Filme com protagonistas portadores da síndrome de Down deve ser exibido em 120 salas brasileiras
Ailton Magioli – EM Cultura
Cartaz de 120 salas brasileiras a partir de 9 de novembro, Colegas, de Marcelo Galvão, tem tudo para conquistar público. Afinal, além de detentor dos Kikitos de melhor filme e do prêmio especial do júri para os protagonistas, do 40º Festival de Cinema de Gramado, o longa-metragem, que narra as aventuras de três jovens personagens, portadores da síndrome de Down, deverá gerar o esperado boca a boca, porque, na avaliação do diretor, é um “filme família”, com potencial de gerar bilheteria.
“Nossa expectativa é que ele bombe na bilheteria”, afirma, animado, Marcelo Galvão, lembrando que até então Colegas foi aplaudido – de pé – em todas as projeções, que vão do extinto Festival de Paulínia (SP), no ano passado, até Gramado, no início do mês. Quinto longa-metragem do diretor carioca de 38 anos, radicado em São Paulo, aos poucos Colegas supera o preconceito enfrentado desde que o roteiro, do próprio diretor, ficou pronto há sete anos. Só para a captação, ainda em andamento, para o lançamento, foram cerca de cinco anos. Enfim, é o cinema desbravando o potencial de inclusão social que tem.
Antes de Colegas, Marcelo Galvão já havia incursionado pela temática social com Quarta B (melhor filme da 1ª Mostra Internacional de São Paulo, de 2005, pelo voto popular), com o qual discutia a questão das drogas. Já em Rinha (Palma de Bronze do Festival Internacional do México, em 2009) ele traz à tela as polêmicas lutas de MMA, mais conhecidas por vale-tudo, enquanto Bellini e os demônios, que participou do Los Angeles Brazil Film Festival 2009, é produto da adaptação do diretor para o livro homônimo do titã Tony Bellotto.
O preconceito em relação aos portadores da síndrome de Down foi percebido pela produção do longa principalmente na hora da captação de patrocínio. “Além de as empresas não quererem associar sua marca ao tema, os próprios distribuidores acabam classificando-o como um filme de nicho”, afirma o produtor Marçal Souza, de 55 anos, cujo currículo inclui filmes como Lúcio Flávio, o passageiro da agonia(1977), Pixote (1980) e O beijo da mulher-aranha (1984), que deu o Oscar de melhor ator para William Hurt, todos do diretor Hector Babenco.
Além do veterano Lima Duarte na pele do jardineiro narrador, o filme reúne no elenco os atores Beto Montenegro, Leonardo Miggiorin, Juliana Didone e o português Rui Unas, entre outros. Portadores da síndrome de Down, Ariel Goldenberg, Rita Pokk e Breno Viola formam o trio de protagonistas da trama, em que Stallone (Goldenberg), Aninha (Rita) e Márcio (Viola) fogem de um instituto de portadores da síndrome, depois de roubar o carro do jardineiro (Lima Duarte). Os três vão de São Paulo até a Argentina, a fim de realizar seus sonhos: ver o mar, casar no Dia de São Judas Tadeu e voar, respectivamente.
“Todo elenco fez o filme pela amizade que tem com a gente. Claro que teve cachês, mas foi ridículo o valor”, relata o produtor Marçal Souza. Para se ter ideia da luta da equipe para produzir Colegas, o diretor Marcelo Galvão revela que ainda falta captar R$ 1,2 milhão para a comercialização do projeto. Orçado em R$ 6 milhões, o longa chegou a ser selecionado para abrir o Festival Internacional de Cinema Latino de Nova York, mas o diretor preferiu não perder o ineditismo do filme, que acabou participando de outros festivais.
