Indigenismo como Processo de Territorialização: Introdução ao Estudo Sobre a Forma das Aldeias Indígenas Brasileiras

Ano 5, vol VIII, Número 1, Jan-Jun, 2012, Pág. 50-75

INDIGENISM AS A TERRITORIALIZATION PROCCESS: INTRODUCTION TO THE STUDY OF THE SPECIAL ORGANIZATION OF THE BRAZILIAN INDIGENOUS SETTLEMENTS

Sandoval dos Santos Amparo[1]

Fundação Nacional do Índio

Resumo

A necessidade de uma discussão do indigenismo como processo de territorialização pauta-se por uma leitura crítica da ação do Estado brasileiro junto às sociedades indígenas e tomando por base as repercussões desta territorialização na organização sócio-espacial das aldeias/comunidades. Seus pressupostos teóricos são as teorias elaboradas no âmbito da Geografia por autores como Milton Santos, Rogério Haesbaert e Carlos Walter Porto-Gonçalves, além de buscar uma aproximação teórica com a etnologia de autores como João Pacheco de Oliveira, Darcy Ribeiro, Roberto Cardozo de Oliveira, (principalmente) e Eduardo Viveiros de Castro. Portanto, apresenta uma análise interdisciplinar que se sustenta na quase inexistência do debate acerca da questão indígena na Geografia brasileira.

Palavras-Chave: questão indígena, indigenismo, territorialização, organização espacial.

Abstract

The necessity of a discussion of indigenization as a process of territorialization is guided by a critical reading of the State action together with Brazilian indigenous societies and having as basis the impact of this territorialization in socio-spatial organization of the villages / communities. The theoretical assumptions are the theories developed in the context of Geography by authors such as Milton Santos, Rogério Haesbaert and Carlos Walter Porto-Gonçalves, besides the seek of a theoretical approach to the ethnology of authors such as João Pacheco de Oliveira, Darcy Ribeiro, Roberto de Oliveira Cardozo (mainly) and Eduardo Viveiros de Castro. It therefore presents an interdisciplinary analysis that is sustained by the almost unexistency of debates about the indigenous question in the Brazilian geography.

Keywords: Indigenous question, indigenization, territorialization,spacial organization.

Nota Introdutória

O texto que segue foi elaborado no ano de 2009, por ocasião da qualificação para o mestrado em Arquitetura e Urbanismo, do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, o qual foi finalmente concluído em junho 2010. O estudo, naquele momento, encontrava-se em pleno processo, sendo submetido, posteriormente, a modificações no que diz respeito ao foco, uma vez que, desde a organização sistêmica dos assentamentos indígenas brasileiros, nos dedicamos exclusivamente às formas de organização espacial dos Kaingáng, povo indígena “Jê” do planalto meridional brasileiro. Entretanto, nos permitiu apontar as “superfícies de emergências”, como propunha Foucault em seu “Arqueologia do Saber” (Foucault[2], 2008), sobre as quais repousam o discurso que ora se apresenta, doindigenismo como processo de territorialização, e levá-lo adiante, elucidando pontos passíveis de maior esclarecimento no que diz respeito à questão indígena, ao indigenismo e suas idealizações.

Este trabalho se dedica, pois, a uma análise que abordará exclusivamente o indigenismo como processo de territorialização, que entendemos como pressuposto para o estudo da organização espacial dos assentamentos indígenas brasileiros, que será empreendida a partir de bibliografia existente e trabalhos de campo, mas não nesta oportunidade. Aqui nos atemos apenas  ao estudo do indigenismo estatal, sem adentrar na descrição das diferentes configurações que tomam os assentamentos Kaingáng (de nosso interesse particular) ou de outros indígenas no país, cujas referências específicas poderão ser encontradas no item 4.

Organização Espacial, Metodologia e Escalas de Análise da Territorialização

Mesmo não sendo objeto central de nosso estudo, neste momento, a organização espacial dos indígenas é corolário para o estudo do indigenismo e da territorialização, conforme coerência de método que desejamos manter. Ela pode ser esboçada num quadro geral da organização das aldeias ou assentamentos indígenas brasileiros, considerando as principais morfologias encontradas e o quanto se encontram alteradas. Neste sentido, ainda que não possamos avançar nesta abordagem, devemos mencionar os meios pelos quais acreditamos seja possível compreendê-las: é necessário lançar mão, pelo menos, de três níveis (ou escalas) de análise, os quais revelam as rupturas identificadas: 1) o espaço da habitação (escala local), 2) o espaço da aldeia, que propositadamente e não sem polêmica chamaremos de escala urbana e; 3) a escala territorial, que faz referencia ao nível do território tradicionalmente ocupado por estes índios (ver tabela 1).

As rupturas, uma vez reconhecidas, são atribuídas à ação indigenista, já que esta é, crucial para a definição dos territórios que poderão se utilizados por estes. Vemos no indigenismo, mesmo considerando a variedade de seus protagonistas (sejam o Estado, a Igreja, o Estado ou as organizações não-governamentais), algo que possibilita uma identificação comum, já que se trata, em todos os casos, de uma ação de origem urbana iniciada com os europeus no século XVI, conduzida pela Igreja até o século XVII, e levada adiante por sertanistas e bandeirantes a partir deste século XVII. Cada uma dessas ações tinha objetivos de conquista, seja a “devassa” dos sertões promovidas pelos bandeirantes em busca de riquezas e escravos indígenas, seja a conquista das almas empreendida pela Igreja, que redundaria na conquista territorial. Apenas no século XX viria a ser conhecido pelo nome de indigenismo.

A categoria básica de compreensão da territorialidade indígena é a mobilidade. Na maioria dos casos conhecidos – e particularmente entre os Jê – a fixidez foi imposta a partir da colonização. Documento histórico de grande importância a este respeito, no Plano de Colonização elaborado pelo padre português Manoel da Nóbrega em 1558 pode-se ler:

Devia de haver um protetor dos índios para os fazer castigar, quando houvesse mister, e defender dos agravos que lhes fizesse. Este devia ser bem salariado, escolhido pelos padres e aprovado pelo Governador. (…) A lei que lhes hão de dar é defender-lhes de comer carne humana e guerrear sem licença do governador, fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois tem muito algodão, ao menos depois de cristãos, tirar-lhes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos, fazê-los viver quietos sem se mudarem para outra parte, se não for para entre cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem e com esses padres da Companhia para os doutrinar. (Padre Manuel da Nóbrega apudRibeiro, 2006, p.46, grifo nosso)

Analisando o documento que considera ser o “fundador” do indigenismo brasileiro, Darcy Ribeiro observa: “em sua eloqüência espantosa, um dos argumentos de que lança mão é a alegação da necessidade de pôr termo à antropofagia, que só cessará, diz ele, pondo fim ‘à boca infernal de comer a tantos cristãos’” (Ribeiro, 2006, p.47).  Igualmente expressivo, segundo o autor é a conveniência de “escravizar logo aos índios todos para não que não sejam escravizados ilegalmente, pelos bandeirantes” (Ribeiro, op. cit., p.48).

Fazemos, entretanto, uma incursão apenas superficial sobre este tema, ao qual reconhecemos tão grande importância. Há, contudo, inúmeros estudos mais detalhados dedicados exclusivamente ao tema, tais quais Ramos (1990a, 1990b e 1998), Baines (1999), Pacheco de Oliveira (1988, 1998 e 2006) e Souza Lima & Pacheco de Oliveira (1990), dentre outros. Entretanto, por sua pertinência para a Geografia, nos reportamos a estes estudos e particularmente à proposta de Pacheco de Oliveira, que funda uma  nova percepção desta prática profissional pseudo-heróica, segundo o viés romântico que prevalece no senso comum. Da proposta de Pacheco de Oliveira podemos explorar, principalmente, sua aproximação à proposta apresentada em Geografia por M. Santos em diferentes obras, tais quais “O trabalho do geógrafo no terceiro mundo” (2009), “Metamorfoses do espaço habitado” (1989) e, mais recentemente, em “O Brasil: sociedade e território no século XXI” (2001, em  co-autoria com a geógrafa argentina María Laura Silveira).

Escala Descrição, tipo de relações Exemplo Continuidade Ruptura, indício de territorialização
Habitação Escala doméstica, relações do tipo familiar Casa, maloca Casamentos preferenciais entre primos cruzados, unidade familiar ancestral Padrão arquitetônico, material construtivo, equipamentos eletrônicos (TV, som, etc), planta (imposição do lote retangular)
Aldeia, assentamento Escala “urbana”, comunidade

(gesselchasft)Aldeia circular Jê xinguana, aldeia linear Karajá (Rio Araguaia, Ilha do Bananal), assentamento indígena (Kaingáng) em torno do Posto IndígenaSítio escolhido (áreas de platô no caso Kaingáng; beira de rio, na Ilha do Bananal; áreas de cerrado ou campo aberto a média distância dos rios entre os Kayapó, Xavante Krahô e Bororo) organização por caciques, formato circular (nos casos existentes)Organização em torno do Posto Indígena, Posto de Saúde e da escola, impossibilidade de retorno a sítios antigos, devido à colonização por não-índios, conflitos pela demarcação de terras indígenasTerra IndígenaEscala territorial, produção agrícola, alimentação, caça e pescaTerra Indígena Kayapó, PA; Parque Indígena do Xingu, MT.Duração efêmera das aldeias, cultivos em áreas de capoeira, caça e pesca comunitária para atividades rituaisUso “produtivo” do solo (segundo padrões não indígenas), desmatamento, garimpo, abertura de estradas, pesca ilegal

Tabela 1: Escalas de abordagem da organização espacial dos assentamentos indígenas brasileiros.

