“United Fruit Company”

 Por Mauro Costa

O poeta e militante comunista chileno Pablo Neruda escreveu uma poesia muito legal sobre a partilha do mundo pelas grandes empresas monopolistas, mas antes, um pouco do contexto…

Até 1822, o Brasil era uma colônia de Portugal. Mas Portugal era, desde a assinatura do Tratado de Methuen (1703) uma colônia da Inglaterra. Esse subcolonialismo, além de obrigar os brasileiros a sustentar duas metrópoles, permitiu – após a transferência da corte portuguesa para cá por ordem de Londres, em 1808 – a infiltração direta do imperialismo britânico em nosso território.“Fazer do Brasil um empório para as manufaturas britânicas destinadas ao consumo de toda a América do Sul” – foi a instrução do primeiro-ministro Canning ao embaixador Strangford à época. Nos anos subsequentes à independência, a Inglaterra, para cumprir este objetivo, cooptou praticamente toda a classe política nativa.

As classes dominantes do Brasil, Argentina e Chile assumiram o posto de intermediários da dominação anglo-ianque sobre o resto do continente, atuando contra seus próprios povos e também contra os da Bolívia e Paraguai. A partir da metade do século XX, Argentina e Chile acompanham a decadência britânica, enquanto a classe dirigente brasileira associa-se ao imperialismo estadunidense e transforma o país em elo principal da corrente que aprisiona a América do Sul aos desígnios de Washington.

Em suas etapas anteriores, esse processo teve um alto custo em sangue. Primeiro, com o esmagamento do Paraguai. Depois, com o terrorismo de Estado que garantiu a imposição dos interesses dos monopólios internacionais sobre as economias latino-americanas nos anos 60-70. Cabe perguntar quem serão as vítimas de agora, e a chave da resposta talvez esteja um pouco longe da área habitual de atuação do subimperialismo.

Em 1965, exércitos sul-americanos encabeçados pelo Brasil intervieram na República Dominicana em nome da OEA para sufocar o levante popular liderado pelo coronel Francisco Caamaño. Além de paparicar o setor americanófilo das forças armadas brasileiras, seduzido pela perspectiva de desempenhar um papel de relevo na “segurança hemisférica”, os EUA usaram a invasão como ensaio para a brutal repressão dos anos seguintes às guerrilhas latino-americanas.

Em seu livro Bolívia: com a Pólvora na Boca (São Paulo, Brasiliense, 1981), Chiavenatto reproduz declarações do general brasileiro Hugo Bethlem ao Jornal do Brasil de 21/06/1971: “é preciso transformar, por determinado tempo, nações como a Bolívia em uma espécie de protetorado”. Bethlem seria um dos responsáveis pela preparação do golpe que depôs o governo progressista do general Juan José Torres neste país.

Numa série de países da América Central o imperialismo norte-americano impôs arrogantemente tiranos locais como chefes de estado ditatoriais que permitiram que companhias tão odiadas e desprezadas como a Coca Cola ou a United Fruit Companysaqueassem as economias. E é como Che Guevara chegou a comentar certa vez, “… os países não eram autênticas nações, mas estâncias privadas”.

O imperialismo norte-americano criou o Panamá, governando-a como um estado cliente para manter o controle do canal que havia construído com motivos comerciais e interesses estratégicos. A Nicarágua foi governada durante 30 anos pela ditadura corrupta de Somoza. El Salvador foi governado por uma sucessão de ditaduras que pretendiam defender os interesses dos proprietários das plantações de café, e Honduras já foi virtualmente governada como um armazém da United Fruit Company.

Diversas atuações ilegais foram marcadas em sua história, como na Colômbia, em 1928, que diante dos protestos dos trabalhadores agrícolas exigindo melhorias nos trabalho, a companhia ordenou às autoridades locais a reprimir a manifestação a tiros, assassinando truculenta e impunemente muitos manifestantes. É o que hoje é conhecido como Massacre das Bananeiras.

Em 1954, na Guatemala, quando Jacobo Arbenz Guzmán tentou aplicar uma lei moderada a favor da expropriação das grandes propriedades, e depois as indenizaria com bônus a longo prazo, foi deposto por Carlos Castillo Armas, graças a colaboração do governo de Washington. Se deu um conflito brutal já que Allen Dulles, diretor da CIA, era advogado da United Fruit Company. Muitos dos empregados governamentais tinham interesses privados na empresa.

Em Cuba era uma das empresas que controlavam a produção de açúcar e foram expulsos em 1959, por trás da revolução cubana que um ano mais tarde, em 1 de janeiro de 1960, nacionalizaria todas as suas possessões.

Em 1969 foi comprada por Zapata Corporation, empresa relacionada com George H. W. Bush. A empresa modificou sua razão social para Chiquita Brands International Inc. e até hoje opera com esse nome.

Em 2007, Chiquita Brands enfrentou um julgamento nos EUA por haver financiado grupos paramilitares na Colômbia que foram responsáveis pelo massacre de sindicalistas e camponeses. A companhia teve que pagar multa às autoridades de seu país, agoras as autoridades colombianas buscam cooperação dos EUA para que extraditem os funcionários responsáveis por esses delitos e sejam julgados no país.

Em 1941, o escritor costarriquenho Carlos Luis Fallas escreveu a novela Mamita Yunai que não foi publicada de maneira comercial, mas circulou entre os grupos de trabalhadores das plantações bananeiras através de edições caseiras financiadas pelo próprio autor. Neste texto, que não foi escrito com a intenção de ser uma história de ficção, o autor denunciava a exploração que os empregados e funcionários da companhia (costarriquenhos e norte-americanos) faziam com os trabalhadores bananeiros. Uma das denúncias mais fortes se relaciona com o tratamento que os capatazes da companhia davam aos trabalhadores que faleciam durante o trabalho: em vez de enterrar os corpos no cemitério onde faleciam, obrigavam os demais a enterrar os corpos lá mesmo na plantação, para que “servisse de adubo para a bananeira”.

