Informe à ONU, OEA e OIT: “Violação de direitos da comunidade Quilombola do Rio dos Macacos”

Embora já publicada no dia 24 de julho, no corpo da matéria Violações de direitos humanos no Quilombo Rio dos Macacos são denunciadas aos Organismos Internacionais, postamos novamente hoje, considerando a informação contida em Vergonha: “União elabora proposta para mudar local do Quilombo Rio dos Macacos”, a íntegra da denúncia enviada à OIT, OEA e ONU. TP.

A HISTÓRIA E A OCUPAÇÃO CENTENÁRIA DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO RIO DOS MACACOS

O Quilombo Rio dos Macacos é uma comunidade negra rural, composta por cerca de setenta famílias descendentes de escravos com história que remonta há mais de um século de existência, segundo depoimentos constantes no inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Federal de nº 1.14.000.000.833/2011-91.

O lugar era originalmente parte da área do Recôncavo Baiano onde desde o século XVII se instalaram os engenhos produtores de cana-de-açúcar. Hoje, a localidade encontra-se cravada no atual Município de Simões Filho, nesse Estado.  A referida comunidade é “remanescente de quilombo”, à qual o texto constitucional atribui à propriedade definitiva das terras ocupadas, competindo ao Estado emitir-lhes os respectivos títulos, nos termos do art. 68 do ADCT/88.

A comunidade, a partir da autodefinição coletiva sobre sua ancestralidade quilombola, encaminhou à Fundação Cultural Palmares um pedido oficial de reconhecimento como comunidade remanescente de quilombo, do qual resultou a Certidão de Auto Reconhecimento Quilombola da Comunidade Rio dos Macacos, publicada no Diário Oficial da União em 04 de outubro de 2011, a qual tem o condão de tornar pública a ancestralidade e garantir os direitos inerentes a essa identidade.

O Relatório de Visita do Ministério Público Federal, assinado por sua antropóloga, Dra. Sheila Brasileiro, que traça um breve resgate da história da comunidade e de suas vivências atuais destaca:

A julgar pelos depoimentos supra, a comunidade quilombola rio dos Macacos ocupa de modo contínuo a área em foco há pelo menos cinco gerações, o que equivale a um período não inferior a cento e cinquenta anos. Ali se concentram as suas referências pretéritas e presentes; é onde atualmente vivem e onde viveram os seus antepassados, alguns na condição de escravo. Nesse local eles se territorializaram e se constituíram enquanto segmento étnico diferenciado. É, portanto, o seu território tradicional por excelência. (grifos nossos)

Os costumes e os relatos dos habitantes dessa Comunidade denotam que a ocupação conta com mais de um século de existência.

É o caso da Sra. Maria de Souza Oliveira, Dona Maria como é conhecida na comunidade, 84 (oitenta e quatro) anos nascida e criada no local. Também na área, Dona Maria   criou seus filhos trabalhando na roça e prestando alguns serviços como lavadeira:

“Que nasceu e foi criada na referida área; que anteriormente esta área não correspondia ao terreno de Marinha, mas sim à Fazenda do Sr. Coriolano Bahia; que o referido fazendeiro era patrão de seus pais […].” Trecho do Depoimento da Sra. Maria de Souza Oliveira à Defensoria Pública da União.

Essa relação centenária da comunidade com o território remonta ao período em que a área ainda fazia parte de grandes fazendas na qual seus antepassados trabalharam. O processo histórico de formação do quilombo ainda está na lembrança de alguns moradores, especialmente dos mais antigos, os quais se referem a Coriolano Bahia, proprietário da Fazenda Macacos, onde funcionava uma usina de açúcar que entrou em declínio no final dos anos 30.

Segundo relato dos posseiros mais antigos, seus pais trabalharam na referida Fazenda e o proprietário citado havia prometido doar definitivamente as glebas de terras como indenizações aos trabalhadores que há muito já viviam nas referidas áreas. Embora a formalização de tal doação não tenha ocorrido, a comunidade continuou vivendo e cuidando de suas famílias – além de outras que chegaram à área e se integraram ao modo de vida dos que ali já viviam e constituíam a comunidade – a partir da posse mansa e pacífica de suas casas e da prática de agricultura e pecuária de subsistência exteriorizada nos inúmeros roçados, fruteiras e na criação de animais presentes na gleba. Ressalta-se que, além do consumo dos alimentos pelas famílias, a comunidade comercializa os produtos excedentes na feira de Periperi.

