Por um país com dignidade

Um dos momentos em que Garzón mais arrancou aplausos da plateia, que lotou o auditório do Ministério Público do RS, foi quando afirmou que não é preciso recuperar a dignidade das vítimas das ditaduras, porque elas não a perderam. “Perderam aqueles que massacraram, que torturaram, que negaram a justiça, a reparação, e aqueles que consentiram e que consentem”. Ele enfatizou essa última parte: os que viram a cara e dizem que o país tem mais com o que se preocupar tampouco são dignos.

Por Cris

“Peregrino do Direito”: o apelido foi dado pelo procurador aposentado do Estado Jacques Alfonsin, e o juiz espanhol Baltasar Garzón gostou. “Nunca tinham me chamado assim, e é o que sou. Sou um peregrino impenitente na defesa do direito”, disse em sua conferência Direitos Humanos, Desenvolvimento e Criminalidade Global, na noite desta terça-feira (17) em Porto Alegre, em que recebeu a Comenda da Ordem do Ponche Verde, a mais alta condecoração oficial do Rio Grande do Sul, logo depois de o governador, Tarso Genro, instaurar a Comissão Estadual da Verdade.

Baltasar Garzón é conhecido pela sua luta para recuperar o acontecido em ditaduras ao redor do mundo e fazer justiça com os responsáveis. Foi ele, por exemplo, que emitiu uma ordem de prisão contra o chileno Augusto Pinochet, que comandou uma das mais sangrentas ditaduras da América Latina por 17 anos.

Em sua conferência, não faltaram elogios a Tarso e a Lula, embora à tarde tivesse lamentado que não se estivesse fazendo a busca por Justiça no Brasil. Sobraram, por outro lado, críticas ao país de origem. Segundo ele, a Espanha ainda convive com fantasmas da guerra civil, que já terminou há 70 anos, mas ainda está presente no cotidiano dos cidadãos em nomes de ruas, por exemplo. Vale lembrar que faz pouco tempo que a Câmara Municipal de Porto Alegre rejeitou a proposta de mudança de nome da avenida Presidente Castelo Branco (estamos em tempo de eleições municipais, #ficaadica).

Um dos momentos em que Garzón mais arrancou aplausos da plateia, que lotou o auditório do Ministério Público do RS, foi quando afirmou que não é preciso recuperar a dignidade das vítimas das ditaduras, porque elas não a perderam. “Perderam aqueles que massacraram, que torturaram, que negaram a justiça, a reparação, e aqueles que consentiram e que consentem”. Ele enfatizou essa última parte: os que viram a cara e dizem que o país tem mais com o que se preocupar tampouco são dignos.

Por tudo isso e mais um pouco, ressaltou a importância do momento por que passa o Brasil, com sua Comissão da Verdade, instituída pelo governo Dilma Rousseff, e agora com a Comissão Estadual da Verdade.

O governador Tarso Genro falou antes de Garzón e, claro, rendeu-lhe homenagens. Depois delas, focou nas críticas ao que chamou de “movimento de conservação da obscuridade”, em reação à vontade do governo Lula de examinar sua história. Citou os dois argumentos mais usados por esse pessoal, e aí já incluiu a mídia como veiculadora dessas ideias. Primeiro, a ideia de que qualquer olhar para o passado seria revanchismo. Balela, o que o governo queria, segundo o ex-ministro, era um julgamento profissional. “Não é revanchismo porque nós não vamos torturá-los, matá-los, humilhá-los”.

O segundo argumento, “de cinismo absoluto”, convence muita gente pouco informada por aí. É o de que é preciso investigar e punir os dois lados. Ou seja, julgar mais uma vez aqueles que lutaram contra a ditadura e que já foram julgados por ela. “Julgados, processados, torturados e mortos”, enfatizou o governador.

Essa história sempre me faz subir o sangue, de modo que tenho que acrescentar mais uma observação ao que já disse Tarso. Quem pegou em armas nos anos 1960, 70 e 80, o fez porque vivia um regime de exceção, de perseguição, de tortura, exílio, assassinato. O fez como reação, não porque curtia uma lutinha. E o fez sem o poder e a legitimidade do Estado nas costas. Sem a lei a seu favor. Sem exército a lhe defender. Dá pra colocar no mesmo saco, hein?

Além de Tarso, Garzón e Alfonsin, falaram também a ministra da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e o ministro do Superior Tribunal de Justiça e coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Gilson Dipp.

Um país tem que conhecer sua história!

Maria do Rosário: “O Brasil vive uma travessia para uma nação de direitos humanos. Na luta contra a ditadura decidimos pelo caminho da democracia, e essa é uma decisão inarredável da sociedade brasileira, do povo brasileiro e das instituições nacionais.”

Gilson Dipp: “Estamos vivendo um redimensionamento da sociedade brasileira frente ao seu passado, ao seu presente e certamente ao seu futuro.”

“Nenhuma sociedade afirma-se como democracia se não estiver em paz com a sua consciência e conhecendo a sua história.”

Fotos: Camila Domingues e Caco Argemi/Palácio Piratini

Por um país com dignidade

Comments (1)

  1. É bom ler esse texto. Não somos revanchistas porque revanchismo é coisa de derrotados e somos vencedores porque derrubamos uma ditadura e somos parte construtora da democracia. Eles são revanchistas porque foram derrotados e não tem mais seus porões para nos torturar e matar e isso é duro para eles.
    Tenho muito orgulho de nós, tenho orgulho daquele que veio de uma ditadura de Franco e solta as asas da liberdade.
    Pena que foi tão longe, gostaria de estar presente para poder aplaudir.
    lays

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