“Revista Veja: direito de resposta aos Guarani e Kaiowá já!”

Nota: O texto abaixo foi compartilhado ao longo do dia de hoje, para ser endossado por entidades e encaminhado a quem de direito. De uma forma ou de outra, foi lançado na Avaaz para assinaturas públicas. Sem entrar no mérito da questão, posto-o abaixo e sugiro que ele seja assinado com a ambição de ir muitíssimo além dos cem apoios que a petição online estipula como alvo. Até porque, só em termos de entidades, penso que esse total já havia sido superado na coleta original. Mas o mais importante neste instante, acho, é manifestarmos o apoio. Então, para assinar o manifesto abaixo, clique no final dele.  TP.

Revista Veja: direito de resposta aos Guarani-Kaiowá já

“A escrita, quando você escreve errado, também mata um povo”. Assim afirmaram os professores Guarani-Kaiowá a respeito do que foi publicado na revista Veja, em 4 de novembro, sobre a luta de seu povo pelos seus territórios tradicionais.Sob os títulos de “A ilusão de um paraíso” e “Visão medieval de antropólogos deixa índios na penúria” (nas versões impressa e virtual, respectivamente), a reportagem parte de uma visão: i) claramente parcial no que diz respeito à situação sociopolítica e territorial em Mato Grosso do Sul, pois afirma que os indígenas querem construir “uma grande nação guarani” na “zona mais produtiva do agronegócio em Mato Grosso do Sul”; ii) deliberadamente distorcida quanto à atuação política dos grupos indígenas supracitados e dos órgãos atuantes na região, desmoralizando os primeiros ao compará-los, ainda que indiretamente, a “massas de manobra” das organizações supostamente manipuladoras e com uma “percepção medieval do mundo”; iii) irresponsável e criminosa, por estimular medo, ódio e racismo, como se vê no seguinte trecho: “o resto do Brasil que reze para que os antropólogos não tenham planos de levar os caiovás (sic) para outros estados, pois em pouco tempo todo o território brasileiro poderia ser reclamado pelos tutores dos índios”.

A reportagem, assinada pelos jornalistas Leonardo Coutinho e Kalleo Coura, não perdeu “a oportunidade de apresentar, mais uma vez, a imagem dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como [se] nós indígenas não fossemos seres humanos pensantes. Fomos considerados como selvagens e truculentos”, conforme escreveu o Conselho da Aty Guasu, a assembleia Guarani e Kaiowá, em nota pública lançada no último dia 5. 

O documento repudia “a divulgação e posição racista e discriminante” do texto e reafirma a autonomia organizativa e política Guarani e Kaiowá na luta pela recuperação dos territórios. “A Luta pelas terras tradicionais é exclusivamente nossa. Nós somos protagonistas e autores da luta pelas terras indígenas. [E] nós envolvemos os agentes dos órgãos do Estado Brasileiro, os agentes das ONGs e todos os cidadãos (ãs) do Brasil e de outros países do Mundo”, afirmou a Aty Guasu. Ali também denuncia o tratamento difamatório na reportagem, reiterada na nota da Comissão de Professores Guarani-Kaiowá ao indicar que, propagando o ódio contra os indígenas, “a matéria quer colocar um povo contra outro povo. Quer colocar os não-índios contra os indíos. Essa matéria não educa e desmotiva. Ao invés de dar vida, ela traz a morte”.

A conjuntura em que estão inseridos os Kaiowá e Guarani lhes é extremamente desfavorável. Num momento em que se procura gerar uma negociação que busque superar os conflitos entre indígenas e fazendeiros no Mato Grosso do Sul, a revista teima em incendiar os ânimos de seus leitores ruralistas. A matéria carrega em si uma série de falhas na apuração das informações, apresentando fatos falsos ou distorcidos:

1. A reportagem expõe e reforça uma imagem distorcida e estigmatizada dos indígenas como dependentes de órgãos púbicos e privados, usuários de drogas e reféns dos interesses de indivíduos ou organizações exógenas às comunidades. Essa imagem estimula o racismo, o ódio e preconceito contra indígenas, problema histórico no Brasil, em geral, e no Mato Grosso do Sul, em particular, podendo intensificar a tensão e a violência já sofrida pelo povo Guarani-Kaiowá.

