Marinha impede acesso do Bando de Teatro Olodum no Rio dos Macacos

Grupo iria fazer leitura de texto que simboliza resistência das mulheres.
Marinha diz ser necessária autorização prévia para entrada no território.

Membros do “Bando de Teatro Olodum” tiveram acesso negado pela Marinha do Brasil ao território “Rio dos Macacos”, ocupado por remanescentes quilombolas, situado em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador. A tentativa ocorreu na manhã de domingo (8), dia em que foi planejada a leitura de um texto do autor e diretor Márcio Meirelles, intitulado “Candaces, a Reconstrução do Fogo”. O órgão justifica que equipes fazem o controle da movimentação de pessoas e veículos já que, como área militar, o acesso é restrito, segundo nota divulgada nesta segunda-feira (9).

O acesso ao quilombo pode ser feito por dois caminhos. Um deles, que despista o monitoramento da Marinha, é considerado “ilegal”. As cerca de 15 pessoas do grupo teatral optaram por percorrer o caminho oficial, quando se depararam com a barreira. Não houve conflito entre artistas e militares, de acordo com as partes. A área é disputada judicialmente pela Marinha, que pede a posse da terra em uma ação demandada no ano de 2009. A ação que seria executada em março deste ano foi suspensa por cinco meses para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) finalize um relatório técnico sobre o tempo de ocupação da área e os indícios de senzala, como foi reconhecido pela Fundação Cultural Palmares.

Márcio Meirelles relata que o texto escolhido retrata a história das rainhas guerreiras egípcias para  representar a resistência das mulheres negras. “Elas viveram na época dos faraós, comandavam o exército, reinavam, eram chefes de estado e venceram batalhas, inclusive contra os romanos. Pego essas mulheres como símbolo da luta da mulher negra brasileira, que são guerreiras, defendem os seus filhos. Tem muitas mulheres que lutam e mantêm aquilo ali [Rio dos Macacos]. Essa história matriarcal no negro é incrível”, afirma o diretor.

O grupo marcou reunião com o comando da Marinha na terça-feira (10) com objetivo de conseguir a autorização para entrar no território. “Não foi premeditado e nem provocação. Não pedimos autorização porque não cabia no pensamento ter que pedir para fazer a leitura de um texto, ainda que ele tenha conotação política”, afirma.

Na nota, a Marinha diz que todos os moradores que se deslocam pela Vila Naval da Barragem são cadastradas pelo órgão e monitorados no portão, da mesma forma como ocorre com os familiares dos militares. Por fim, acrescenta que “todas as pessoas que desejam ingressar na Vila Naval da Barragem, que não sejam os moradores cadastrados, devem ser submetidas à triagem para o acesso, o qual poderá ser autorizado após a identificação da finalidade da visita e do cumprimento das medidas de segurança previstas”.

Defensoria diz que dona Maurícia dos Santos, 111 anos, moradora mais velha, sofreu repressão da Marinha (Foto: Cathy Rodrigues/Defensoria Pública)

Repressão
As denúncias de repressão aos residentes do quilombo são foco de ação do Ministério Público Federal (MPF-BA). A Procuradoria direcionou recomendação ao Comando do 2º Distrito Naval da Marinha no dia 1° de junho, com o intuito de coibir “constrangimento físico e moral” aos remanescentes de escravos.

No último conflito ocorrido na localidade, a líder da comunidade, Rosimeire dos Santos, conta que marinheiros que acompanharam o oficial de Justiça – que entregou a decisão da Justiça, que proibiu a reconstrução de casas – foram violentos. “Eles vieram entregar o documento sem avisar, de surpresa. Chamaram meu irmão de vagabundo, derrubaram no chão, com a arma estalada para atirar. Meu irmão estava com uma pessoa ao telefone e entregaram o documento do juiz Evando Reimão dos Reis”, relata.

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou atuação do comando frente a qualquer tipo de constrangimento “moral e físico” contra quilombolas, expedida no dia 1° de junho. A Marinha deve se posicionar a respeito das providências que serão tomadas para investigar os casos e aplicar medidas disciplinares aos envolvidos. A Defensoria Pública do Estado afirma que 46 famílias residem atualmente no local, ocupado há pelo menos 150 anos.

Antiga fazenda
Vilma Reis, presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra da Bahia (CDCN-BA), explica que a área em que hoje vivem as famílias de quilombolas era fazenda há 238 anos. Segundo ela, em 1972 foram retiradas do local 57 famílias, época em que a Vila Naval foi construída. “Até hoje essas famílias expulsas estão encostadas no muro, porque nunca perderam o vínculo com a comunidade”, disse.

Uma das casas, com parede de barro, no quilombo (Foto: Cathy Rodrigues/Defensoria Pública)

Vilma Reis retrata que a fazenda pertencia à família Martins, por décadas dona de grande parte do território do recôncavo baiano, mas que abdicou da propriedade de São Tomé de Paripe com a decadência do açúcar.

“Foram se envolver em outras atividades, mas os quilombolas permaneceram no local. Se for lá, ainda vê os restos de fazenda, das correntes e de todo o material que servia para a tortura [dos escravos]. O laudo da Marinha mostra totalmente o contrário”, descreve.

http://g1.globo.com/bahia/noticia/2012/07/marinha-impede-acesso-do-bando-de-teatro-olodum-no-rio-dos-macacos.html

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