RJ – “Nova realidade nas favelas: 250 vidas poupadas”

Pesquisa revela queda de até 78% na taxa de homicídios em comunidades com UPP

Márcia Foletto

RIO – O próximo dia 19 de dezembro não será uma data qualquer para os moradores do Morro Dona Marta, em Botafogo. Nesse dia, completam-se quatro anos da inauguração da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da cidade. Haverá festa, certamente. Mas a data representa um marco nos mais de 70 anos da favela. Desde dezembro de 2008 até hoje são exatos 1.374 dias sem registros de mortes em confrontos com policiais ou entre bandidos. O que os moradores podem testemunhar no seu dia a dia é confirmado por uma pesquisa inédita, feita pela equipe do Laboratório de Análise de Violência da Uerj.

Os pesquisadores constataram que a instalação de UPPs reduziu em até 78% a taxa (por cem mil habitantes) de mortes violentas — homicídios, autos de resistência e latrocínio, entre outros — dentro das comunidades pacificadas. O maior impacto foi nos autos de resistência (mortes em confronto com policiais): a redução chegou a 98%.

Menos crimes num raio de 1,5km – A partir de modelos estatísticos, que consideraram indicadores de criminalidade de janeiro de 2006 a junho de 2011, os pesquisadores concluíram que a cada dois meses uma pessoa deixou de morrer em confrontos nas favelas pacificadas. Com esse dado, é possível dizer que, do fim de 2008, quando foi criada a primeira unidade (Dona Marta), até agosto deste ano, pelo menos 250 vidas foram poupadas nas áreas das 27 UPPs, sem contar a da Rocinha, inaugurada na última quinta-feira. No total, 150 comunidades são beneficiadas pelo programa.

— Quando a UPP foi implantada, os moradores estavam receosos. Era o desconhecido. Hoje, tudo está mais claro. A polícia ostensiva foi substituída pela polícia de aproximação — diz o presidente da Associação de Moradores do Dona Marta, José Mário Hilário.

Segundo a pesquisa, a instalação de uma UPP provoca também queda nos indicadores de criminalidade num raio de até 1,5 quilômetro da favela. O estudo revela que a criminalidade vem apresentando queda como um todo na cidade, mas as UPP aceleraram a redução dos indicadores.

O GLOBO analisou o impacto da criação das UPPs nos índices de homicídios em duas Áreas Integradas de Segurança Pública (Aisps). Na Aisp 2, que compreende os bairros de Glória, Catete, Laranjeiras, Flamengo, Cosme Velho, Humaitá, Botafogo e Urca, o número de homicídios caiu 26% após 2008, quando foi instalada a UPP do Dona Marta. Já na Aisp 23 (Leblon, Lagoa, Ipanema, São Conrado, Gávea, Vidigal, Rocinha e Jardim Botânico), a queda chegou a 45%. O Morro do Vidigal ganhou UPP em janeiro deste ano.

Se por um lado o fim dos confrontos derrubou drasticamente os homicídios nas comunidades e até no seu entorno, a pacificação fez surgir registros de violência que, possivelmente, eram subnotificados nas favelas. O estudo, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança, mostra que houve um aumento do número de vítimas de ameaça dentro das áreas pacificadas. A taxa passou de 29,4 para 99 (por cem mil habitantes), uma variação de 236%. Cresceram também as taxas de vítimas de estupro (de 1,3 para 4,8 por cem mil). Outro índice com forte alta foi o de vítimas de violência doméstica ou familiar: foi de 27 para 84,6 (por cem mil), um aumento de 212%.

Para o sociólogo Ignácio Cano, coordenador do laboratório, as UPPs acabaram com o chamado dono do morro, traficante que resolvia questões da favela e disseminava o medo na população, que não procurava as delegacias. Essa seria uma das explicações para o aumento de alguns casos de violência:

— A entrada e a permanência da polícia na comunidade não só acabaram com o papel do traficante como vêm incentivando os moradores a registrar crimes que eram desconhecidos das delegacias. Mas as autoridades precisam estar atentas, agora, para evitar que o policial da UPP se transforme no novo dono do morro — alerta Cano.

Outro dado que chamou a atenção dos pesquisadores é que houve queda dos índices de criminalidade, apesar da baixa relação entre o número de PMs nas unidades e o de moradores. Para Cano, esse dado indica que não é preciso um grande número de policiais para que as taxas de homicídios caiam de maneira consistente. O principal fator é mesmo a mudança no tipo de policiamento, que deixa de ser de confronto e passa a ser comunitário.

Mais segura na favela que no asfalto – A dona de casa Jocimara Liberato, que nasceu no Dona Marta, diz que hoje se sente mais segura lá do que no asfalto:

— Os policiais estão muito próximos dos moradores. Antes, por causa do domínio do tráfico, víamos os PMs como inimigos — afirma Jocimara, que lamenta, porém, os casos de estupros.

O Largo do Cantão, onde no passado funcionava a principal boca de fumo do Dona Marta, passou a ser frequentado por crianças. E moradores da favela chegam a criar laços de amizade com PMs. É o caso de Vanda Macedo que, há um ano e meio, teve seu terceiro filho, Pedro Miguel, numa viela. O soldado Oliveira, que levou mãe e filho para a maternidade, virou amigo de Vanda.

— Fico tranquila porque meu filho nasceu num lugar de paz — diz Vanda.

Desde a implantação da UPP dos morros da Babilônia e do Chapéu Mangueira, no Leme, em junho de 2009, os registros mais graves foram um trailer da PM atingido por tiro e uma pessoa morta por bandidos rivais, logo no início da pacificação.

— Agora, andar aqui é mais seguro do que nas ruas de Copacabana — compara o tenente Pedro Miguel Brito Nascentes, subcomandante da UPP. — Apreendemos poucas drogas e nenhuma arma. A maioria de nossos atendimentos é assistencialista.

Morador da Babilônia há 51 anos, o segurança Cosme Teodoro de Oliveira conta que não ouve mais tiro na favela.

— Parece cidade do interior.

Vice-presidente da Associação de Moradores da Babilônia, Carlos Antônio Pereira, garante que a relação com os PMs não poderia ser melhor:

— Tem morador que convida policiais até para festas de aniversário.

Cerca de 300 policiais trabalham na UPP do Borel, que atende sete favelas. É no Bar do Bigode, na Casa Branca, que policiais costumam almoçar. Edvaldo Carvalho, o Bigode, aderiu à nova rotina e defende a pacificação:

— Espero que o projeto não acabe depois das Olimpíadas de 2016.

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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