2. Aciona, também, preconceito contra a sociedade não-indígena, quando afirma que a população apoiadora da causa é manipulada, conforme explicitado na nota da Aty Guasu: a “(…) REVISTA VEJA considera que esses cidadãos (ãs) manifestantes seriam ignorantes e não conheceriam as situações dos Guarani e Kaiowá, os tachando de ignorantes aos cidadãos (ãs) em manifestação”. Há também uma passagem de sexismo sugestivo no texto, citando mulheres que “não perderam a chance de protestar de peito aberto diante das câmeras”

3. Omite a verdade quando ignora de maneira retumbante os posicionamentos públicos dos indígenas Guarani-Kaiowá organizados em sua assembleia maior, a Aty Guasu

4. Deturpa de maneira generalizada o conteúdo da carta dos Kaiowá de Pyelito Kue, imputando suas denúncias a organizações exógenas e creditando ao Cimi sua autoria e divulgação. A reportagem, no mínimo, não atentou às datas de divulgação do carta, escrita de próprio punho por lideranças de Pyelito Kue e endereçada à Aty Guas no dia 9 de novembro. Deturpações como essa são usadas para corroborar a tese de que os Kaiowá são “manipulados” pelo Cimi, pelos antropólogos e pela Funai;

5. Não foram checadas informações e acusações. As organizações citadas no texto, notadamente o Conselho Indigenista Missionário, nunca foram questionadas pela reportagem sobre as informações e acusações;

6. Uso de fonte questionável. O antropólogo citado na matéria, Edward Luz, não é pesquisador dos Guarani e Kaiowá, sequer do Mato Grosso do Sul. É, sim, missionário evangélico, membro do Conselho Consultivo do Instituto Antropos, diretor da Associação das Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), vinculada à Missão Novas Tribos do Brasil, o braço brasileiro da ONG internacional New Tribes Mission, organização que já foi expulsa ou impedida de entrar em diversas aldeias indígenas pelo órgão indigenista oficial brasileiro, a Fundação Nacional do Índio. É a mesma fonte, também, de outras matérias na revista com o mesmo teor antiindígena;

7. Houve ma-fé no uso de informações desmentidas há tempos. As informações destacadas no mapa sobre a dita “Nação Guarani” – que revisaria limites territoriais nacionais e internacionais – e a demarcação contínua das terras do sul do Estado do Mato Grosso do Sul já foram desmentidas por indígenas e posteriormente por antropólogos e pela própria Funai, e novamente pelos indígenas durante as agendas de audiências públicas no Congresso Nacional na última semana.

8. Uso de apenas uma linha de entrevista, de maneira descontextualizada, com um único indígena – mesma fonte da matéria anterior sobre os Kaiowá e Guarani – no sentido de sugerir concordância com o texto conclusivo da matéria.

9. Exposição indevida da imagem de crianças indígenas em fotografia utilizada para ilustrar reportagem preconceituosa, com contornos sensacionalistas, ofensivos e que faz juízo de valor depreciativo de sua comunidade.

Dessa forma, o Conselho da Aty Guasu, grande assembléia dos povos Guarani Kaiowá, em conjunto com as demais organizações signatárias, vem a público denunciar a postura criminosa da Revista Veja.

A Aty Guasu Guarani e Kaiowá e a Comissão de Professores Guarani e Kaiowá exigem a investigação rigorosa e punição cabível dos responsáveis, bem como o direito de resposta aos Guarani e Kaiowá na revista Veja. Tais demandas também farão parte de Representação ao Ministério Público Federal para que este, dentro de suas competências constitucionais, tome as medidas necessárias. A imprensa é livre para se posicionar da forma que bem entenda – no entanto, os “fatos” que norteiam a reportagem citada são falsos. Não se trata de uma questão de opinião, e, sim, de irresponsabilidade. Os povos Guarani e Kaiowá já foram vitimados suficientemente por irresponsabilidades”.

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Enviado por Sonia Mariza Guarani Kaiowá.

Comments (1)

  1. É bom ver se essa questão da Veja não cabe danos morais. Chega de injustiças contra os Guarani e Kaiowá. Ao contrário desse racismo imbecilizado deveremos tomar algumas lições da educação indígena e em especial desse povo. A educação tradicional deste povo prepara a pessoa para a vida e não para a morte. Prepara a pessoa para dialogar, para dizer a palavra, mas não a palavra vazia e sim cheia de amor e de compreensão ao Outro e a relação com a natureza é de harmonia e não destruição. Teremos muito o que aprender com os povos indígenas e com os Guarani e Kaiowá. Estou nessa luta a favor dos direitos que lhes foram renegados.

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