Nestes livros M. Santos propõe uma interpretação geográfica do Brasil desde os processos de avanço do meio técnico sobre o meio natural, ou mais especificamente, propõe como tarefa do geógrafo o esforço de periodização do território desde o avanço dos “sistemas de engenharia” sobre o território, que representam uma tecnificação sobre meios até então dominados por sociedades sem indústria, o que é particularmente notável em seus livros de 2009 e 2001. É efetivamente esta abordagem que o aproxima da antropologia de João Pacheco de Oliveira, já que este autor, segundo uma proposta que poderíamos chamara de antropologia “juralista”, já que trata de uma antropologia voltada para a análise das formas através da qual instituição indigenista – primeiro o SPI e depois a FUNAI – se estabelecem e se legitimam junto às sociedades indígenas. Segundo sua análise, o indigenismo se utiliza do discurso salvacionista, para, em seguida, estabelecer o controle estatal sobre amplas áreas dominadas por estes povos, que demarcadas, passam ao controle do Estado, que o exerce por meio da FUNAI, ao que chama de processo de territorialização, lançado mão de um termo do interesse, sobretudo, da geografia.

Ora, esta análise se inicia ainda na década 1960, com Roberto Cardoso de Oliveira, que em artigo de 1968 apresenta um artigo com provocativo o título “Indigenismo ou colonização?”, no qual relaciona a lógica indigenista à lógica de grandes fazendas, cujo papel de gerente ou capataz é exercido pelo Chefe do Posto. Cardoso de Oliveira aponta a insuficiência dos aportes de recursos federais, bem como o esforço para um uso “produtivo” das terras indígenas (TIs), tendo em vista as críticas até hoje recorrentes de que estas são alvo. Assim, tentou-se nas TIs todo tipo de uso, por assim dizer, branco da terra, ou seja, voltado para a produção de castanhas, madeiras, dos recursos em geral, e no caso Kaingáng, que estudamos, de soja, trigo, milho, Pinhão, etc. O desinteresse dos indígenas por este modelo produtivo (exótico, ressalte-se) reitera o preconceito com que estes eram tratados pelos próprios indigenistas e pelos regionais em geral.

São os indícios de que, mais do que “proteção” aos índios, trata-se, sobretudo, de territorialização. Verifica-se que impele-se aos índios novas formas de organização espacial, seja na escala da aldeia, seja na escala do território, na qual o elemento não-indígena (o “branco”[3]) passa a ser predominante, compelindo aos índios des-territorializações e re-territorializações sucessivas, em diferentes condições sócio-espaciais, conforme previu Haesbaert, 2010 (p. 306).

A descrição dos espaços indígenas nas escalas doméstica, “urbana”[4] e territorial nos possibilita um testemunho destas condições e revelam a forma adaptativa possível aos indígenas para a estruturação de suas práticas sociais. Pode ainda ser reveladora de sua(s) territorialidade(s). Segundo Cristina Sá (1982):

As variações existentes entre uma sociedade indígena para outra, ou em momentos diferentes de uma mesma sociedade não podem ser atribuídos apenas à diversidade de fatores condicionantes, tais como os ambientais, tecnológicos, funcionais ou econômicos; ainda que esses fatores possam ter muitas vezes um caráter restritivo, a adoção de um determinado padrão de habitação implica sempre uma escolha entre inúmeras possibilidades, levando em consideração uma série de variáveis que não estão restritos apenas à ordem material da existência, e tendo por base a importância desse padrão com todo o contexto sócio-cultural no qual se insere. (SÁ, 1982, p. 3)

Consideradas as diferenças entre as sociedades indígenas e não-indígenas, poderíamos desde o espaço produzido, identificar o grau de “aculturação” destas sociedades, se assim desejássemos. Todavia, é ainda pertinente, nos dias atuais, falar em aculturação? Ou seria mais adequado aludir à resistência dos povos indígenas, o surgimento de lideranças expressivas como Marcos Terena, Airton Krenak, Raoni e Paiakan, que com grande mérito e articulação política conduziram à mudança no paradigma da sociedade brasileira, expressa na Constituição Federal de 1988 e outros documentos e convenções internacionais ratificados por nosso país, principalmente a Convenção 169 da OIT[5]? Estes documentos nos obrigam a modificar este tipo de abordagem deslegitimadora e re-considerar o papel dos povos indígenas em nossa história, repensando o papel destes povos na formação do ethos nacional, algo até agora completamente desprezado pela Geografia, senão pela antropologia (já que um Darcy Ribeiro, o único antropólogo a reconhecer o papel dos índios na formação da identidade nacional, continua deslegitimado por seus pares). Somos conduzidos ainda a considerar os índios como protagonistas de suas histórias e justas partes em nossas políticas e projetos de desenvolvimento, incluindo-se aí o desenvolvimento urbano, econômico e cultural (Davis, 2006). Somos levados a perceber sua presença nas cidades, situadas em antigos sítios indígenas, bem como a observar a presença maciça da matriz indígena na formação demográfica de inúmeras cidades amazônicas, do Centro-Oeste e do Nordeste, se não nas cidades do sul e sudeste, mascarados, muitas vezes baixo o signo de “pardos”, que representa, para fins censitários, a continuidade da política de branqueamento da população brasileira, negando assim aos indígenas o direito de auto-afirmação, que finalmente passou a ser considerado, já no século XXI.

Ademais, torna-se impertinente falar em “aculturação”, ao se verificar que apesar do predomínio da língua portuguesa, o país chega ao século XXI com uma das maiores diversidades lingüísticas e culturais do planeta, com mais de 180 línguas indígenas, faladas por cerca de 230 povos; e entre 15 a 30 de outras origens[6] (dentre as quais européias, africanas e asiáticas), que resistiram como puderam ao violento processo de colonização (Rodrigues, 2002). No atual contexto político (democrático), toda esta diversidade passa a ser considerada como patrimônio, e com este trabalho pretendemos mais que diagnosticar o “grau de aculturação” destas sociedades, revelar características de sua organização espacial, as influências que tem recebido da sociedade não-indígena e os mecanismos pelos quais estas se inscrevem nos seus contextos sócio-culturais e territoriais. Fica viabilizado assim o estudo das rupturas e continuidades na organização sócio-espacial destas sociedades.

Contudo, alguns cuidados de ordem metodológica se impõem para que possamos analisar devidamente as características das diferentes organizações espaciais indígenas (incluindo-se a dos Kaingáng). O primeiro deles é a necessidade de distinção entre questão indígena e indigenismo, por ser o mais importante deles; segundo, a de conhecermos melhor as diferenças entre as muitas sociedades indígenas e suas formas de organização ancestral[7], o que faremos tendo como subsídio principal os diferentes estudos existentes sobre o tema, em especial os realizados por Sá (1979, 1980, e 1982), Costa & Malhano (1987a e 1987b), além dos estudos de pioneiros Baldus (1943) e Harbenger (2005) e dos estudos etno-históricos e arqueológicos.

Questão indígena e indigenismo

Comecemos por distinguir dois atores chaves, que muitas vezes atuam juntos, mas que possuem origens e não raro, interesses distintos: os índios e os indigenistas. Quando chegaram ao Brasil, consta que os navegadores portugueses acharam ter chegado à Índia, motivo pelo qual chamaram índios aos nativos das terras onde ancoraram. Os povos indígenas, porém, não correspondiam – nem correspondem – a um único povo a que se possa ser assim chamado. Ao contrário, mesmo após cinco séculos de ocupação, os quais resultaram em drástica redução da população indígena – de cerca de cinco milhões, segundo estimativas de Darcy Ribeiro (1995) –, para pouco mais de 700 mil indivíduos, conforme estimativas atuais, dos quais cerca de 300 mil vivem em cidades.

Sociedades Indígenas

Os povos indígenas correspondem a muitas nações ou sociedades[8] – cerca de 230 – e a forma mais aceita para classificá-las é o parentesco lingüístico que possuem entre si. São identificados, portanto, a partir do tronco, da família e grupo lingüístico a que pertencem; ou, nos casos isolados, por não pertencerem a nenhum deles.

Sobre o critério lingüístico, segundo Aryon Rodrigues, “na medida em que reconhecem origem comum para um conjunto de línguas, os lingüistas constituem uma família lingüística” (Rodrigues, 2002, p. 19). Um tronco, família ou grupo lingüístico constitui um conjunto de línguas para os quais se supõe uma origem comum: as línguas assemelhadas representam variações no tempo e no espaço de uma mesma língua ancestral, que se acredita ser a origem comum destas.