Na Comunidade é possível vizualizar até os dias atuais instrumentos de tortura do período da escravidão, como troncos e correntes, além de ruínas existentes na área remanescente do quilombo, que formam o patrimônio histórico vinculado à comunidade que o preservou e que dá sentido aos mesmos.

A comunidade também herdou tradição artística e cultural, aprenderam a técnica do artesanato e elaboram utensílios domésticos como gamelas, pilões, colheres-de-pau. Manejam as palhas de licuri e cipós para fabricação de abanos, chapéus de palha, peneiras, artesanatos vendidos nas feiras livres.

Em 1960, a Prefeitura de Salvador doou a Fazenda Macacos para a Marinha do Brasil, a qual, em 1971 iniciou a construção da Base Naval. Foi a partir deste momento que se intensificou o processo de de violação de direitos humanos pelo qual passa cotidianamente a Comunidade Quilombola do Rio dos Macacos em razão das ações da União Federal, mais especificamente, da Marinha do Brasil.

Em nenhum momento, entretanto, mesmo que na época ainda houvesse, segundo relatos, em torno de 100 (cem) famílias trabalhando e vivendo na área, foram previstas, nos documentos de transação cartorial, possibilidades de indenização. Tampouco as referidas transações cartoriais sobre a propriedade formal da terra foram comunicadas aos seus reais ocupantes (a comunidade), evidenciando a invisibilidade histórica a que esta e muitas outras comunidades quilombolas do Brasil foram submetidas ao longo do século XX e a omissão do Estado Brasileiro.

Com a sua chegada a Marinha do Brasil começou a impor à comunidade diversas restrições aos direitos humanos e práticas de abuso de poder, no sentido de coibir os moradores na construção ou reforma de suas casas, bem como na manutenção dos roçados de subsistência, e do acesso à água, saneamento básico e energia elétrica. Ressalta-se também que, durante este período, terreiros de candomblé foram fechados e destruídos, e mais de 50 (cinquenta) famílias foram expulsas para construção da Vila Naval.

Dessa forma, a chegada da Marinha do Brasil desestruturou a comunidade, não só em sua rotina como também na sua constituição. Várias famílias centenárias que ali habitavam e que representavam o caráter histórico e a identidade negra de resistência foram expulsas para a construção da Vila Naval. Assim, no decorrer dos anos, outras famílias, de origens similares, chegaram à região e, a partir de uma relação de reconhecimento e de identidade étnica-cultural, racial e territorial, se integraram aqueles que, por razões diversas, permaneceram na área integrando, formando e fortalecendo a comunidade quilombola.

Afirma-se, portanto, que todos os membros da Comunidade Quilombola ocupam a área em litígio, seja através das roças, das suas casas de adobe e alvenaria, pelas relações que constituíram ao longo dos anos com integrantes da comunidade ou mesmo da sua relação com a antiga Fazenda Macacos.

Portanto, antes da Marinha do Brasil se apropriar das terras em litígio em 1960, os quilombolas já exerciam sua posse mansa e pacífica, segundo registros, pelo menos desde o final do século XIX. É tanto que a Escritura de Doação (já citada anteriormente) da Prefeitura de Salvador ao Ministério da Marinha reconhece esta posse anterior:

A Prefeitura Municipal do Salvador doou ao Ministério da Marinha a Fazenda Macaco, com uma casa de morada tipo chalet, com outras construções estragadas (…) composta de terras próprias, destinadas à lavoura. (grifamos)

Neste sentido, conclui-se que a relação jurídica da Comunidade Quilombola com a área em litígio é de posse justa, legítima e de propriedade a ser reconhecida, a teor do que determina a Constituição de 1988.

AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS E AS DIVERSAS FORMAS DE VIOLÊNCIA VIVENCIADAS PELA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO RIO DOS MACACOS

Conforme evidenciado, a partir da chegada da Marinha do Brasil ao território quilombola do Rio dos Macacos, a comunidade passou a ser violentada em seus direitos humanos cotidianamente, a partir de atos de violência e de abuso de poder perpetrados por oficiais da Marinha. Ressalte-se que os relatos das violações, das ações criminosas e abusivas foram encaminhados ao órgão competente – Ministério Público Federal – para serem averiguados, os quais resultaram em abertura do Inquérito Civil Público n.º 1.14.000.000833/2011-91.

Segundo os diversos depoimentos juntados ao Inquérito Civil Público de lavra do Ministério Público Federal, as arbitrariedades e violências, de ordem física e simbólica, cometidas pela Marinha do Brasil exigem um tratamento sério e célere, no sentido de promover medidas concretas que protejam os direitos individuais e coletivos dos membros da comunidade.  Abaixo, foram selecionados alguns tópicos que indicam grave violações de direitos humanos na comunidade:

Direito e ir e vir, acesso à escola, aos postos médicos, aos serviços essenciais

A comunidade é impedida de circular livremente por seu território, sendo constantemente ameaçada em razão da utilização da via de acesso mais próxima para a comunidade, que se dá pela guarita da Vila Militar. As limitações do direito de ir e vir resultaram em uma série de violências, entre elas o direito à educação, considerando que os integrantes da comunidade não puderam sequer entrar e sair livremente dos limites da comunidade para estudar, permanecendo, em sua maioria, analfabeta, até os dias atuais.

A comunidade não tem acesso à energia elétrica, à saúde, ao saneamento básico, direitos mais que imprescindíveis para a garantia de uma vida minimante digna. Tais condições subumanas foram midiatizadas recentemente, de forma exaustiva, pela imprensa local, após forte processo de mobilização empreendido pela comunidade.

Em relação ao acesso à energia elétrica, consta documento datado de 1986, no qual a Marinha do Brasil se manifesta formalmente pela não autorização  de que seja colocada extensão de rede elétrica na Comunidade Quilombola.

O acesso à água potável também é limitado. Além de poluir o Rio dos Macacos e outros mananciais com os dejetos da Vila Militar, a Marinha do Brasil apresentou parecer de idoneidade questionável da Embasa – Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A., que ao ser questionada, alegou que a área ocupada pela comunidade é inviável tecnicamente para o abastecimento devido as condições topográficas do local, alegando ainda que a comunidade se encontra distante da rede da embasa cerca de 3.000m, sendo que em verdade a Vila Naval se encontra a cerca de 300m de distancia da comunidade.

Dona Maria, moradora antiga da comunidade, revela ainda que sofre ameaças de expulsão do lugar em que vive e de demolição de sua casa com o uso de trator. Em abril de 2011, oficiais da Marinha do Brasil cercaram com arame farpado a área do entorno da casa da Sra. Maria. Os familiares afirmaram que a área cercada era a única forma de acesso a casa. Desta forma, os familiares da senhora Maria, que residem com ela, precisaram passar por debaixo da cerca de arame farpado, para entrar e sair do local, contudo, devido à impossibilidade de se abaixar, a Dona Maria ficou impossibilitada de sair do local.

Da impossibilidade de exercer atividades de subsistência e a relação com o Meio Ambiente 

A comunidade mantém uma histórica relação com a terra que ocupa tradicionalmente, mantendo, enquanto foi permitido pela Marinha, roçados, criações de animais e o extrativismo, atividades hoje restritas e que ainda assim garantem o precário sustento das famílias do quilombo. A comunidade está proibida e plantar e roçar as terras em que vivem, vivendo apenas do extrativismo das árvores frutíferas, o que viola diretamente a soberania alimentar.

Direito à moradia

Habitar, definitivamente, não é um direito reconhecido aos moradores do quilombo Rio dos Macacos. Apesar de morarem em casas, em sua maioria, de tijolos de taipa e barro, extremamente frágeis, estas desmoronam com frequência em razão das chuvas que assolam anualmente a região. Há evidências de que os militares derrubaram diversas casas, obrigando famílias inteiras a se abrigarem na casa de outros membros da comunidade de forma precária e indevida. Além disso, a Marinha do Brasil interfere na realização de melhorias nas casas colocando em risco a segurança das famílias.

