Arqueologia literária

Graciliano Ramos com a neta, em 1952: artista comprometido com as mazelas do Brasil

Achados inéditos do escritor alagoano Graciliano Ramos são reunidos em livro pelo pesquisador Thiago Mio Salla. Textos revelam o homem de letras e da militância política 

Carlos Herculano Lopes

Dono de estilo cortante e seco – como a própria terra de onde veio –, o escritor Graciliano Ramos, autor das obras-primas Vidas secas e São Bernardo, deixou crônicas, epigramas, artigos de crítica literária, discursos políticos e cartas publicadas em jornais, além do conto juvenil “O ladrão”, datado de julho de 1915, escrito quando ele tinha 22 anos. Tudo isso estava disperso e passava despercebido do público.

Organizado pelo professor Thiago Mio Salla, esse conjunto de textos acaba de ser reunido em Garranchos: achados inéditos de Graciliano Ramos, que chegará às livrarias na quarta-feira que vem. No mesmo dia, às 19h30, na Biblioteca Pública Luiz de Bessa, em BH, a mesa-redonda “A cronologia de Graciliano Ramos: as forças que animam a obra do escritor” contará com a participação dos autores Luiz Ruffato e Guiomar de Grammont e do professor de literatura Benjamim Abdala. Dia 27, faz 120 anos do nascimento de Graciliano.

Pesquisador da obra do autor nordestino e doutorando em letras pela Universidade de São Paulo (USP), Thiago Mio Salla diz que a publicação de Garranchos jogará novas luzes sobre a trajetória humana e literária de Graciliano, trazendo a público facetas praticamente desconhecidas (ou pouco divulgadas) do escritor.

Como o livro abrange diferentes fases da produção intelectual de Graciliano Ramos, optou-se por dividi-lo em cinco blocos: Anos 1910, Anos 1920, Anos 1930 ainda em Maceió, Depois da saída da prisão e Depois da entrada no PCB.

Thiago Mio Salla levou sete anos para agrupar os 81 textos de Garranchos, que abrangem o pensamento do autor de Vidas secas dos anos 1910 à década de 1950. Ele pesquisou jornais, arquivos e revistas de todo o país.

Salla ressalta uma curiosidade: em seus escritos, Graciliano se valeu de vários pseudônimos: Ramos de Oliveira, Ramos Oliveira e Lúcio Guedes, além de abreviaturas e iniciais – X, RO, JC e GR.

De acordo com o pesquisador, por mais que os “achados” reunidos na coletânea não alcancem a estatura de aclamados romances, memórias e contos, eles têm o mérito de revelar novos prismas. “Também se ampliam as possibilidades de leitura e compreensão, por parte do leitor, do papel desempenhado tanto pelo homem quanto pelo artista Graciliano Ramos”, ressalta.

GARRANCHOS
Achados inéditos de Graciliano Ramos
• Textos de Graciliano Ramos
• Org: Thiago Mio Salla
• Record, 378 páginas, R$ 49,90

ENTREVISTA

Thiago Mio Salla/pesquisador

Mestre da palavra 

O que o leitor pode encontrar de mais interessante em Garranchos?
Talvez o maior mérito do livro seja oferecer ao público facetas até então pouco conhecidas da trajetória artística e intelectual de Graciliano Ramos. Assim, na série que dá nome ao livro, publicada no pequeno jornal O Índio, de Palmeira dos Índios, podemos encontrar um Graciliano que assumia a condição de defensor da população da cidade interiorana, reivindicando, sobretudo, o incremento da educação do município. Em linhas gerais, já se observava aqui o prenúncio do Graciliano prefeito de Palmeira dos Índios e diretor da Instrução Pública do Estado de Alagoas. Conhecemos também o jovem contista, autor de “O ladrão”. Nesse conto, já podemos detectar alguns vetores que marcariam a produção futura do escritor, tais como o uso da primeira pessoa, o mergulho na psicologia dos personagens e o privilégio para temas como o crime, a humilhação e a prisão. Podemos encontrar ainda o autor de teatro, como se pode depreender do primeiro ato da peça Ideias novas. Ele constrói uma comédia de costumes que tem como pano de fundo uma pequena cidade no interior nordestino.

E a política?
Possivelmente desperte maior interesse o conjunto de cerca de 30 textos que documentam parcela significativa da trajetória de Graciliano depois de 1945, quando ele entra oficialmente no Partido Comunista Brasileiro. Aqui é possível encontrá-lo como um militante disciplinado, que escrevia discursos, participava de comícios, redigia artigos e que assumiu, depois de maio de 1951, a defesa das diretrizes partidárias. Internamente, porém, o escritor fazia críticas a certas orientações do Partidão, sobretudo àquelas voltadas ao tratamento dispensado à literatura.

O que mais a leitura de Garranchos possibilita?
Que se compreenda melhor o papel desempenhado tanto pelo homem quanto pelo artista. Tendo em vista esse objetivo, investiu-se na produção de notas de rodapé, que têm a finalidade de, sempre que possível, situar e retomar o diálogo de cada texto com os diferentes contextos socioculturais em que foram produzidos.

Qual é o lugar de Graciliano Ramos na literatura brasileira?
Graciliano continua a ter papel proeminente na cultura brasileira, seja por manter o posto de um dos principais cultores do idioma, seja pela dimensão humana e universal de suas obras, seja pelo retrato contundente que produziu das mazelas do interior do país, as quais ainda se fazem presentes nos dias de hoje. Tudo isso o coloca como um dos principais artistas e intérpretes do Brasil.

São Bernardo e Vidas secas são considerados os melhores livros do autor alagoano. Qual é o seu preferido?
Essas duas obras são sensacionais e tiveram grande peso na minha formação. Mas, se tiver de escolher, fico com S. Bernardo – era assim que Graciliano gostava de ver o nome do livro grafado. Nesse romance, mais que nos outros também redigidos em primeira pessoa, Caetés e Angústia, ganha destaque a encenação do próprio ato da escrita, que antecede e problematiza o desenrolar da história. Todas as vezes em que releio esse livro fico admirado com a precisão de cada frase e com o poder de Paulo Honório em se assenhorear da narrativa e em se agigantar, mesmo no desenrolar de sua derrocada, diante de tudo e de todos. Impressiona-me também o modo como ele utiliza a prosa do protagonista para discutir a literatura, reafirmando a proeminência do romance nordestino de 1930 – despido de adornos bacharelescos e centrado na materialidade da vida interiorana de um país ainda por se conhecer – frente à produção literária pregressa, sobretudo o romantismo.

Enviada por José Carlos para o Combate ao Racismo Ambiental.

http://impresso.em.com.br/app/noticia/toda-semana/pensar/2012/10/20/interna_pensar,54739/arqueologia-literaria.shtml

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