Assim como as línguas, muitos povos indígenas foram destruídos completamente através do processo de colonização e territorialização do Brasil, dos quais temos apenas vestígios, relatos históricos. Decorrente deste processo, as sociedades indígenas – mesmo aquelas que resistiram – foram bastante alteradas em seus modos de vida e mesmo em suas cosmologias, vez que novos valores sócio-culturais são inseridos às suas visões de mundo, representados seja através da assimilação de uma língua nova, no caso o português, através dos quais se concretizam as relações políticas entre os índios e o Estado brasileiro; seja através da assimilação de outras práticas “de branco”, como as roças mecanizadas, a escola, etc.

Em outro momento, havendo oportunidade e pertinência, adentraremos um pouco mais na questão referente à imagem do índio na sociedade nacional, apresentando as ambigüidades nas quais se encontra exposta (Ramos, 1998). Aqui, porém, limitar-se-á às questões referentes às formas tradicionais de uso do território, em especial aquelas responsáveis pela conformação do espaço das aldeias indígenas. A partir de estudos arqueológicos, históricos e antropológicos é possível distinguir práticas de conformação espacial às quais podemos associar à cosmologia indígena, por um lado; e por outro, aquelas que evidenciam o processo de assimilação dos valores não indígenas, “brancos”; e por fim, outras formas devidas diretamente à ação indigenista, conforme descrevemos no item que segue.

Indigenismo

Os primeiros estudos sobre os povos indígenas foram produzidos por viajantes e cronistas, durante todo o período colonial. Com a organização disciplinar da ciência ocidental, legada pelo racionalismo europeu dos séculos XVIII e XIX, estes estudos continuaram sendo realizados principalmente por antropólogos, a quem coube quase exclusivamente o estudo das questões indígenas, na carência de interesse de outras disciplinas. Atualmente esta tradição se mantém e são muitos estudos sobre a questão indígena no Brasil, sendo as principais contribuições aquelas trazidas por estes profissionais, especialmente os etnógrafos. Já o interesse dos linguistas se volta principalmente à grande demanda de estudos sobre o imenso patrimônio linguístico, ainda por ser estudado.

O indigenismo, neste contexto, deve ser dissociado dos estudos acima mencionados, já que, não tem uma preocupação científica, se não que do interesse administrativo do Estado, daí o descrevermos como ação ou prática. Todavia, sem a colaboração do conhecimento antropológico e da lingüística não se realizaria. Corresponde a uma ação que, como toda prática do Estado territorial moderno, se legitima lançando mão do conhecimento científico. Circula entre a prática administrativa e a disciplina científica.

Segundo Schiavini (2006) o termo “indigenismo” teria sido cunhado pela primeira vez no México, na década de 1940, quando da fundação da Sociedade Interamericana de Indigenismo. Se de fato procede esta informação, é importante não dissociá-la dos antecedentes indigenistas que perduram na história do Brasil, orientado pelo interesse da Coroa portuguesa, inicialmente; e alguns séculos depois, pelo Estado brasileiro. Segundo Aguero:

Não é por acaso, então, que o antropólogo mexicano Bonfil Batalla, ponha em dúvida a democracia que é elaborada pelos governos pós-ditadura da América Latina e dirá que tal democracia deve ser submetida a uma “crítica de razão índia”, já que a democracia atual representa a continuação do modelo colonial” (AGUERO in MANA, 2002, p.261)[9]

Na leitura que aqui se procede, portanto, optamos pela compreensão do indigenismo considerando seus antecedentes coloniais. Para fins do que se pretende com este trabalho, compreenderemos por indigenismo a ação a partir da qual se processa a assimilação dos valores não-índios entre os povos e nações indígenas. Tal ação se inicia com a chegada dos europeus, o que nos possibilitaria afirmar que Álvares Cabral e Cristovão Colombo teriam sido os primeiros indigenistas, por um lado. Não seria incoerente afirmá-lo, porém, para fins práticos e mesmo pelos objetivos de suas empreitadas, é mais correto afirmar que a origem do indigenismo encontra-se sertanismo, cuja prática era destacada já no início do século XVII, capitaneada pelos bandeirantes paulistas e perdurando até pelo menos o século XIX[10].

Embora este termo tenha sido legado do indigenismo mexicano, ele foi amplamente aceito no Brasil, tanto pelo Estado quanto por antropólogos e outros profissionais que o utilizam francamente em seus estudos. Porém, em nosso país, por suas especificidades, defendo que não seja possível cunhar ou analisar o termo sem fazer menção à compreensão histórica do que tem sido o indigenismo, que, diante do exposto acima, se manifesta como continuidade de uma ação colonial, criada e financiada pelo colonizador, tendo sido o mecanismo através do qual se construiu as alianças que possibilitaram aos portugueses e depois aos brasileiros assegurar a ocupação e em seguida a expansão do território nacional, para que foi imprescindível. As formas como esta ação se deu na história, são, contudo, bastante delicadas e questionáveis, se analisarmos o grande prejuízo demográfico e cultural que trouxe a estes povos.

Num primeiro momento, o indigenismo se fez pela guerra de extermínio[11]; num segundo, pela escravização dos índios para que participassem das bandeiras paulistas, enquanto elementos de inteligência militar, considerada sua condição estratégica de conhecedora do território, extremamente útil aos bandeirantes; num terceiro, no limiar da república e do século XX, a política indigenista foi no sentido do “amansamento” e “integração” dos índios à comunhão nacional e à economia de mercado, na condição de trabalhadores. Tendo por expoente máximo o Marechal Cândido Rondon, a apropriação dos índios na frente de atração de outros índios persistiu até os anos 1970 e ainda hoje[12].

O século XX, especificamente suas últimas décadas, marca uma profunda mudança no que diz respeito ao reconhecimento dos direitos indígenas, estabelecendo novos paradigmas, com a Constituição de 1988, a qual reconhece a organização social indígena e o respeito a “suas terras, costumes e tradições” (Art. 231). Todavia, mesmo com estes pressupostos, os valores do SPILTN persistem no indigenismo brasileiro, e apesar da Constituição, persiste o Estatuto do Índio legado pelo período militar, bem como diversas leis preconceituosas e a tutela, devida à FUNAI.

Os primeiros estudos realizados no Brasil cunhando o termo indigenismo são devidos ao etnógrafo alemão Curt Nimuendaju, na primeira metade do século XX, de grande importância para o conhecimento dos povos indígenas brasileiros. O indigenismo de Nimuendaju, embora tenha prestado inúmeros serviços ao Estado, aproxima-se mais da atividade dos cronistas de períodos anteriores que da ação prática estatal, cujo símbolo principal é o Posto, onde certamente, fazia apenas parada. Realizou estudos sobre diferentes povos indígenas por onde andou, dentre os quais, estudos sobre os Kaingáng e Guarani, Xerente, Apinajés (Timbira) e Tukanos, principalmente além de ter elaborado mapa etno-histórico e linguístico que ainda hoje nos serve referência de sobre a distribuição étnica dos indígenas, publicado pelo IBGE em 1942. Deixou  muitas publicações, algumas delas escritas em português, muitas outras em alemão e inglês, além de ter realizado efetivo trabalho indigenista, sendo responsável pelo contato junto aos Parintintins do Amazonas e confirmando a presença dos Kaingáng em São Paulo, já no século XX.

Neste trabalho, optamos por considerar o indigenismo desde uma perspectiva crítica, e os principais estudos que nos servem de base para isso são aqueles realizados por Roberto Cardoso de Oliveira (entre os anos de 1960 a 1980), e que se atualiza nos anos 1980 e 1990, na obra de outros importantes antropólogos, como Antônio Carlos de Souza Lima e João Pacheco de Oliveira.

O termo indigenista pode ser estendido ao conjunto de práticas realizadas por outras representações que não do Estado. A ação de missionários, principalmente os Jesuítas católicos, não deve ser relegada, pois que teve impacto na organização espacial dos indígenas, através das reduções. Outras organizações não-governamentais geralmente atuam no sentido de ajudar na mobilização dos indígenas para a garantia de seus direitos, o que é visto sempre como “ameaça à soberania nacional”, no discurso das elites nacionais. Ambiguamente, muitas instituições ditas não-governamentais são contratadas pelo Estado para prestar serviços de básicos de governo. Não entraremos neste mérito aqui. Por questões objetivas, nosso interesse se volta exclusivamente ao indigenismo realizado diretamente por agentes do Estado.

O principal órgão do indigenismo de Estado atualmente é a FUNAI, que até por volta da década de 1990 era a responsável exclusiva pela execução da política indigenista. Atualmente, porém, a FUNAI perdeu a exclusividade no trato a esta questão, cabendo-lhe a coordenação das mesmas, além de tradicionais atribuições, como a demarcação das terras indígenas, a proteção e fiscalização das mesmas, além da resolução de conflitos internos às terras ou entre índios e vizinhos, e outras atividades assistenciais, como apoio a projetos de “desenvolvimento”[13] e fomento às atividade culturais. As questões de saúde são atualmente tratadas pela Funasa (Ministério da Saúde) e a educação indígena está sob responsabilidade dos municípios e estados. A FUNAI, possuindo coordenações responsáveis por isto, apenas acompanha e orienta (quando possível) as políticas desenvolvidas por estes agentes.