No dia 28 de maio de 2012, dezenas de fuzileiros navais, sob as ordens do comando do Distrito Naval, invadiram o território do quilombo para impedir que o Sr. (Zezinho) reconstruísse a sua casa, que havia caído com as chuvas do final do ano passado. Desde então, o morador residia na casa de um vizinho com a família. Os fatos foram amplamente divulgados pela mídia, e exigiu a presença de diversas autoridades no local para impedir que fossem perpetradas violências contra a comunidade. Advogados e representantes de entidades da sociedade civil que acompanham a resistência do quilombo foram impedidos de entrar para conferir a grave situação.

Monica Araujo Cortes, 25 anos, em depoimento, informou que nasceu e cresceu na área em litígio e que a Marinha do Brasil a surpreendeu com a demolição de sua casa de morada há três anos, ficando sem residência por um período até conseguir edificar outra casa. Edgar Messias dos Santos, 69 anos, informou sobre outros episódios em que ocorreram derrubadas de casas ordenadas pela Marinha, alguns exemplos entre tantos relatados por diversos membros da comunidade.

O fato mais recente que comprova a restrição do direito de ir e vir aconteceu no dia 08 de julho de 2012. Neste dia, a Comunidade foi impedida de ter em seu território a apresentação artística e cultural de uma peça teatral que estava sendo promovida pelo Bando Teatro do Olodum, grupo cultural que se destaca pela afirmação dos direitos da população negra, fato este noticiado nos veículos oficiais de informação.

Da violência física e simbólica

Nos depoimentos, os moradores relatam, reicidentemente, as graves agressões físicas, a vigilância ostensiva e o tratamento desumano a que são submetidos por meio das ações de oficiais da Marinha, configurando, assim, violações graves aos direitos humanos.

A moradora Luzineia Oliveira dos Santos, 32 anos, nascida no local, revelou que seu companheiro foi agredido fisicamente no rosto por um Oficial da Marinha, sem qualquer motivo que justificasse tal conduta.

É importante ressaltar também algumas ações praticadas pela Marinha do Brasil que atentam contra a vida e à integridade física dos moradores da comunidade Quilombola Rio dos Macacos, a exemplo da Srª. Rosemeire dos Santos, uma das principais lideranças da comunidade, que já foi diversas vezes ameaçada de morte, tendo inclusive uma arma apontada para a sua cabeça em certa ocasião em que pleiteava a entrada de integrantes da Universidade Federal da Bahia no território quilombola para a realização de atividade de extensão universitária. O fato que foi registrado em Boletim de Ocorrência lavrado em Delegacia da Polícia Civil. Rosimeire afirma no termo de inquirição IPM nº desconhecido/2011, já para apurar  a denúncia, já relatada, de ameaça ocorrida no dia 26/11/2011:

“o CB DIEGO alterou a voz comigo e apontou o dedo para o meu rosto; mandei-o abaixar o dedo, que estava ali lutando por meus direitos. Ele mandou sair. Respondi que não era cachorro, para (ele) tirar do dedo do meu rosto. Em seguida ele apontou a arma e engatilhou para atirar. Disse a ele se ele quisesse atirar, que ele atirasse mais que iria lutar pelos meus direitos, que isso não existe, que a gente está sendo impedido de ir e vir para nossas casas”

Seu irmão, Ednei Messias dos Santos, testemunha ocular da ameaça, afirma em seu depoimento:

“Às 13:15 fui barrado de carro pelo CB Diego que disse: diga a sua irmã para ela ter cuidado como ela conversa com as pessoas. Respondi que não estava entendendo o ponto de vista dele, não vi motivo para ele tratar a gente daquele jeito. Ele disse que sacou a arma e qua saca mil vezes se for preciso(grifo nosso)

No dia 03 de março de 2012, o Sr. Orlando Oliveira sofreu uma tentativa de homicídio por parte de um dos oficiais da Marinha, o qual disparou sua arma de fogo em direção ao quilombola e após verificar que o disparo não o atingiu, afirmou que iria tirar a sua vida, o que felizmente não aconteceu, fato este também registrado na Delegacia de Polícia Civil, de acordo com Boletim de Ocorrência em anexo.