O impacto da United Fruit Company foi tanto que Pablo Neruda se inspirou nela para criar um poema com o título da companhia, “La United Fruit Co.”. Esse poema está em Canto General, mais especificamente em V. La arena traicionadaII. Las oligarquías.

A United Fruit Company pode simbolizar a exploração do continente pelo imperialismo. E o poeta chileno Pablo Neruda escreveu um poema irônico, que reflete os sentimentos da América Latina sobre sua dominação imperialista:

Quando soou a trombeta, ficou tudo preparado na terra, e Jeová repartiu o mundo entre Coca Cola Inc., Anaconda, Ford Motors, e outras entidades: A companhia frutera Inc., reservou para si o mais suculento, a costa central de minha terra, a doce cintura de América …

O poema de Neruda continua denunciando a companhia por criar o “Reino Tirânico das Moscas”, os ditadores da América Central: Trujillo, Tachos, Ubico, Martínez, Garias, “o domínio sangrento das moscas”.

Do mesmo modo as práticas da United Fruit Company foram retratadas na novela Cien Años de Soledad, de Garcia Márquez, que a associa com a negação de direitos sindicais e o clientelismo político.

La United Fruit Co.

Pablo Neruda

Cuando sonó la trompeta, estuvo
todo preparado en la tierra,
y Jehová repartió el mundo
a Coca-Cola Inc., Anaconda,
Ford Motors, y otras entidades:
la Compañía Frutera Inc.
se reservó lo más jugoso,
la costa central de mi tierra,
la dulce cintura de América.
Bautizó de nuevo sus tierras
como “Repúblicas Bananas,”
y sobre los muertos dormidos,
sobre los héroes inquietos
que conquistaron la grandeza,
la libertad y las banderas,
estableció la ópera bufa:
enajenó los albedríos
regaló coronas de César,
desenvainó la envidia, atrajo
la dictadura de las moscas,
moscas Trujillos, moscas Tachos,
moscas Carías, moscas Martínez,
moscas Ubico, moscas húmedas
de sangre humilde y mermelada,
moscas borrachas que zumban
sobre las tumbas populares,
moscas de circo, sabias moscas
entendidas en tiranía.

Entre las moscas sanguinarias
la Frutera desembarca,
arrasando el café y las frutas,
en sus barcos que deslizaron
como bandejas el tesoro
de nuestras tierras sumergidas.

Mientras tanto, por los abismos
azucarados de los puertos,
caían indios sepultados
en el vapor de la mañana:
un cuerpo rueda, una cosa
sin nombre, un número caído,
un racimo de fruta muerta
derramada en el pudridero.

Pablo Neruda, Canto General, 1950

A United Fruit Co.

Pablo Neruda

Quando soou a trombeta, ficou
tudo preparado na terra,
e Jeová repartiu o  mundo
entre a Coca-Cola, a Anaconda,
Ford Motors, e outras entidades:
a Companhia Fruteira Inc.
reservou para si o mais suculento,
a costa central de minha terra,
a doce cintura da América.
Batizou de novo suas terras
como “Repúblicas Bananas”,
e sobre os mortos adormecidos,
sobre os heróis inquietos
que conquistaram a grandeza,
a liberdade e as bandeiras,
estabeleceu a ópera bufa:
alienou os arbítrios,
presenteou coroas de César,
desembainhou a inveja, atraiu
a ditadura das moscas,
moscas Trujillos, moscas Tachos,
moscas Carias, moscas Martinez,
moscas Ubico, moscas úmidas
de sangue humilde e marmelada,
mas bêbadas que zumbem
sobre as tumbas populares,
moscas de circo, sábias moscas
entendidas em tirania.

Entre as moscas sanguinárias
a Fruteira desembarca,
arrasando o café e as frutas,
em seus barcos em que deslizaram
como bandejas o tesouro
de nossas terras submersas.

Enquanto isso, pelos abismos
açucarados dos portos,
caíam índios sepultados
no vapor da manhã:
um corpo roda, uma coisa
sem nome, um número caído,
um ramo de fruta morta
derramada no monturo.

Tradução de Paulo Mendes Campos

Pablo Neruda. Canto Geral. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 192-193.

A United Fruit Co.

Pablo Neruda

When the trumpet sounded, everything
on earth was prepared
and Jehovah distributed the world
to Coca Cola Inc., Anaconda,
Ford Motors and other entities:
The Fruit Company Inc.
reserved the juiciest for itself,
the central coast of my land,
the sweet waist of America.
It re-baptized the lands
“Banana Republics”
and on the sleeping dead,
on the restless heroes
who’d conquered greatness,
liberty and flags,
it founded a comic opera:
it alienated free wills,
gave crowns of Caesar as gifts,
unsheathed jealousy, attracted
the dictatorship of the flies,
Trujillo flies, Tachos flies,
Carias flies, Martinez flies,
Ubico flies, flies soppy
with humble blood and marmelade,
drunken flies that buzz
around common graves,
circus flies, learned flies
adept at tyranny.

The Company disembarks
among the blood-thirsty flies,
brim-filling their boats that slide
with the coffee and fruit treasure
of our submerged lands like trays.

Meanwhile, along the sugared up
abysms of the ports,
indians fall over, buried
in the morning mist:
a body rolls, a thing
without a name, a fallen number,
a bunch of dead fruit
spills into the pile of rot.

Tradução de Jack Hirschman.

Mark Eisner’s anthology The Essential Neruda: Selected Poems (2004), pages 95-97.

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