O depoimento dos índios Suruís sobre a Guerrilha do Araguaia

Os Suruís, do sul do Pará, habitantes da região do Araguaia e Sororó, sofreram uma era de terror, na década de 1970, quando os guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil montaram uma base na região. A versão oficial que é divulgada dá conta dos índios como bate-paus, guias, dos militares que combateram os guerrilheiros, ajudando a esquartejar corpos, enterrar as partes. Agora, os mais jovens estão resgatando a história de seu povo

Najar Tubino

Rio de Janeiro – Essa é mais outra história traumática sobre o período da ditadura. Os Suruís, do sul do Pará, habitantes da região do Araguaia e Sororó, até a década de 1960, quando o antropólogo Rock Laraia, fez os primeiros contatos, sofreram uma era de terror, na década de 1970, quando os guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil, montaram uma base na região. A versão oficial que é divulgada dá conta dos índios como bate-paus, guias, dos militares que combateram os guerrilheiros, ajudando a esquartejar corpos, enterrar as partes, enfim, estavam ao lado dos militares.

Agora os mais jovens, que participam de um Conselho da Juventude, com todas as tribos da região de Marabá – Sorte, Xicrin, Guarani, Guajajara, Assurinin, entre outros -, estão resgatando a histórias de seus povos, da destruição e tomada de seus territórios, e da destruição das suas culturas.

No caso Suruí, das aldeias So’ó e Itamy, cerca de 490 pessoas, morando perto de São Geraldo do Araguaia, com um trecho da BR-153, cortando os 26 mil hectares da reserva, a situação é bem complicada. Trechos da reserva, com cemitérios antigos e onde faziam suas danças e produziam matérias para suas atividades, foram loteadas pelo INCRA, transformada em assentamentos. Outra parte foi ocupada por fazendeiros. São 11 mil hectares ocupados, deixando espaço para invasores, local de descarga de lixo, inclusive hospitalar, que estão contaminando os igarapés, onde eles pescam.

Uelton John Suruí é um cacique, filho de Tibakw, criado em São Paulo, retornou à reserva no momento em que os militares chegaram de helicóptero e cercaram a aldeia. Não foi o caso de um seqüestro, foi coletivo. Ninguém da aldeia podia sair pelo mato. Nem as crianças. Tibakw não permitiu que os militares transformassem a aldeia na base de ação contra a guerrilha. Deslocaram-se para uma área chamada de Bacaba, onde hoje existe a vila Santana.

No começo da história dos Suruís, um funcionário do Serviço de Proteção ao Índio (órgão anterior a FUNAI), atuava como o chefe do posto, na verdade era um militar infiltrado. Convenceu os índios de que alguns amigos dele procuravam algumas pessoas no mato. Quando o Exército teve as coordenadas gerais da localização, baixou em peso na aldeia. Obrigou Tibaw, que tinha feito um curso de enfermagem, a pegar uma arma e seguir com o pelotão de enfrentamento.

Os militares descobriram que o índio cacique havia se alistado no Rio de Janeiro, antes de voltar ao Araguaia. A partir daí o terror foi implantado. Mulheres foram estupradas, os Suruís desconfiam que até o tipo étnico característico de eles mudou. Os pais são altos, fortes, os filhos bem mais baixos. Existem vários casos de descendentes com sangue branco, uma miscigenação empurrada goela baixo.

A situação era muito simples de imaginar: em plena era da Lei de Segurança Nacional, cercados de mato, longe de qualquer contato, com pouca convivência com brancos, os Suruís passaram por um período negro. Comeram carne crua de caça, ou até mesmo, de jaboti. Não podiam fazer fogo. As crianças não podiam brincar, ou fazer barulho. As mulheres foram usadas porque não havia prostitutas disponíveis no mato.

Táxi um dos 14 sobreviventes, dos combatentes do Araguaia, como eles foram definidos, sem saber em que guerra estavam metidos. Foram oficialmente 18 guias. Quatro já morreram. Tawé disse aos mais jovens que eles apanham em fila, para comer carne crua. Um deles, do grupo de 14, está perturbado mentalmente, outro está surdo. Nenhum deles gosta de falar. Mesmo para os descendentes mais jovens. O antropólogo Orlando Calheiros, presente na entrevista, morou 18 meses com os Suruí. Esta fazendo a sua tese de doutorado para o Museu Nacional , que deverá se chamar Sapura-hay, a dança do povo.