Ainda em março, no dia 17, Sra. Rosilene Messias dos Santos sofreu ameaça de dois oficiais da Marinha encapuzados e sem identificação que invadiram a casa dela. Os oficiais afirmaram que a irmã da vítima e seu marido (Rosimeire e José Rosalvo, respectivamente) estavam ameaçados de morte por conta das mobilizações que vinham fazendo nesse processo de defesa do quilombo

Insta salientar que tais condutas, além de atingirem individualmente todas as vítimas, repercutem também sobre a sua condição de população afro-brasileira, grupo formador da sociedade brasileira e participante do processo civilizatório nacional e que tem garantido, pela Carta Magna promulgada em 1988, o direito à preservação do seu patrimônio cultural, configurado nas suas formas de expressão, nos seus modos de fazer, viver e criar.

Seguem em anexo todos os depoimentos prestados por membros da comunidade Rio dos Macacos a Defensoria Pública da União e ao Ministério Público Federal.

 A VIOLAÇÃO AO DIREITO AO TERRITÓRIO DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO RIO DOS MACACOS. AMEAÇA DE EXPULSÃO E ATUAL SITUAÇÃO JUDICIAL

No ano de 2009, a AGU, Advocacia Geral da União, responsável pela assessoria jurídica e representação judicial da Marinha, propôs uma Ação Reivindicatória com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela em face de parte dos moradores da comunidade quilombola Rio dos Macacos.

A Comunidade Quilombola do Rio dos Macacos além de vivenciar cotidianamente às violações de direitos humanos relatadas acima, está ameaçada de ser expulsa do seu território tradicional em razão de três ações reivindicatórias (0016296-14.2009.4.01.3300; 0022425-98.2010.4.01.3300; 0022426-83.2010.4.01.3300) ajuizadas pela União Federal contra parte da referida comunidade, todas com Pedido de Antecipação de Tutela, qualificando os Réus como “invasores”, e pleiteando a desocupação do imóvel.

A presente ação arguiu a necessidade de desocupação imediata da área tendo em vista a promoção da defesa militar do País, relacionada a projetos que visam a expansão da Vila Militar. Neste sentido, está nos planos da Marinha do Brasil a construção, na área onde se localiza a comunidade Rio dos Macacos, do novo Grupamento de Fuzileiros Navais de Salvador, de uma unidade hospitalar, de um Hotel de Trânsito e de novos Próprios Nacionais Residenciais para os militares dos meios navais atuais e em aquisição, como restou exposto na petição inicial da ação.

Para tal intuito a parte autora (União Federal) define os quilombolas como “invasores” e depredadores, que, segundo relatos da AGU, derrubaram placas colocadas pela Marinha e até mesmo muros construídos, utilizando, posteriormente, os tijolos para construção de suas casas.

Na decisão, o Juiz Federal antecipa parcialmente o seu juízo de mérito acerca da causa, sem audiência de justificação prévia, assinando prazo de 20 (vinte) dias para que a Marinha apresente a individualização da área dominial ocupada por cada membro da comunidade. O passo seguinte, foi intimar os moradores para que, nesse momento, apresentassem as suas defesas.

A defesa da Comunidade Quilombo Rio dos Macacos foi feita desde o início do processo de forma individual, pelo defensor designado pela Defensoria Pública da União (DPU), deixando de caracterizar a questão como conflito coletivo pela posse da terra, o que garantiria, desde o início, a intervenção do Ministério Público Federal no feito.

Em paralelo à defesa da DPU nas ações reivindicatórias, o Ministério Público Federal na Bahia, ingressou com agravo de instrumento nº 0060523-27.2011.4.01.0000, dado o fato de não ter sido o MPF intimado para o exercício de múnus processual enquanto custus legis em nenhum ato das referidas ações reivindicatórias. Recentemente foi proferida decisão pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região convertendo o recurso em agravo retido, sem apreciação do seu mérito, sobretudo quanto ao perigo de grave lesão aos direitos da comunidade ante a iminência da remoção forçada do seu território tradicional.

Também o MPF ingressou com Ação Civil Pública nº 0038229-72.2011.4.01.3300 em defesa dos direitos constitucionais da Comunidade Quilombola do Rio dos Macacos, com pedido de antecipação da tutela, para que a Marinha do Brasil tolerasse a permanência da comunidade no seu território até a finalização do processo de demarcação titulação definitiva do mesmo.  Com o indeferimento do pedido de antecipação da tutela foi interposto agravo de instrumento, o que nada resultou pois o Juiz Titular já julgou improcedente a referida Ação Civil Pública.