Do processo de Territorialização: À guisa de Conceituação

Segundo uma corrente de antropólogos do Museu Nacional, cujo expoente é o professor João Pacheco de Oliveira o indigenismo deve ser considerado principalmente como uma política que visa aos objetivos do Estado em dispor dos recursos territoriais das Terras Indígenas, e para isso, lança mão de “práticas, rotinas e saberes coloniais”, mesmo no contexto contemporâneo, no qual a mudança de paradigma da ação indigenista lhe supõe uma posição retrógrada.

Segundo acentua, a atuação indigenista, da parte do Estado, tem sido marcada até os dias atuais prima pela imposição de novas formas de organização social e a inserção de valores culturais aos índios, como o trabalho e a lógica de organização capitalista, a qual, em poucos casos logrou o êxito desejado, deixando como mazela esquemas paternalistas. Estes antropólogos aprofundam as idéias antes defendidas por Roberto Cardoso de Oliveira, desde os anos 1960, de quem foi aluno, no Museu Nacional.

Cardoso de Oliveira em seus textos realizou importante descrição do funcionamento das terras indígenas demarcadas pelo Governo para os índios, demonstrando como o papel do Posto, já desde o SPILTN, acabava sendo o de “atração” dos índios, num primeiro momento; e num segundo, o de gestão das riquezas produzidas nas Terras Indígenas. Era comum que o Governo Central estimulasse o “aproveitamento” das terras indígenas, o que se dava de diferentes formas de acordo com a região e povo em questão. O caso Kaingáng é exemplar, já que corresponde às terras onde os mais ousados projetos ligados à exploração madeireira se instalaram, com o que se liberaram imensas áreas de planalto para a expansão agrícola que se seguiu, além de fornecer matéria-prima para a construção civil da maioria das cidades próximas, colonizadas por imigrantes europeus. Ligada a este papel de “proteção”, destaca-se a grande importância que tiveram os índios na efetivação de fronteiras.

A rejeição dos índios ao sistema colonial significa não apenas a defesa de suas terras, mas de seus costumes, de seugênero ou modo de vida, que seria a manifestação típica de uma sociedade no espaço, dadas as condições apresentadas por Sá, anteriormente citadas. Essa noção da geografia clássica, todavia, para ser melhor compreendida sugere um território e uma territorialidade (Haesbaert, 2004, 2007 e 2010) compreende bem mais que o território, pois inclui todas as formas humanas de apropriação do espaço, incluindo as formas econômicas e rituais, além das possibilidades cotidianas e sazonais, e de que modo o espaço lhes torna possível sua realização, a limitação dos deslocamentos, das visitas a parentes e amigos, etc.

As diferentes formas de territorialidade expressam os valores diferenciados de tempo e espaço dos diferentes povos e estes, podem adaptam-se às condições ambientais de seus territórios, não significando, contudo, que uma manifestação territorial seja determinada pelo ambiente, o que seria inclusive impróprio, em se tratando de povos “nômades”. Todavia, é admissível que esta característica se manifeste em determinado território, como ocorre com os Kaingáng no planalto meridional, ou com os outros Jê no Brasil central.

 Até certo ponto, a forma de organização espacial dos indígenas pode ser compreendida como “racional”, já que lançam mão de matérias primas locais e recursos locais e são adaptadas às condições do ambiente onde se instalam, segundo a proposição arquitetônica de Reis (Reis, 1967, p. 36). Segundo a mesma proposta, as edificações introduzidas no Brasil pelos portugueses e as adaptações que sucederam correspondem a arquiteturas de “determinação formal”, ou seja, arquiteturas que se impõem sobre as condições ambientais, determinando-lhes (Reis, 1967; Argan, 1986). A característica principal desta determinação no caso da territorialização brasileira é o lote, principal diferença entre os padrões de ocupação espacial indígena e não-indígena, cuja influência sobre o padrão de habitação no Brasil se observa no formato das plantas das residências, com predominância em formatos retangulares (ver tabela1).

Observa-se a introdução deste padrão mesmo em aldeias com formato circular e semi-circular, principalmente nas sedes e estruturas dos postos indígenas, edificados pelos indigenistas para apoiarem suas atividades. Em outros casos, onde as aldeias não obedecem a nenhum padrão específico, não raro se observa a formação de assentamentos ao redor das sedes dos postos, já que devido às políticas assistencialistas e aos rendimentos auferidos pelas atividades produtivas exercidas sob comando seu comando o posto passa a atuar no provimento de alimentos para as comunidades. E juntamente com a implantação da planta, materiais e tecnologia construtiva são trazidas para as aldeias, tais quais telhas e tijolos. Nestes casos, assimilando novos padrões arquitetônicos os índios perdem também a autonomia dos seus processos construtivos, dependendo de auxílios de governos e da FUNAI para a construção de suas moradias.

Desde as primeiras cidades fundadas pelos portugueses no século XVI esta determinação implicaria em arquiteturas com plantas quadradas e retangulares. Segundo Reis a determinação do lote foi também a base do desenvolvimento urbano no Brasil, e gerou uma arquitetura que se expandiria até mesmo nas edificações de sítios, chácaras e fazendas, situadas a poucos quilômetros dos núcleos urbanos, nas quais já o lote não lhe era limitante (Reis, 1967; Reis, 2006). Algo semelhante ocorrerá nas terras indígenas[14].

Entre os indígenas são muitos os modelos de organização espacial, sendo três os seus tipos mais conhecidos (ver tabela 2). O mais representativo destes é, sem dúvida, a aldeia de padrão circular, que se encontra no Alto Xingu e em diversos grupos Jê. As edificações lançam mão de matérias-primas disponíveis no território, possuindo por isso, tecnologias que muitas vezes são conhecidas não apenas de grupos específicos, mas entre grupos distintos que habitam um território com características comuns.

A classificação dos assentamentos (aldeias), na escala territorial, na escala das habitações e na escala da aldeia (urbana), é estabelecida de acordo critérios de organização social de cada grupo específico. A identificação de traços diferenciados a estes correspondem às assimilações que podemos verificar ao visitarmos diferentes comunidades indígenas[15].


Tipologia
Linear na beira do rio Circular / Semi-circular (com ou sem casa dos homens) Ribeirinha, disforme na beira dos rios Irregular, não obedecendo a qualquer padrão ou situadas em função do PIN
Localização / delimitação étnica Karajá, Javaés, Ilha do Bananal Alto xinguana, Krahô, Bororo, Xavante, Kayapó (Jê) Populações amazônicas em geral: Pirahã, Mundurucu, Turá, Parintintin, etc. Kaingáng, Guarany Mbyá

Tabela 2: Principais tipos de aldeias conhecidas no Brasil (Fontes: Baldus, 1943, Sá, 1981; Costa & Malhano, 1987).

Lógica dos Postos

Diversos povos que nunca aceitaram a utilização de suas terras para fins de agricultura comercial, ou, muito menos, para a exploração mineral. Ainda hoje muitos deles se colocam contra a construção de estradas ou de usinas hidrelétricas. É freqüente, no caso dos territórios maiores e mais distantes como o Xingu, reclamações com relação ao uso do espaço aéreo, principalmente com relação à circulação de aviões monomotores, muito comuns na Amazônia. Receiam os indígenas novas invasões de seus territórios, não tendo mais para onde recuar.

Em outros casos, todavia, este processo foi intenso, e resultou num modelo de uso das terras muito similar a uma fazenda, sem maiores distinções das áreas vizinhas, cuja função de capataz cabia ao chefe de posto, na maioria dos casos, arregimentado junto aos sertanejos regionais, sem qualquer preocupação com a necessidade de compreensão da diferença indígena frente à sociedade nacional, mas dispostos a fazer valer ali o valor do trabalho (Cardoso de Oliveira, 1967). Até os dias atuais resiste à forma do Posto Indígena, que caso a caso funciona ora como Posto de Atração (como no caso dos postos de índios isolados, na Amazônia); em outros como Postos de Proteção e Vigilância, também muito comum na Amazônia e outras onde índios conscientizados de seus direitos exigem e atuam neste sentido; e ainda como Postos com vieses comerciais, conforme descrito acima. Foi o que ocorreu principalmente nas terras indígenas do sul do país, nas áreas de domínio Kaingáng, onde não apenas a exploração madeireira foi intensa, como ainda os processos de arrendamento e parcerias de terras para fins agrícolas, principalmente cultivos extensivos de soja, trigo, milho e sorgo.

Acredita-se que isto se deve ao fato de até os dias atuais serem freqüentes os questionamentos com relação ao tamanho das terras indígenas, principalmente na região sul do país, onde habitam os Kaingáng, já que sendo região de colônia, foi onde mais intensamente se utilizou o solo agrícola.

“Ceder” a terra, principal apelo dos índios, foi, em muitos casos, uma medida indigenista necessária para mantê-los afastados de outras. Assim, mesmo antes do SPILTN, já existiam registros de terras reservadas aos índios, ainda que por diferentes esferas e em diferentes contextos. Com o SPILTN isto se consolida e inúmeras terras indígenas são demarcadas, na forma de reservas. A mais famosa delas é o Parque do Xingu, criada pelos irmãos Villas-Boas em 1961, no governo Jânio Quadros, ainda em tempos de SPI. Com a falência do SPILTN e surgimento da FUNAI, em 1967, persiste a demarcações, porém, o que se verifica é a continuidade do uso das terras indígenas para benefício do Posto e da FUNAI, em detrimento dos usos tradicionais dos indígenas. Para Roberto Cardoso de Oliveira, no sistema das terras indígenas, principalmente com a presença do Posto, se evidenciam duas economias paralelas: a economia dos índios e a economia do posto.