Os Suruís tem canção para todas as suas atividades cotidianas, inclusive na alegria e na tristeza. Eles eram conhecidos por ser um “povo de cantores”. Isso na região mais violenta da Amazônia que é o sul do Pará. Uma região que foi desmantelada em termos de direitos e de legislação, de garantias, de funcionamento do Ministério Público, tanto estadual como federal. A herança da ditadura está presente ainda hoje no povo da região, principalmente quem teve alguma ligação com a Guerrilha do Araguaia.

Foi criada a Associação dos Torturados em São Domingos, onde os índios tentam uma reparação contra o que sofreram durante esse período. Uelton John Suruí e seu irmão Clelton, estão na Rio+20 deram o depoimento para CARTA MAIOR. A responsabilidade do movimento agora é deles. Os mais velhos estão cansados e não querem falar. A não ser que fossem ouvidos por autoridades reconhecidas, como a Comissão da Verdade, que vai repassar o período da ditadura, mas ainda não tocou no assunto dos indígenas.

Não somente Suruís, mas também Waimiri-atroaris e Araras, somente dois outros exemplos de aldeias que estavam no caminho de estradas abertas pelo Exército, como no caso da Manaus Caracaraí e na Transamazônica.

“Nós ficamos sem nada, conta Uelton. Nossa terra, nossa cultura, invasão, hoje em dia até corpos são jogados na nossa área, contaminação dos igarapés. Na verdade nós vivemos ameaçados por fazendeiros, com queimadas no verão. Não podemos andar à vontade no mato, nem armados, porque a região é muito tensa. Queremos reparar essa situação. Queremos indenização pelo que sofremos. Ou então vamos fechar a estrada.”

A BR-153 já foi fechada em fevereiro. Os índios deram prazo de 90 dias para o governo do Pará e o governo federal se pronunciarem. Querem cercar, pelo menos, um trecho da estrada, porque os animais da região estão morrendo atropelados. Os Suruís ainda caçam e pescam. No dia 25 de junho está marcado novo bloqueio. Os índios que participam da Rio+20 estão preocupados porque o ônibus deles quebrou. Levaram três dias e meio para chegar ao Rio.

Entre 2009-2010, uma advogada do Centro de Direitos Humanos, que eles não lembram o nome, procurou a comunidade, porque o pai dela, um cubano foi morto no Araguaia, e seu corpo nunca apareceu. Logo que essa informação vazou no Pará, apareceu um coronel com um aparato militar, querendo que Tibakw mostrasse o local, ou os locais, onde existem vestígios de corpos. Alguns já foram retirados, dizem os índios, em outras covas, o que ficou são partes de esqueletos.

Como a época mudou, os Suruís não concordaram. Mesmo assim, pagando um rancho para outra liderança, os militares cavaram em algumas áreas. Uelton e Clelton, os filhos de Tibakw, que ainda está vivo, é um dos 14, sabe onde estão enterrados os vestígios. O pai mostrou o local para eles.

“Mas nós só vamos mostrar se repararem o que sofremos. Queremos nossa terra – TUAPEKUA KWAWERA – e o direito de falarmos. Até hoje, tudo o que saiu sobre a Guerrilha do Araguaia não teve a participação dos Suruís, e temos muitos dos nossos parentes, meus tios, meu avô que participaram de tudo. Meu pai sempre me disse que não era para contarmos, porque um dia essa história ia ajudar o nosso povo. Queremos nossa terra para manter a vida do nosso povo”, reforçaram por mais de uma vez os dois filhos de Tibakw.

Pedi para eles anotarem alguns dos nomes dos participantes da guerrilha que ainda vivem nas duas aldeias Suruí. São eles: Tibakw, Umassú, Warny, Mikwá, Mittó, Jawara’á,Waywera, Morrahy, Apy, Tiremé, Tawé.

Muitos deles não conseguem nem ver alguém desossando um porco do mato, tirando a pele, ou cortando a cabeça de uma galinha. Orlando Calheiros lembra que o índice de câncer de estômago e pâncreas, entre os Suruís é quatro maior vezes a média do estado, por isso desconfia que estejam jogando lixo hospitalar na região.

O grupo dos jovens estuda no Instituto Federal do Pará, ficam 15 dias em Marabá e voltam, permanecendo outros 20 na aldeia, onde repassam os ensinamentos aos outros membros da comunidade. Estão estudando Agroecologia, num curso de 3,5 anos. Outros sete, vão completar o curso superior no mesmo tema. Agora o assunto está em discussão. A hora é da verdade, completa, não só um pedaço.

http://www.famalia.com.br/?p=14767

Enviada por José Carlos.

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