Ampliação de usina traz de volta disputa no Madeira

Por: Daniel Rittner , Valor Econômico

A usina hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, está prestes a ganhar o direito de ampliar sua capacidade. Nas próximas semanas, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) dará sinal verde para o acréscimo de seis turbinas ao projeto original da usina, o que elevará sua potência em 419 megawatts (MW).

A iminente decisão da Aneel fará a concessionária Santo Antônio Energia, que tem Furnas e Odebrecht como principais acionistas, aumentar em R$ 1,2 bilhão o investimento previsto na construção da hidrelétrica. Ela entrou em operação comercial no início deste ano e elevará sua produção à medida que as obras avancem, até 2016. O desenho inicial da usina, no rio Madeira, previa 3.150 MW de capacidade e 44 turbinas. Hoje o orçamento da usina está em R$ 16 bilhões.

A encomenda das máquinas foi repartida entre a francesa Alstom, a alemã Voith Siemens e a austríaca Andritz Hydro. Com a nova configuração, o empreendimento terá 50 turbinas e 3.569 MW de potência, um acréscimo suficiente para fornecer energia a mais três milhões de pessoas.

Esse ganho, no entanto, pode reacender uma das mais acirradas disputas no setor elétrico brasileiro. Para viabilizar a mudança, é preciso alterar a cota – altura do espelho d”água – de operação de Santo Antônio. Ela passará de 70,5 para 71,3 metros.

O problema é que a mudança pode causar danos socioambientais e comprometer a estrutura da outra hidrelétrica que está sendo construída rio acima, segundo a Energia Sustentável do Brasil, concessionária da usina de Jirau. “Temos uma reunião dos sócios, na semana que vem, para definir que não vamos aceitar isso”, disse o presidente da ESBR, Victor Paranhos. A multinacional francesa GDF Suez tem 60% de participação acionária em Jirau, que conta com uma fatia minoritária da Chesf e da Eletrosul.

No ano passado, o grupo responsável pela usina de Jirau tornou pública sua preocupação com a ameaça de “graves riscos estruturais”, causada pela mudança da cota do reservatório de Santo Antônio. A ESBR chegou a mandar uma carta para o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, advertindo sobre o dano potencial ao vertedouro e às casas de força de Jirau. O grupo fez ainda um alerta sobre eventuais prejuízos socioambientais, como a necessidade de realocação da parte baixa do distrito de Jaci-Paraná e a inundação de “alguns quilômetros” da BR-364, que liga Porto Velho a Rio Branco. “A nossa preocupação continua sendo a mesma de antes”, afirmou Paranhos. Procurada pelo Valor, a Santo Antônio Energia preferiu não fazer nenhum comentário.

Em parecer concluído no início de julho, o Ibama “não identificou nenhum impacto ambiental não mitigável ou não compensável”, conforme parecer assinado por Fernando da Costa Marques, então presidente-substituto da autarquia. A análise “supre integralmente a exigência da Aneel”, de acordo com o parecer.

A Agência Nacional de Águas (ANA), em resolução do dia 17 de setembro, aumentou a vazão máxima turbinada de Santo Antônio para 29.959 metros cúbicos por segundo. Isso garante a alocação necessária dos recursos hídricos, no rio Madeira, para a expansão da usina. Por fim, atendendo a duas exigências da Aneel, a concessionária apresentou um compromisso formal de investir em mais seis turbinas e entregou uma declaração assegurando que a mudança no reservatório não afetará as estruturas de Jirau.

O mal-estar entre os dois grupos, em torno da mudança da cota de Santo Antônio, tem motivações econômicas. Duas propostas divergentes chegaram à agência reguladora. A Aneel aprovou o aumento, dos 3.300 MW previstos originalmente na licitação para 3.750 MW, da potência de Jirau. Essa ampliação está sendo executada pela ESBR. A concessionária está executando essa expansão e isso lhe rendeu 207 MW médios adicionais de energia assegurada, ou seja, da eletricidade que pode ser comercializada em leilões ou no mercado livre por haver garantias de sua geração.

O diretor André Pepitone, da Aneel, afirmou ao Valor que a concessionária de Jirau queria ganhar mais 50 MW médios. Para isso, no entanto, não seria possível mexer na cota do reservatório de Santo Antônio e não haveria nenhum acréscimo de energia assegurada na outra usina.

A opção da agência foi olhar o complexo todo do rio Madeira para fazer um “aproveitamento ótimo” das duas usinas, segundo Pepitone. “Não pudemos atender ao pleito individual de Jirau, mas o ganho para o sistema acabará sendo maior. São 397 MW médios de energia assegurada adicional, distribuída de forma praticamente igual, com 207 MW médios para Jirau e 189,3 MW médios para Santo Antônio.”

“Estamos agindo na mais estrita observância à missão institucional da Aneel de propiciar condições favoráveis ao desenvolvimento do mercado de energia. Não quero saber se quem vai ficar mais satisfeito é Santo Antônio ou Jirau. Quero potencializar o ganho do complexo hidrelétrico do Madeira”, disse o diretor.

Pepitone fez questão de ressaltar as tentativas do governo e da agência reguladora em colocar um ponto final na briga entre as duas concessionárias. Um grupo de trabalho, acompanhado pelo ministro Edison Lobão, atuou para apaziguar os ânimos e tem conversado diretamente com os acionistas das duas usinas. “É um exemplo de solução de conflito.”

Para o presidente da ESBR, a questão ainda não está pacificada. “Não há nada acordado. A posição dos sócios é que Jirau não abrirá mão do direito que tem”, afirmou Victor Paranhos. “Sem alagar nenhum metro quadrado a mais nem fazer nenhum investimento adicional, podemos aumentar a energia assegurada de Jirau em pelo menos 35 MW médios, se não houver mudança da cota de Santo Antônio. Essa mudança tem que ser aprovada também por Jirau. E não vamos aprovar nada enquanto não soubermos o impacto de engenharia.”

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