A economia indígena encontra-se totalmente ou vinculada às formas de organização ancestral[16], mobilizada principalmente em função da festa, como elemento lúdico, ritual articulada à roça; e à caça, à pesca e ao artesanato, como elementos concretos, materiais; ou, em outros casos, repercutem já a influência do contato, e estão representadas pela própria força de trabalho indígena, empregada em fazendas vizinhas ou na confecção de artesanatos e pequenas iniciativas comerciais no interior das aldeias. A economia do posto, por sua vez, é representada pelas iniciativas de projeto desenvolvidas com ou com o apoio da FUNAI no interior das terras indígenas. Em sua maioria estão representadas por cultivos ou lavouras “de branco”, como o milho, o trigo, a soja e exploração mineral e madeireira. Os recursos são destinados à “Renda Indígena”, conta de caráter público, gerenciada pela FUNAI com limitada tradição de transparência.

Segundo Cardoso de Oliveira, dificilmente esta arrecadação volta integralmente aos postos de origem. E sua justificativa deve-se ao fato de os próprios postos funcionarem de maneira precária, recebendo parcos recursos da administração central, necessitando por isso “gerar” sua própria renda para com isso garantir condições mínimas de funcionamento. Este tem sido o argumento principal em defesa da economia dos postos. No entanto, segundo esta lógica, as terras indígenas tem sido administradas à semelhança de grandes fazendas e o posto tem atuado como escritório das mesmas, principalmente no caso das terras indígenas Kaingáng, onde a política de “desenvolvimento” dos índios e das terras indígenas foi posta em prática como em poucos lugares do Brasil, resultando em usos do solo agrícola similares aos encontrados fora dos limites das terras, com suas paisagens marcadas por tratores, galpões e monoculturas. Por sua vez, a grande maioria dos postos, no contexto de uma política deliberada de integração e desenvolvimento das terras, possuem por chefes técnicos de origem regional, com formação principalmente em Agricultura (técnicos agrícolas e agrônomos).

Os cultivos verificados são os mesmo praticados fora das áreas, com técnicas e cultivos semelhantes. Neste contexto, a própria organização espacial das aldeias é dada em função da lógica de funcionamento dos postos, em torno do qual vão se formando as habitações, já com uso de materiais e tecnologias trazidas de fora. Segundo Simões (Simões, 1989, p. 52), em estudo sobre a organização espacial dos Kaingáng da Reserva Apucaraninha, no Paraná, os índios que desejam maior autonomia em relação ao posto acabam optando por formarem suas moradias em locais mais distantes do posto, numa situação marginal.

O processo de “territorialização” a que se refere Pacheco de Oliveira constitui-se das múltiplas formas através das quais o Estado permeia as organizações econômica, política e social dos indígenas, através da sua incorporação dependente à “comunhão nacional”, ao mesmo tempo em que seus territórios vão sendo utilizados não de acordo com o “usufruto exclusivo”, conforme defende a constituição, mas ao contrário, enquanto recursos territoriais para uso e interesse do Estado (Raffestin, 1992).

A organização espacial das aldeias, cada vez mais revelando características não-indígenas e materiais, revela a assimilação de novos valores e necessidades, ao mesmo tempo em que não desaparecem completamente as características da organização ancestral. Em suma, a mudança na organização espacial das aldeias diante do contexto de mudança sócio-cultural que segue, pode ser compreendida como uma das mais relevantes expressões do êxito da política indigenista ou processo do processo de colonização/territorialização, compreendidos à luz das idéias propostas por Roberto Cardoso de Oliveira (1967) e João Pacheco de Oliveira (1996).

Crise ambiental e territorialização: do índio romantizado aos problemas territoriais

Um outro ponto bastante delicado que põe diz respeito ao processo de territorialização é o cenário de crise ambiental, verificado nas últimas décadas d século XX. A partir dos anos 1970, principalmente, a imagem do índio passou a ser diretamente relacionada à preservação ambiental, tendo inclusive a propriedade coletiva da Terra Indígena influenciado o movimento de seringueiros e ribeirinhos. Entretanto, esta idéia está pautada numa imagem ambientalista atribuída ao indígena, que não necessariamente se confirma. Bastante complexa, pauta-se no determinismo de que, uma vez destruído o meio ambiente, com ele seria destruído também o indígena, quando vários grupos já se re-territorializaram em condições ambientais bastante diferentes de seus territórios originários, vide os próprios Kaingáng, oriundos do cerrado ao norte do Tietê e hoje habitantes do planalto meridional, numa zona fria ao sul deste mesmo rio (Beber, 2004; Zuch-Dias, 2004), ou os próprios Kayapó, procedentes da mesma região de cerrado e hoje habitantes da bacia do Xingu, na floresta úmida.

Não obstante, acreditamos que a “preservação” ambiental verificada nas terras indígenas, principalmente da Amazônia, que motivam a simpatia de ambientalistas do mundo inteiro, se deve não a um “preservacionismo orgânico”, como se supõe, mas às limitações tecnológicas enfrentadas por estes grupos no que diz respeito à transformação de suas paisagens, daí podermos classificá-los, muito mais por serem não possuidores de indústria, de sociedades de “lenta transformação”, ao contrário das sociedades industriais, marcadas pela transformação acelerada de seus espaços e paisagens. Isto não significa, contudo, supor que os indígenas não constituem sociedades “ambientalistas”, já que possuem amplo conhecimento dos ambientes os quais vivem. Significa apenas a necessidade de aprofundar a visão sobre estes povos para viabilizar os casos nos quais os indígenas, dada sua situação de vulnerabilidade econômica e sócio-cultural, se vêem induzidos ao uso predatório dos recursos naturais existentes em seus territórios, tais quais os casos em que suas áreas são tomadas por garimpos, desmatamentos ou pesca ilegal, não raro com o envolvimento de indígenas. Nestes casos, o índio envolvido é criminalizado pelo Estado, muitas vezes devido ao fato de não adotar uma postura de preservação do meio ambiente, de acordo com o que se espera de um índio, índio este idealizado nos grandes, ressalte-se.

Nestes casos, não raro os próprios indigenistas e ambientalistas são os primeiros a retirar-lhes o apoio oferecido, alegando ser muito difícil “defender” o indígena que pratica tais infrações. Fica claro, então, que mais que o índio, estes atores parecem interessar-se pela defesa do meio ambiente, sendo conhecida a histórica, porém rasa associação entre a terra e o índio, muitas vezes internalizada por estes próprios, como se uma coisa correspondesse à outra. Assim, questiona-se no sul o índio Kaingáng que produz soja, milho e sorgo em padrões industriais, ou no Mato Grosso e no Pará, aqueles que adotaram a pecuária como forma de geração de renda, alegando-se preconceituosamente que tais práticas não estão de acordo com suas culturas. Se observarmos os Kaingáng ou quaisquer índios citados, veremos que tais discursos se baseiam num conceito deveras equivocado de “cultura”, vez que em raros casos tais práticas comprometem o estoque ou as práticas culturais indígenas, que mantém seus rituais, suas línguas e, não raro, possuem formas comunitárias de apropriação dos recursos auferidos em tais casos, quando não o utilizam para viabilizar o deslocamento de parentes distantes para a participação de rituais específicos.

Quando o preconceito procede dos agentes indigenistas ele se agrava não somente por que são estes agentes os que lidam diretamente com os índios, mas principalmente pelo fato de que foram os próprios indigenistas que, na maioria dos casos, impuseram aos indígenas a adoção de práticas exploratórias, “produtivas” dos recursos de suas terras conforme os padrões regionais, como no caso dos cultivos e serrarias nas terras Kaingáng, estimuladas pelo SPI ao longo do século XX através dos projetos de desenvolvimento, conforme mea culpa realizada por um ex-presidente militar da FUNAI (Oliveira, 1975), ou ainda, nos casos dos garimpos do Gorotire, na TI Kayapó (PA) ou Presidente Roosevelt, em Rondônia[17]. Igualmente, os casos de desmatamento apresentam contextos semelhantes: indígenas em situação de vulnerabilidade, facilitam a realização da atividade em troca de alimentos ou algum recurso financeiro. Evidentemente, não podemos seguir na analise deste ponto específico, pois fugiríamos demais dos objetivos deste texto.