Buenos Aires
A presença em Gramado, do qual saiu vitorioso, garante Marcelo Galvão, foi muito legal. “Desde pequeno, ouço falar do festival, que tem peso histórico grande, além de formalidades como tapete vermelho e vitrine de críticos. “Foi formidável, ainda mais com os garotos presentes”, comemora o diretor, que filmouColegas entre Paulínia e Buenos Aires, onde durante uma semana ele fez inclusive uma cena aérea. Para chegar ao trio de protagonistas, Marcelo testou mais de 300 portadores da síndrome, chegando a aproveitar outros 60 no filme. “Conheci muita gente interessante, que deverá participar de alguns dos meus próximos projetos”, anuncia o diretor, que, além da megaprodução Fábulas, ainda tem na gaveta os roteiros de Sombra da noite, A despedida e Cadeirantes.
Sobrinho de um portador de síndrome de Down (Sérgio, que morreu em 2011, aos 59 anos), o diretor deColegas diz que sempre gostou de ver o mundo pela visão do tio. “O down é uma criança no corpo de adulto. Tem uma visão franca da vida”, descreve Marcelo.
Aos poucos, ele vê a situação dos portadores se transformando para melhor, apesar de julgar que eles ainda vão demorar a receber tratamento adequado. “Na época do tio Sérgio, por exemplo, era difícil encontrar escolas inclusivas”, recorda. Para o diretor, os atores portadores da síndrome são amigos, disciplinados e comprometidos. “Eles têm muita facilidade de viver o mundo lúdico, enquanto os atores em geral têm de recorrer à técnica para tal”, compara Marcelo Galvão.
Preparação e improviso
Irmão de Oswaldo Montenegro, o carioca Beto Montenegro, de 49 anos, volta a trabalhar com Marcelo Galvão, depois de fazer outros quatro longas-metragens com o diretor. “Tivemos tempo para desenvolver os personagens, de parar para ensaiar”, recorda dos dois meses em que o elenco foi morar em Paulínia para filmar Colegas. Proprietário da Oficina dos Menestréis na Vila Mariana, em São Paulo, em 2003 ele abriu a escola – que prefere comparar a uma academia, onde disponibiliza “condicionamento artístico” – a cadeirantes, autistas e portadores de síndrome de Down e de deficiência visual. “Se por um lado os portadores da síndrome perdem na dicção e limpeza de cena, por outro ganham muito em espontaneidade. O negócio é deixá-los improvisar, como o Marcelo fez. O Breno Viola, por exemplo, fez quase tudo no improviso”, elogia.
“Não somos coitadinhos”: entrevista com Breno Viola – Ator
Coordenador de conteúdo acessível do Movimento Down do Rio de Janeiro, Breno Viola, de 31 anos, diz que Marcelo Galvão se transformou em uma espécie de pai que ele nunca teve. Filho de pais separados em uma família de três irmãos, em que é o único portador da síndrome, ele diz que o personagem Márcio, que interpreta em Colegas, fez parte da infância do diretor do filme, cujo tio Sérgio também era portador da síndrome de Down. Recentemente, o ator representou o país no Congresso Mundial sobre Síndrome de Down (WDSC 2012), na África do Sul. Breno revela que pretende levar a carreira artística adiante. Confira os principais trechos da entrevista.
Foi difícil fazer o filme?
Não, mas quando fui filmar de manhã senti dificuldade. Geralmente, não acordo bem. Eu não funciono de manhã. Teve uma cena em que eu estava no carro, que o meu olho não aguentou mais e dormiu.
Que lição você tira de Colegas?
Antigamente, éramos tratados como coitadinhos e não somos nada disso. Com o filme mostramos, por exemplo, que podemos ser atores.
Pretende levar a carreira artística adiante?
Claro, quero fazer novela, seriado, teatro. Tudo que vier vou fazer. Já fiz inclusive teatro musical com o Beto Montenegro.
Você acha que o filme poderá contribuir para mudar a visão preconceituosa que as pessoas têm dos portadores de síndrome de Down no Brasil?
Sim, porque antigamente nos tratavam como mongoloides. Os médicos chegavam a dizer que eu ia morrer aos 12 anos. Hoje estou prestes a completar 32, vivo.
O que pode ser feito para mudar essa situação?
As pessoas no Brasil são muito preconceituosas. Desde os ricos brancos, que gostavam de escravizar seus empregados.
Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.
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