Apenas oito dias após o protocolo da peça contestatória, MM Juízo Federal, tendo em mãos o quanto alegado pela Marinha/AGU e pela DPU, sem se manifestar sobre os pedidos desta, julgou a favor da antecipação da tutela, determinando um prazo para a comunidade quilombola sair.

Apesar da decisão desfavorável do juiz, a comunidade poderia recorrer da decisão perante o Tribunal Regional Federal (TRF1). O defensor público, entretanto, não apresentou recurso da decisão, o que prejudicou gravemente as possibilidades de defesa judicial dos direitos da comunidade quilombola.

Em abril de 2011, após solicitação da Advocacia Geral da União, o juiz acata o requerimento de que fosse adiada em 30 (trinta) dias a desocupação compulsória da comunidade.

Dada a impossibilidade de recursos, com a perda do prazo, a comunidade Rio dos Macacos se movimentou para buscar alguma resposta dos órgãos do Poder Executivo Estadual, em especial, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano, cuja área de atuação diz respeito aos conflitos fundiários urbanos. Esta ficou incumbida de buscar uma solução para o conflito.

Sete dias depois (20 de abril), a AGU entra com outro pedido de desocupação compulsória das famílias, alegando que a SEDUR não está tomando providências para resolver a questão. Em seguida, sem sequer ouvir a SEDUR, o magistrado acata imediatamente o pedido da AGU, solicitando efetivo militar para o Comandante da Base Naval, para o Comandante Geral da Policia Militar e para o Superintendente da Polícia Federal (fls. 372-377).

Em 30 de agosto de 2011, o Ministério Público Federal requer ao juiz a vista dos autos (fl. 531). Pela primeira vez é levantada a possibilidade dessa comunidade tratar-se de remanescente de quilombola.

Em 14 de outubro, a DPU informa ao juiz que a Fundação Cultural Palmares publicou a Portaria nº 165/2011, na qual “se registrou e se certificou a declaração de autodefinição da Comunidade de Rio dos Macacos como remanescente de quilombo” (fl. 620). Diante desse fato novo, a Defensoria, baseando-se no art. 265, IV, do CPC, requereu a suspensão do processo.

Em 28 de outubro, o juiz indefere a suspensão do processo, alegando que a certidão trazida pela Fundação Palmares – instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura que tem a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira – nada acrescenta à lide, tratando-se de “mera declaração unilateral” (fl. 624) de uma das partes.

Vale ressaltar que na mesma época, em razão da existência de diversos integrantes da comunidade que, apesar de não figurarem o pólo passivo das reivindicatórias, sofreriam os efeitos da decisão que antecipou a tutela pretendida pela Marinha do Brasil, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR ingressou com Embargos de Terceiros, que foi extinto pelo Juízo da 10ª Vara Federal sem o julgamento do mérito, resultando na Apelação tombada sob o nº 0039347-83.2011.4.01.3300, atualmente em curso no TRF-1.

No dia 1º de novembro de 2011, a União requer (fls. 656-657) a suspensão da execução da ordem judicial por mais 04 (quatro) meses para que ocorra a retirada pacífica das famílias. Cabe ressaltar que tal pedido foi fruto de negociações extrajudiciais, que envolveram outros atores políticos para além dos presentes no processo. Restou ao juiz, acatar o pedido da própria parte autora (fls. 659-660).

Apesar do eventual insucesso das tentativas de reversão da decisão antecipatória da tutela nas ações reivindicatórias, entendida como violadora dos direitos fundamentais e étnico-territoriais da Comunidade Quilombola do Rio dos Macacos, no dia 21 de fevereiro do corrente ano, a Secretaria Geral da Presidência afirmou em audiência com a Comunidade que a decisão do magistrado não seria cumprida e que o quilombo do Rio dos Macacos permaneceria em seu território tradicional.

