagem que aqui estão desde ano 80. Não fizemos isso porque gostamos de nos envolver com coisas erradas. Fizemos por extrema necessidade, por estar vendo nosso povo morrer e passar as mais diversas privações, sem que o GOVERNO SE MEXESSE PARA AJUDAR.

No último ano, fomos à FUNAI e ao IBAMA de Brasília pedir um programa de apoio à comunidade. Não queríamos óleo diesel e nem cesta básica: queríamos apoio para elaborar e executar projetos para buscar sustentabilidade ambiental e geração de renda, e, assim, REALIZAR DESOCUPAÇÃO PACÍFICA DO GARIMPO DE NOSSAS TERRAS.

Mas o governo preferiu acabar de vez com todos nós, mandando a polícia invadir a Aldeia Teles Pires e jogar bombas de gás lacrimogênio em mulheres e crianças, atirando com balas de borracha em idosos e mantado um jovem com um tiro de fuzil na cabeça e quatro no peito. Prenderam 17 pessoas que passaram mais de nove horas algemadas. Algumas delas estavam dentro de suas casas esperando o conflito passar ou correndo desesperadas para se esconder.

Eu estive, no dia da OPERAÇÃO, EM BRASILIA, NUMA REUNIÃO COM OS MINISTROS, onde o ministro e a presidenta da Funai me prometeram que a invasão iria parar. Mas, um dia depois da promessa, a aldeia Kayabi Coelho também foi invadida. As casas tiveram as porta arrebentadas e foram reviradas. Conflito só não houve porque todos ja tinham saído da aldeia com medo da POLÍCIA FEDERAL.

O nosso rio Teles Pires está sujo de óleo e de resíduos em virtude da explosão das dragas.

Beth, será que Presidenta Dilma gostaria que a Polícia chegasse em um almoço de domingo na sua casa jogando bombas de gás lacrimogênio em seus avós e em seus netos?? Nossos idosos estão em estado de choque. A comunidade está dilacerada.

Talvez a nossa presidenta, que nunca pisou em uma terra indígena para conhecer a nossa realidade, esteja autorizando a atual política indigenista, que conta com a PEC 215, a PORTARIA 303 DA AGU e o PL 1610/96, por vir de uma família de colonizadores europeus, que estão há poucas gerações no Brasil e vem nos tratando, POVOS ORIGINÁRIOS DESTAS TERRAS, com o mesmo descaso e violência dos primeiros colonizadores de 500 anos atrás.

Beth, eu vou convidar a presidenta, os ministros e todo o alto escalão do governo a passar uma semana aqui com a gente, vivendo a nossa vida e finalmente conhecendo um pouco da realidade indígena. Podem ter certeza que trataremos eles de um jeito muito diferente do que eles estão tratando a gente! Estamos há muitos anos tentado entender os protocolos e burocracias do não indígena, dialogar. Deixamos de matar e caçar o inimigo, hoje buscamos o diálogo, buscamos compreender. Mas quando o governo vai ao menos tentar nos compreender.

Essa operação, assistimos a mais um episódio de tragédia e desgraça graças à falta de preparo da polícia e do governo para lidar com a questão indígena. Vou querer saber do governo se os agente da Polícia Federal passaram pelo centro de treinamento Apoena Meireles e se seus comprovantes de sanidade mental estavam em dia!

Não aceitamos mais ser assassinados. Não aceitamos mais que todas as saídas paras as nossas necessidades tenham como resposta do governo a aceitação de programas básicos ambientais PBAS que não nos garantem nada. Só querem nos dar migalhas pela destruição dos nossos rios e vida com a construção de barragem.

É bom que o governo saiba que o que preservamos até agora preservamos para nós. Não somos leões de chácara e não aceitaremos a invasão das nossas terras indígenas pelo governo e seus programas que só visam beneficiar financiadores de campanha. Se o país que já foi nosso destruiu tudo o que nós já tínhamos, tudo, ele que agora viva de pasto, soja e beba água do rio Tietê!

(…)

Taravy Kayabi.

*Beth Begonha é produtora e apresentadora do programa Amazônia Brasileira, na Rádio Nacional da Amazônia, emissora da EBC. Mais detalhes em  http://www.radiotube.org.br/meusaudios-2990-0.

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