Nos interessa, neste momento, apenas desmistificar alguns pontos para compreender a mudança do paradigma da territorialização: de Rondon aos Irmãos Villas-Boas, a idéia era integrar o índio e fazer com eles “produzissem”, à semelhança dos regionais, integrando-se assim á economia agrícola nacional. A partir da criação do Parque Indígena do Xingu, já na década de 1960, pelos Villas-Boas, Darcy Ribeiro e Eduardo Galvão, mudou o paradigma, e agora o índio devia ao invés de manter seus valores ancestrais e preservar o meio ambiente. Por fim, hoje prevalecem ambos os valores disseminados no indigenismo, que atribuem ao indigenismo um discurso no mínimo controverso: por um lado, os índios são apontados como responsáveis quando de seus territórios se fazem usos degradantes, em desacordo com o discurso tão proferido de “guardiões da floresta”, preconizado pelo Estado; e, por outro lado, a própria instituição indigenista tem viabilizado politicamente a implantação de inúmeras obras de infra-estrutura que impactarão sobre-medida as TIs, tais quais a Hidrelétrica de Belo Monte no Xingu, ou as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio no Madeira, para citar dois exemplos mais famosos. Depreende-se daí que o Estado criminaliza o índio infrator ambiental, que o faz muitas vezes dada sua condição de vulnerabilidade, atuando na escala da bio-política, para usar a expressão de Foucault; mas viabilizaa degradação em escala industrial, quando estes atores são grande conglomerados ou consórcios de empresas influentes. No indigenismo prevalece, então, os interesses das empresas às quais se associa, como bem demonstra o antropólogo S. Baines (Baines, 1991), para o caso Waimiri-Atroari, onde a Eletronorte, subsidiária da Eletrobras, implantou a fracassada hidrelétrica de Balbina legitimada por meio do indigenismo.

Revisão de Literatura

Até aqui vimos tratamos do indigenismo, considerando-o enquanto processo de ordenamento territorial. Trata-se apenas da introdução ao estudo sobre a forma das aldeias indígenas, para que desejamos chamar a atenção. A partir de agora, descreve-se um cenário dos estudos conhecidos a este respeito. Assinalamos duas perspectivas principais que iremos aprofundar: 1) o debate entre os geógrafos; e 2) os estudos sobre cultura material realizado principalmente por etnógrafos, mas que apresentam importantes contribuições de arquitetos (Newton, 1987). No que diz respeito à perspectiva antropológica, as principais bases de nosso estudo foram apresentadas nos itens anteriores (Pacheco de Oliveira, Roberto Cardoso de Oliveira), e permeiam o estudo. A seguir, descrevo brevemente os principais estudos pesquisados na Geografia e na Arquitetura.

O debate entre os geógrafos

No que tange à sua organização acadêmica moderna[18], a geografia, teve origem comum à antropologia, sendo herdeira dos estudos e relatos de viajantes, cronistas e observadores destacados (naturalistas), sobre terras e povos a serem colonizados ou em devir, como os realizados por Humbold e outros. Enquanto a antropologia centrou-se na compreensão dos povos e culturas, não conseguindo fugir à dialética da cultura com a natureza; a geografia “clássica” (sec. XIX) dedicou-se à descrição dos territórios, cujo agente fundamental é o homem, não conseguindo fugir, igualmente, à dicotomia entre ciência física e humana, que ainda hoje alimenta debates calorosos entre geógrafos (Moreira, 2006).  Em seu desenvolvimento científico, a crença positivista na supremacia técnica e cultural ocidental sobre as culturas ditas de “folk”, a crença do avanço do modo de vida urbano-industrial sobre o rural, fez com que a ciência abandonasse definitivamente os estudos sobre estas comunidades ou similares, hoje ditas “tradicionais”, dentre as quais poderíamos compreender as sociedades indígenas.  E muito embora os estudos sobre os diferentes gênero de vida, “resultado das complexas relações envolvendo um grupo social e a natureza” (Corrêa & Rosendahl, 2003), tenham predominado na ciência desde fins de século XIX, poucos foram os que se ativeram a comunidades indígenas.

Decorrente deste fato, durante quase todo o século XX, os estudos sobre comunidades tradicionais e indígenas produzidos em Geografia durante quase todo o século XX ficaram restritos aqueles produzidos pelo geógrafo estadunidense Carl Ortwin Sauer, que viveu entre o último quartel do século XIX e a década de 60 do século 20, e seus alunos, em Berkeley. Segundo Corrêa & Rosendahl

A geografia saueriana e de seus discípulos esteve calcada no historicismo. Assim havia uma ênfase, apoiada na crença de sua importância, na diversidade cultural; valorizava-se o passado em detrimento do presente, assim como a contigência e a compreensão. Os estudos focalizavam especialmente sociedades tradicionais, pouco reportando-se às sociedades urbano-industriais.  (…)

Segundo Wagner e Mikesell (2000), discípulos de Sauer e organizadores da antologia Readings in Cultural Geography, publicada em 1962, a Escola de Berkeley privilegiou cinco temas principais, a saber: cultura, paisagem cultural, áreas culturais, história da cultura e ecologia cultural. Nestes temas incluíam-se estudos sobre limites, contatos e mudanças culturais, difusão espacial, migrações, língua, religião, dieta alimentar, gênero de vida, nome dos ligares, tipos de casas, habitat rural, domesticação de plantas e animais, sistemas agrícolas, regiões agrícolas, diversidade e unidade regional e impactos ambientais devidos à ação humana. (Corrêa & Rosendahl, 2003, op. cit. p. 10 itálicos do original)

Os estudos de Sauer e da Escola de Berkeley além da grande importância que tiveram, continuam atualmente sendo revisitados por geógrafos de diferentes escolas, constituindo a base da Geografia Cultural, que segundo o mesmo, “se interessa pelas obras humanas que se inscrevem na superfície terrestre e imprimem uma expressão característica” (Sauer) e que – continua – necessita

um método adicional, especificamente histórico, com o qual se utilizam os dados históricos disponíveis, via de regra, diretamente no campo, para a reconstrução das condições anteriores de povoamento, do uso do solo e de comunicação, quer se trate de testemunhos escritos como de testemunhos arqueológicos ou filológicos” (Sauer, op. cit. p. 24)

Os que fogem à geografia cultural saueriana são todos estudos recentes, já não balizados pela crença da superação das culturas “primitivas” pela do civilizado, como mesmo Sauer acreditava. Correspondem, todavia, a estudos que lhes são posteriores, datados do final do século XX e início do século XXI, pautados no protagonismo dos povos e grupos sociais, e na dialética território x territorialidades, como os propostos por Porto-Gonçalves (2002, 2003) ou Haesbaert (2004), e que “emergem” à margem dos estudos da Escola de Berkeley, mas, incorporando a perspectiva dos movimentos sociais como categoria de análise sócio-geográfica (Porto-Gonçalves) ou das territorialidades (Haesbaert). Juntamente com o trabalho de Moreira (2006) sinalizam novas fronteiras para o conhecimento geográfico.

Frutos do trabalho desenvolvido e veiculado por estes autores ao longo dos últimos 20 anos, todos discípulos exemplares da revisão metodológica proposta em 1978 por Milton Santos, em “Por uma nova Geografia”, a questão dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais retorna à geografia, mas ainda com alguma discrição, através dos trabalhos de Bertha Becker (1991), e mais recentemente, em Guerra (2008, estudo sobre os Krahô, e Amparo (2006, estudo sobre os Kaingáng).

Enquanto a primeira, importante geógrafa brasileira, focaliza as papel geopolítico dos índios nas fronteiras do Projeto Calha Norte e sinaliza – antes mesmo da Eco 92 –para o capital cultural representado pelas culturas indígenas no contexto do desenvoolvimento, os dois últimos autores reportam-se a questão do conflito de práticas territoriais entre indígenas e frentes agropastoris (no caso Krahô, em Guerra, 2008) e agrícolas (no caso Kaingáng), sinalizando a dificuldades de vizinhança postas com a realidade do contato e a impossibilidade de recuo dos indígenas, em ambos os casos, diante da inexistência de áreas onde possam fazê-lo.

No caso Kaingáng, verifica-se o quanto estas comunidades são afetadas pelo alto grau de impacto ambiental e pela fragmentação da paisagem ocasionada pelos cultivos industriais de soja, trigo e milho, principalmente (Simões, 1989; Tomasino, 1995; Veiga, 2006). Hoje, todavia, este trabalho nos parece ingênuo, não havendo conflito territorial algum, sendo a maioria das áreas Kaingáng utilizadas para cultivos comerciais, à semelhança do que ocorre nas comunidades vizinhas, de colonos, havendo apenas pequena área de mata, a qual é precária em termos de caça e pesca, elemento fundamental da cultura Kaingáng; sendo o ambiente florestal totalmente degradado e/ou fragmentado nas paisagens do planalto meridional brasileiro, inclusive nas terras indígenas, que como vimos, foram amplamente devassadas por projetos madeireiros.

Estudos de habitação e cultura material

Os estudos com foco na habitação e na organização espacial das aldeias são legados principalmente de antropólogos e arquitetos. De um modo geral podem ser classificados como estudos de “cultura material”, conforme propõe Berta Ribeiro, na Suma Etnológica Brasileira (Vol. I, II, 1987). Na Suma os estudos sobre habitação, organização espacial e tecnologias de manejo agrícola e ambiental, bem como de armas e adereços são reconhecidos como de caráter interdisciplinares, e são encontradas contribuições que vem de diferentes áreas, como a geografia, a semiótica e arqueologia, além dos próprios estudos de antropólogos e arquitetos. O Volume II do Suma, encontra-se importante estudo intitulado habitações indígenas no Brasil, de Costa & Malhano (1987) sobre habitações indígenas brasileiras.