Contudo, após a referida Audiência, a Advocacia Geral da União (AGU) se limitou a peticionar nas ações judiciais supracitadas pleiteando, no dia 28 de Fevereiro de 2012, o adiamento do cumprimento da decisão por mais 05 meses para que a comunidade pudesse ser retirada do seu território de forma pacífica, desrespeitando o que fora acordado com a Secretaria Geral da Presidência.

Neste sentido, a Associação Quilombola do Rio dos Macacos afirmou que para o efetivo cumprimento do que fora acordado com a Secretaria Geral da Presidência é imprescindível que a União Federal desista das referidas ações judiciais que objetivam a retirada do Quilombo do seu território, que o INCRA conclua em tempo célere a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação e que seja instaurada a Câmara de Negociação com o intuito de cumprir as determinações do Decreto nº 4.887/2003 e efetivar a regularização do território quilombola. Tal pedido se justifica, sobretudo, pela ausência de segurança jurídica evidenciada pelo teor da petição protocolada pela AGU, mas também pela própria insegurança da comunidade quanto à sua integridade física e psicológica.

A exemplo do recente ocorrido, quando, apesar da existência do acordo com a Secretaria Geral da Presidência e do pedido da AGU de adiamento do cumprimento da decisão, no dia 04 de março de 2012, havia em frente ao território quilombola tratores, viaturas da Polícia Militar e caminhões com oficiais da Marinha fortemente armados, o que deixou a Comunidade Quilombola Rio dos Macacos bastante aflita, acreditando em um possível cumprimento das decisões judiciais que versam sobre a expulsão da comunidade do seu território.

Frente ao pedido da parte autora o Juiz Federal emite despacho no dia 06 (seis) de Março de 2012 intimando o Município de Simões Filho para informar se a comunidade está recebendo, e desde quando, o benefício denominado “Bolsa Cidadania” no valor de R$ 100 (cem) reais. Argumenta o magistrado “não haver razoabilidade da permanência dos requeridos no imóvel” por conta do recebimento de tal recurso público. Dessa forma, o juiz condiciona seu entendimento sobre a solicitação da autora, à manifestação do Município de Simões Filho.

No dia 19 de abril, após receber as informações do Município de Simões Filhos, o Juiz da Décima Vara da Justiça Federal, Evandro Reimão, decidiu por suspender por 5 (cinco) meses, até o mês de agosto de 2012, o cumprimento da ordem judicial de despejo.

DOS REQUERIMENTOS

Por todo o exposto, diante das graves violações de direitos humanos, da Constituição Federal e Tratatos Internacionais apresentadas, a Associação Quilombola do Rio dos Macacos requer o que segue:

  1. A permanência do Quilombo Rio dos Macacos em seu território tradicionalmente ocupado;
  2. A possibilidade de utilizar o seu território para a garantia da sobrevivência da comunidade, podendo desenvolver suas atividades econômicas e de subsistência (plantio, pesca e extrativismo livremente);
  3. A possibilidade de construção e reforma de suas casas;
  4. O acesso à saúde;
  5. O acesso à educação;
  6. O acesso à água potável e saneamento básico;
  7. O acesso à energia elétrica através do Programa Luz para Todos;
  8. A apuração dos atos de violência e abuso de autoridade relatados, com a necessária intervenção no Ministério Público Federal;
  9. A garantia do direito de ir e vir da Comunidade, com a construção de uma estrada que lhe garanta livre acesso à zona urbana;
  10. A desistência das referidas ações judiciais ajuizadas pela União Federal;
  11. O ingresso do INCRA e da Fundação Cultural Palmares no pólo passivo das referidas ações judiciais até que o item anterior não seja garantido;
  12. Imediata instauração da Câmara de Negociação prevista no Decreto 4887/2003;
  13. Imediata conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, de responsabilidade do INCRA;
  14. Conclusão do Procedimento de Regularização do Território Quilombola do Rio dos Macacos.

Contatos:

Rose Meire dos Santos Silva – 71 99333581

Olinda de Souza Oliveira dos Santos – 71 87167530

Eliete Paraguassu da Conceição – 71 92590023

Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR

Ladeira dos Barris, nº 145, Barris, Salvador, Bahia, Brasil, CEP 41.070-310

Telefax 71 33297393 – e-mail aatrba@terra.com.br – website www.aatr.org.br

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