Promessa brasileira na ONU sobre direitos indígenas é “marketing”

O governo brasileiro deve apresentar nesta quinta, 20, em Genebra, a resposta a 170 recomendações sobre direitos humanos feitas por países-membros da ONU no processo de Revisão Periódica Universal (RPU). A RPU é um mecanismo do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas de revisão periódica da sua situação de direitos humanos dos 193 Estados-membros.

Sabatinado sobre suas condições em relação aos direitos humanos em maio deste ano, o Brasil teve três meses para avaliar críticas e sugestões de seus pares sobre questões como desenvolvimento e inclusão social, defensores de direitos humanos, segurança púbica, justiça e sistema prisional, promoção da igualdade e direitos indígenas, entre outros.

No item “direitos humanos dos povos indígenas”, o governo brasileiro recebeu sete recomendações:

  • Fortalecer os standards de procedimentos administrativos procedures referents ao direito da populações indígenas de serem consultadas, de acordo com a Convenção 169 da OIT (Holanda);
  • Assegurar os direitos dos povos indígenas, particularmente o direito às terras tradicionais, territoriais e recursos naturais, e seu direito de serem consultados (Noruega);
  • Concluir os processos pendentes de demarcação, especialmente os relativos aos Guaraní Kaiowá (Noruega);
  • Continuar a promover debates internos para melhorar a regulação dos processos de consulta com as populações indígenas sobre temas que as afete diretamente (Peru)
  • Assegurar que os povos indígenas possam defender seu direito constitucional às terras ancestrais sem discriminação, e que seu consentimento informado seja assegurado em casos de projetos que possam afetar seus direitos (Eslováquia);
  • Dar mais atenção, em todos os níveis administrativos, aos direitos dos povos indígenas, principalmente para garantir seu direito à terra (Polônia);
  • Garantir consultas adequadas aos povos indígenas bem como plena participação em todas as decisões legislativas ou administrativas que os afetem (Alemanha).

De acordo com um comunicado do governo, o Brasil irá acatar apenas algumas das recomendações. Sobre a recomendação sobre consentimento prévio e informado de projetos em terras indígenas, o país argumenta que “a Constituição Federal define que as comunidades indígenas devem ser ouvidas, e que o Congresso deve dar uma autorização pelo uso de recursos hídricos e pesquisa e exploração de recursos minerais em áreas indígenas. Ainda, a Convenção 169 da OIT, adotada pelo Brasil em 2004, requer consulta prévia às populações indígenas. Assim, o Estado Brasileiro já age de acordo com a recomendação”.

Puro marketing
Para organizações de defesa dos direitos humanos e indígenas que acompanham a reunião da UPR em Genebra, é preocupante que o Brasil tenha destacado especificamente  a recomendação que menciona o direito ao consentimento. De acordo com Roberta Amanajás, advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), movimentos e organizações nacionais e internacionais consideram que os mecanismos que asseguram a consulta, implicitamente garantem o direito à decisão dos índios se permitem ou não a realização de projetos que os afetem. “Por isso é sintomático que o Brasil faça observações apenas sobre a recomendação que fala em consentimento. Porque, na prática, nem consulta e muito menos consentimento têm sido praticados no país. Vide o caso da hidrelétrica de Belo Monte e a Portaria  303 da Advocacia Geral da União, que quer restringir direitos a terra e voz dos indígenas”, afirma Amanajás.

No Brasil, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) faz criticas mais severas ao governo, principalmente em relação ao que chama de  “investimento nas aparências” ou puro marketing na ONU.  De acordo com o Cimi, simbólico para a incongruência entre o discurso brasileiro em Genebra e a prática interna é a tentativa de imposição da Portaria 303, da Advocacia Geral da União, que determina, entre outras medidas, a não necessidade de consulta aos indígenas em casos de empreendimentos hidrelétricos e de mineração, postos militares e malhas viárias que afetem seus territórios.

“Causa mais espanto ainda o fato da Portaria 303 ter entrado no circuito dos atentados aos povos indígenas – assim como as Propostas de Emendas à Constituição (PEC) 215 e 038, em tramitação no Congresso Nacional -, num momento em que a Convenção 169 da OIT passa por regulamentação interna. O governo brasileiro diz dialogar, consultar e garantir direitos, mas tudo não passa de mentira e enganação”, afirma a entidade.

Sobre as questões fundiárias e territoriais, que atingem fortemente os indígenas Guarani-Kaiowa no Mato Grosso do Sul e foram questionadas por vários países, o Cimi aponta que nunca foram homologadas tão poucas terras indígenas como no atual governo.

Ações em Genebra
Organizações nacionais e internacionais de direitos humanos e indígenas, como a SDDH, Conectas Direitos Humanos e Amazon Watch organizaram uma série de atividades em Genebra nesta semana pra aprofundar os debates sobre os direitos humanos no Brasil. No dia 18, as organizações se reuniram com o relator especial para os direitos indígenas da ONU, James Anaya, que foi informado sobre as graves violações dos direitos indígenas nos casos de Belo Monte e da  portaria 303. “Ele foi muito receptivo aos argumentos e pediu mais informações”, explica Christian Poirier, da Amazon Watch. “Como este é um fórum internacional, onde o Brasil é avaliado por seus pares, achamos importante mostrar que a sociedade civil internacional também acompanha de perto os problemas com direitos humanos no país”, explica Poirier.

Nesta quarta, 19, foi realizado um evento paralelo sobre direitos humanos no Brasil, organizado pela ONG Conectas, que contou  com a presença de um diplomata brasileiro da missão permanente na ONU. Na ocasião, foi apresentado o vídeo Belo Monte: Justiça Já! “O vídeo literalmente calou o embaixador brasileiro, ele ficou sem palavras”, conta Amanajás.

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