Este estudo, juntamente com a dissertação de mestrado produzida por Cristina Sá (1982) constituem os mais completos estudos sobre organização espacial indígena disponíveis. Enquanto Cristina Sá dedica-se exclusivamente às características de uma aldeia Xavante de São Marcos, surgida em 1958, enquanto os primeiros autores estudaram numerosa bibliografia disponível (incluindo o de Cristina Sá), realizaram incursões de campo, e apresentam um panorama geral das habitações indígenas no Brasil, considerando: 1) forma das habitações; 2) forma das aldeias; 3) a relação entre forma e função.

Segundo Costa & Malhano, citando Max Schmidt

A classificação morfológica apenas (fundamentada só na técnica, matéria-prima e forma de construção) não era bastante esclarecedora. Deveria o pesquisador levar em consideração os modos de ocupar as várias edificações (de uso permanente e temporário); enfim, relacionar forma e função. (Costa & Malhano, 1987a, p. 27)

Porquanto não consigam fugir completamente à crítica que eles próprios realizam, estes autores fornecem a mais completa referência sobre organização espacial das aldeias indígenas de que se tem notícia.

Outros estudos são mencionados pelos autores, como os que foram realizados por Nimuendaju, os realizados por Júlio Cesar Melatti, entre os anos de 1960 a 1980, ou os realizados por Baldus, Schmidt, Maybury Lewis, Laraia, Metraux e Gallois (Costa & Malhano, 1987a). Diferente de Maria Fenelón Costa & Hamilton Malhano, arquitetos, os autores citados eram principalmente antropólogos ou lingüistas, não tendo nem na disposição espacial nem no processo construtivo ou técnico o objeto central de suas pesquisas. Todavia, são os estudos fundamentais para o estudo citado. Os assentamentos se inscrevem no espaço e são ao mesmo tempo representação dos valores sociais que o instituem, é o que acentuam os autores.

Recentemente foi publicado interessante estudo de Klaus Hamberger na Revista de Antropologia do Museu Nacional, no qual se esforça em apresentar uma “teoria espacial” do parentesco, abordando as principais regiões etnográficas do planeta (entre elas o Brasil Central, dos povos Jê, estudados por Levi Strauss na década de 1930).  Hamberger consolida as principais idéias sobre teoria espacial aqui estudados, sob a perspectiva antropológica, e seu texto, pela pertinência pode ser utilizado como base teórica para a forma “tradicional” da aldeia, enquanto que Pacheco de Oliveira / Cardoso de  Oliveira,  sinalizam para o processo de mudança. É então que a questão material emerge, transfigurada em território; e a diversidade, transfigurada em territorialidades

Já sobre a tecnologia a construtiva devemos remeter a Sá (Sá, 1982). Costa & Malhano, no estudo da Suma apresentam a técnica de construção utilizada pelos principais grupos indígenas brasileiros, bem como distingue o formato de diferentes aldeias, a partir de levantamentos bibliográficos e de campo, e ainda apresenta m quadro no qual distingue três tipos morfológicos principais de aldeias, que podem ser encontrados no Brasil, associando-os aos grupos indígenas conforme a classificação lingüística que também nós utilizamos aqui.

Por fim, em texto de para alunos de disciplina que leciona na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB (s/ data), o historiógrafo Andrey Schlee identifica a produção literária sobre arquitetura indígena em três momentos, que veremos a seguir. O momento, o da cegueira compreende quatro décadas de produção historiográfica em arquitetura, de Sylvio de Vasconcelos (décadas de 1950 a 1960) a Carlos Lemos (1979), e a afirma que este período ainda não se encontra totalmente superado, reportando-se a retomada desta postura, explicita no livro Cinco séculos de arquitetura no Brasil, lançado em 1999, pelos arquitetos Francisco Veríssimo e William Bittar. (Schlee, s/ data).

O segundo momento, segundo o autor, corresponde às repostas pré-canônicas, ou seja, aos autores que “por questões de sensibilidade, filiação profissional (ou artística), ou participação de um grupo de interesse particular, alguns pesquisadores anteciparam-se à construção dos cânones interpretativos”, foram pioneiros na discussão do tema. (Schlee, s/ data). Estas leituras tiveram como incentivo à criação do SPHAN (hoje IPHAN), em 1937, e ao lançamento de sua revista, com objetivo de chamar atenção para os valores da arte nacional, e a partir de então cada número da revista passou a contar com m artigo sobre a arte indígena, destacando-se os apresentados por antropólogos. E ainda no âmbito das interpretações pré-canônicas, o autor insere o estudos produzidos por Luis Saia, que depois seriam organizados e publicados no livro “Morada Paulista”, de 1995; e o livro Cozinhas, etc., de Carlos Lemos (1978), no qual dedica um capítulo “ao pote, girau e à farinha”  (Schlee, op. cit.).

As interpretações canônicas correspondem aos estudos de Cristina Sá (1982) e ao artigo produzido por Maria Heloísa Fenelón Costa & Hamilton Malhano, para a segunda edição da Suma Etnológica Brasileira (Costa & Malhano, 1987a), ambos já referidos e que serão aprofundados em momento devido, na segunda parte do trabalho final.

Estudos em arqueologia e etno-história

Devemos fazer menção, ainda que brevemente, aos estudos oriundos de um grupo de arqueólogos e etno-historiadores do Rio Grande do Sul, os quais tem produzido inúmeros artigos, além de teses e dissertações sobre arqueologia Kaingáng. Estes estudos  tem sido bastante reveladores das formas ancestrais de uso do território e da organização espacial por parte dos Kaingáng. Destacam os autores, e especialmente Beber (2004) e Zuch-Dias (2004) aspectos já conhecidos mas ainda de grande interesse geográfico, como a  mobilidade indígena no interior de espaços bem delimitados. Estes estudos associam os Kaingáng à Tradição Taquara, cujas características principais são o estabelecimento de moradias subterrâneas, a formação de aldeias com duração efêmera, de dois a algumas dezenas de anos, a organização por caciques e o controle por estes das áreas de pinhão (à semelhança do que se observa entre os Kayapó, com o controle de castanhais), bem como o abandono e retorno a estas áreas, uma vez exauridos os recursos. Beber e Zuch-Dias identificam a Tradição Taquara aos Kaiangáng e seus estudo demonstram como não houve deslocamento mais acentuado destes com relação às áreas de outrora. A ruptura identificada diz respeito apenas à fixidez estabelecida em seus assentamentos, já que com a colonização, ficaram mais restritas as áreas passíveis de perambulação.

Conclusão

Para concluir, provisoriamente, este trabalho procurou fornecer as bases sobre as quais emergem o trabalho que empreende-se. Evidentemente algumas questões haverão de ser aprofundadas, em especial aquelas que dizem respeitam à mobilidade e à fixidez no território, conhecida esta problemática para as sociedades indígenas.Contudo, a mais importante das questões a ser aprofundas pelos geógrafos é o debate em torno da categoria “terra indígena”, já que trata-se de categoria jurídica mais que geográfica ou antropológica, como aponta Pacheco de Oliveira. Desvendar o que a Terra Indígena representa em termos de organização política para os diferentes atores que lhe atribuem significado, e ainda enquanto objeto de estudo é o que deixamos em aberto, por ora, remetendo, contudo, às referências aqui utilizadas.

Um segundo ponto que permite aprofundamento diz respeito à imagem do índio na sociedade nacional, que remete a um debate sobretudo antropológico, mas no qual os geógrafos podem, evidentemente, trazer alguma contribuição, desmistificando a relação do índio com a terra, já que os territórios indígenas sofreram inúmeras intervenções que lhes impuseram, em muitos casos, rupturas efetivas com seus modos ancestrais de organização espacial.

Procurou-se sobretudo acentuar o indigenismo como um processo de territorialização, conforme proposta Pacheco de Oliveira, ou como política de (des)ordenamento territorial, como acusamos aqui, analogamente, através da constatação de que a territorialização – processo incontestavelmente político – se instala desde o interior das aldeias, desde seus mecanismos políticos e culturais, permeando suas estruturas sociais, do que a transformação da tipologia “tradicional” da aldeia é decorrente e estruturante (Santos, 1989). Reside aqui, assim mesmo, um novo perigo: delimitar a que corresponde, de fato, o que chamamos de tradicional, bem como o questionamento se não seria mais correto o uso dos termos ancestral e não-indígena, quando nos referimos respectivamente ao “tradicional” e ao “branco”. Contudo, acreditamos ser possível identificar as alterações morfológicas sofridas pelas aldeias, consideradas enquanto espaços, lugares, objetos de análise metodológica, passíveis, portanto, de serem historicizados, desde as contribuições da antropologia e da geografia social, compreendendo que elas podem nos indicar, com efeito, ao menos os processos recentes, consolidados ou em curso. Como afirmava Sauer, na década de 1930, com relação ao espaço, “o grau de sua transformação a verdadeira medida do poder das sociedades humanas” (Sauer in Corrêa & Rosendahl, 2006).

Outra abordagem deveras importante, e igualmente do interesse da Geografia, trata das relações existentes entre o indigenismo e a urbanização, que em última análise, remonta à análise sobre o processo de territorialização ao qual nos dedicamos. Sobre isso, importantes contribuições pode ser encontradas nos inúmeros estudos de Roberto Lobato Corrêa sobre a urbanização brasileira (Corrêa, 2006), se tomados em conjunto com bibliografia natropológica pertinente, tais quais os de Veiga (2006), ou mesmo os já citados Pacheco de Oliveira, Darcy Ribeiro e outros.

Embora já o tivéssemos dado pistas, em determinados trechos e citações utilizadas, procurou-se, num segundo momento, descrever os caminhos que trilhamos para chegar ao ponto onde nos encontramos, e que possibilitam a continuidade da análise em pauta, da qual esta é apenas um pequeno esboço.  Como passos seguintes, temos: a descrição analítica, com base na bibliografia referida, das principais morfologias existentes nas aldeias indígenas brasileiras; para, por fim, focalizar os povos Jê neste universo, e dentre estes, os Kaingáng, descrevendo os assentamentos onde residem, utilizando para isso exemplos de localizações rurais e urbanas, situadas no Rio Grande do Sul, no sul do país.

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[1] Geógrafo, Bacharel e Licenciado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense, com mestrado em Teoria, História e Crítica da Arquitetura e Urbanismo (UnB), com o estudo “Sobre a organização espacial dos Kaingáng, uma sociedade indígena Jê meridional”. O autor gostaria de externar seus agradecimentos ao Pof. Dr. Carlos Walter Porto-Gonçalves, (Departamento de Geografia da UFF) que num breve encontro, no ano de 2006, reiterado por correspondência eletrônica do ano seguinte sugeriu-me a leitura de textos antropológicos que mais tarde se revelariam cruciais para toda a pesquisa desenvolvida. Igualmente, é justo externar o agradecimento ao Prof. Dr. Antônio Carlos Carpintero, da FAU-UnB, pelo apoio irrestrito dado a este estudo.

[2] Por “superfícies de emergência”, Foucault entende os conhecimentos prévios bem como as demandas sociais que viabilizam o surgimento de um determinado campo de estudo, vez que este não pode surgir ao acaso, da mente “brilhante” ou do trabalho isolado de um pesquisador extraordinário.

[3] Diante da formação étnica brasileira, acreditamos ser bastante complexa a utilização do termo “branco” para se referir aos não-índios, maneira pela qual sempre nos utilizamos do termo entre aspas, para destacar as devidas ressalvas, ou ainda, quando possível, o preterimos por não-índios.

[4] Numa perspectiva ousada, que ainda está por ser devidamente explorada, buscamos uma analogia entre o espaço da aldeia com a escala urbana.

[5] Além da Convenção 169 da, Organização Internacional do Trabalho, de 1989 (que impôs ao Estado brasileiro a transferência da FUNAI do Ministério do Interior, atual Integração Nacional para o Ministério da Justiça) o principal destes documentos é a Conversão sobre a Diversidade Cultural, da UNESCO  (Davis, 2006).

[6] Há ainda um grande número de povos cuja grande maioria de suas populações é falante de uma única língua – a sua própria – tais quais os Pirahã, os Kayapó, etc.

[7] Preferimos este termo a “tradicional”, tendo em vista que tradições se inventam e re-inventam, por meio de des-territorializações e re-territorializações

[8] Há no Brasil uma certa reticência com relação ao uso do termo “nações” para se referir aos povos indígenas. Esta postura encontra-se inscrita, inclusive na convenção 169 da OIT, que afirma “o termo nação não gera direito à criação de Estados independentes no interior dos Estados-membros desta convenção. O Brasil é um dos países onde este termo é evitado sem parcimônia tanto por estudiosos quando por agentes do Estado, revelando um certo receio de que o uso deste termo venha a provocar movimentos separatistas da parte dos indígenas. Para não prejudicar o desenvolvimento de nossa abordagem, evitaremos esta polêmica, nos utilizando do termo “sociedades indígenas”, bastante aceito dentre importantes antropólogos, como Pacheco de Oliveira e Viveiros de Castro.

[9] Tradução livre a partir do original em espanhol (“No es por acaso, entonces, que el antropólogo mexicano Bonfil Batalla, ponga en duda la “democracia” que es enarbolada por los gobiernos pos-dictadura de América Latina y dirá que tal democracia debe ser sometida a una “crítica de la razón india”, ya que la democracia actual es la continuación del modelo colonial.”)

[10] Para alguns a última “bandeira” realizada no Brasil teria sido a expedição Roncador-Xingu, organizada pela Fundação Brasil Central, em 1943, com objetivo de promover a ocupação desta área, considerada “vazia” até este momento, e que resultou no surgimento de cerca de 40 cidades, além do Parque Indígena do Xingu, principal símbolo do indigenismo brasileiro.

[11] Esboço feito apenas para fins de ilustração. É sabido que durante boa parte do século XX muitas cidades brasileiras ainda organizaram guerras de extermínios contra os indígenas, deixando claro que apesar do avanço legal conquistado nas últimas décadas, não necessariamente se alcançou respeito devido às referidas leis.

[12] A Lei 6001/1973, que estabelece o Estatuto do Índio, ainda vigente, se vincula ainda à lógica do SPILTN – Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais, fundado por Rondon, em 1910; mas assegurando a tutela, encontra-se obsoleta diante da Constituição Federal de 1988, para a qual “todos são iguais perante a lei”, Art. 5º.

[13] Ou “etno-desenvolvimento”, como tem sido correntemente cunhado atualmente.

[14] Sobre o conceito de terras indígenas, afirma Pacheco de Oliveira: “De início é necessário perceber que ‘terra indígena’ não é uma categoria ou descrição sociológica, mas sim uma categoria jurídica, definida pela Lei 6.001, de 1973, conhecida como Estatuto do Índio.” (Oliveira, 1998, p. 18) Agradeço ao sociólogo Jurandir —- pelos esclarecimentos prestados a respeito deste tema.

[15] Devemos, contudo, salientar que tal classificação é apenas esquemática, sendo utilizada apenas para fins de apreensão do fenômeno em pauta.

[16] Vide nota 9.

[17] O garimpo da aldeia Gorotire, na TI Kayapó, foi aberto pela FUNAI no início da década de 1980 e desde então produzia cerca de 750 quilos de ouro por mês, conforme cálculos de peritos da Polícia Federal. A produção era adquirida pela Caixa Econômica, como forma de viabilizar o desenvolvimento econômico dos indígenas da região, entretanto, a atividade era desenvolvida exclusivamente por não-indígenas. Em outubro de 2010 o garimpo foi fechado por uma ação da Força Nacional motivada pela FUNAI, que alegava que os refugos de mercúrio ameaçavam a saúde dos indígenas. Resultou na retirada de 280 garimpeiros do interior da TI, mas em nenhuma prisão. Já o garimpo da TI Presidente Roosevelt, dos índios Cinta Larga, em Rondônia, situa-se em uma das áreas mais ricas em diamante do mundo, tornou-se notícia no mundo inteiro devido ao assassinato de 36 garimpeiros pelos indígenas, insatisfeitos por serem frequentemente logrados na comissão a que tinha direito conforme acordo estabelecido entre as partes.

[18] Embora se trate de um conhecimento muito anterior, a primeira cadeira de acadêmica de geografia da “era moderna” teria sido criada por volta de 1831, na Alemanha, tendo o filósofo e geógrafo alemão Carl Ritter como primeiro titular (Sauer in Corrêa & Rosendahl, 2003). Importante esclarecer que o “moderno” que aqui se fala reporta à modernidade filosófica ocidental a como fica conhecida nas ciências sociais (Moreira, 2006, p. 14). Corresponde ao momento em que diferentes campos específicos conhecimento “surgem” – melhor seria dizer “emergem”, como propõe Focault (2008) – com um elevado grau de objetividade, que se acentua com a revolução industrial e suas novas demandas por conhecimento, tempos e espaços (Moreira, 2006, p 24).

Por sua vez, a Carta de Atenas, de 1933, e o movimento que nas artes, na arquitetura e no urbanismo fica conhecido como modernista é marcado pela rejeição à forma circular e todo tipo de geometria composicional, mimética, que simboliza a mudança radical da posição conseguida pelo homem frente à natureza: da dependência total à sua dominação (Goulart, 1967). O movimento modernista, amadurecido desde o renascimento, talvez corresponda à última manifestação do moderno a que nos referimos inicialmente. É importante observar que embora ambos tenham princípios comuns, o segundo, pode ser compreendido a partir do primeiro, de maior importância aqui; e ainda, que embora sejam de pretensões universais, ambos são histórica e geograficamente situadas: a Europa dos século XVII a XX), como assinala Porto-Gonçalves (2003 in Ceceña & Sader [Orgs.], p. 217). Século XVII, segundo este autor, porque é quando se instaura o marco territorial do estado “moderno”  (territorial) , inaugurado com a Pax de Westfalia, de 1642 (op. cit. p. 220) marco fundamental que daria início à “modernidade” ocidental, pautada no limite, que imporia a categorias “concretas” como o espaço, ou abstratas, como o tempo (com a invenção posterior do relógio), e daí para todo o mais que se possa delimitar, como os campos científicos, instaurando-se a política por princípio (entendida na concepção do autor como a arte de definir limites), e a clara delimitação entre cultura e natureza, com o “civilizado” assemelhado à cultura; e o “bárbaro”, o “selvagem”, à natureza (Gonçalves, op. cit..  p. 221).

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Enviada por Alenice Baeta para CEDEFES.

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