WikiLeaks, Equador e liberdade

Tadeu Breda

O criador do WikiLeaks, Julian Assange, pediu asilo político à embaixada do Equador em Londres, no Reino Unido. Quem confirma a informação é o próprio chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, por meio de sua conta no Twitter. O pequeno país andino analisa a requisição do ativista australiano que em 2010 possibilitou o vazamento de 250 mil telegramas diplomáticos dos Estados Unidos em sua luta por transparência. Gerou algumas crises, impactou as relações internacionais e, sobretudo, desagradou Washington.

No Equador, as revelações do Wikileaks fizeram com que o presidente Rafael Correa expulsasse a embaixadora norte-americana no país, Heather Hodges. A diplomata recusou-se a pedir desculpas ou dar explicações sobre algumas acusações de corrupção dirigidas a um alto funcionário da polícia equatoriana que vazaram junto com o lote de telegramas confidenciais. As ameaças que Assange começava a sofrer desde então fizeram com que o jornalista — naquela época vice-chanceler do Equador — Kintto Lucas sondasse a possibilidade oferecer-lhe asilo político no país.

Rafael Correa, porém, foi rápido ao desautorizar seu funcionário. “Al director de Wikileaks no se la ha hecho ninguna propuesta formal. Esa fue una declaración personal del vicecanciller, que no ha tenido mi autorización”, esclareceu o presidente. “Pese a que Estados Unidos creo que cometió un gran error, jamás a apoyaremos el rompimiento de la ley en un país, así éste haya actuado equivocadamente y haya destrozado la confianza de los países aliados.”

Nada mais lógico para um chefe de Estado que exige respeito à soberania de seu país respeitar também a soberania dos outros. De lá pra cá, porém, muita água passou por debaixo da ponte. Julian Assange permaneceu todo esse tempo em prisão domiciliar no Reino Unido, aguardando o julgamento de sua extradição para a Suécia pela Corte britânica. O fundador do WikiLeaks teria cometido crimes sexuais contra duas suecas em 2010.

“Assange manifiesta en su carta, que hasta hoy no hay una acusación formal ni cargos por ningún delito en ningún país del mundo”, escreveu o chanceler Ricardo Patiño, já adiantando as razões que provavelmente fundamentarão o pedido de asilo do australiano. “Julian Assange dice haber recibido amenazas de muerte, bloqueo financiero extrajudicial y posibilidad de ser entregado a autoridades de USA.”

Na mansão que se encontrava até hoje — agora está protegido na embaixada do Equador –, Assange conduzia um programa de entrevistas com grandes figuras da política internacional chamado The World Tomorrow. Um dos convidados foi precisamente Rafael Correa, apresentado pelo anfitrião como um dos líderes mais destacados da América Latina agora que Lula e Hugo Chávez estão saindo de cena. A conversa aconteceu por videoconferência.

Há quem diga que o assunto “asilo político” havia sido mencionado nos bastidores do programa. São rumores. O certo é que o talk show se desenrolou em clima de descontração. Rafael Correa deu as boas-vindas a Assange, que entrara no seleto grupo de perseguidos políticos, ao que o criador do WikiLeaks recomendou: “Não vá ser assassinado, hein?!”

Mas diplomacia é coisa séria, e o Equador fez questão de garantir à comunidade internacional que não está se imiscuindo na Justiça alheia. Como recebeu um pedido de asilo, o país se diz na obrigação de analisá-lo. É o que está fazendo agora. Caso aceite a requisição de Julian Assange, não será a primeira vez que as autoridades equatorianas abrem as portas do país para estrangeiros em fuga. O Equador abriga cerca de 54 mil refugiados: a imensa maioria são colombianos ameaçados pela guerra civil que assola algumas regiões do país desde os anos sessenta.

Essa receptividade concedeu ao Equador o título de nação que mais recebe refugiados em toda América Latina. Por isso, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) lançou há pouco uma campanha chamada “Gracias, Ecuador” pelo apoio do país à causa. Inclusive o chefe da ACNUR, Antonio Guterres, acaba de realizar uma visita oficial a Quito.

A nova Constituição equatoriana, aprovada em 2008, também deixa bastante clara a vocação do país em proteger refugiados e asilados. Em seu artigo 41, a Carta diz: “Se reconocen los derechos de asilo y refugio, de acuerdo con la ley y los instrumentos internacionales de derechos humanos (…) El Estado respetará y garantizará el principio de no devolución, además de la asistencia humanitaria y jurídica de emergencia.”

Em seu Twitter, o chanceler equatoriano escreveu: “La libertad de expresión ahora se pone en discusión en el más alto nivel. No tememos estar donde las papas queman. Y enfrentar lo necesario.” Talvez o asilo a Julian Assange, caso seja concedido e para além dos pepinos diplomáticos que possam acarretar, venha a calhar ao governo equatoriano. Rafael Correa tem sido sistematicamente acusado pelos grandes jornais do país, pela Sociedade Interamericana de Imprensa e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos como um cerceador da liberdade de expressão.

O presidente nega, e diz combater apenas os abusos, crimes e injúrias cometidos pelos grandes veículos em nome da liberdade de imprensa. Lembra que algumas empresas midiáticas pertencem a grandes banqueiros e que a Constituição aprovada em 2008 proíbe a posse cruzada dos meios de comunicação. Por isso, está lutando para emplacar no Equador uma Ley de Medios que dividirá igualmente o espectro radioelétrico entre poder público (nacional, provincial, cantonal e paroquial), iniciativa privada e organizações comunitárias, populares e movimentos sociais.

Eis o xis da questão: quem poderá chamá-lo de inimigo da liberdade de expressão e da livre circulação de ideias se seu governo concede asilo político ao homem que, justamente por escancarar informações confidenciais e relevantes ao mundo, sofre perseguições do Estado supostamente mais democrático da Terra?

À conjuntura política do momento, some-se a já amplamente conhecida combatividade de Rafael Correa à história de desrespeito que os Estados Unidos tiveram com a América Latina, seja patrocinando golpes, seja (no caso equatoriano) financiando serviços de inteligência e pagando salários extraoficiais para policiais e militares em troca de segredos estratégicos. Tudo parece se casar perfeitamente, e Kintto Lucas, desautorizado em 2010, comemora as voltas que a vida dá. “Parece chiste pero no es. En lo de Assange el tiempo me sigue dando la razón”, escreveu no Twitter, talvez cedo demais.

“Julian Assange, de Wikileaks, manifiesta que quiere continuar su misión en un territorio de paz y comprometido con la verdad y la justicia”, segue Ricardo Patiño, citando trechos da carta apresentada pelo criador do WikiLeaks ao governo equatoriano. “Estamos dispuestos a defender principios, no intereses mezquinos. Y peor a culpables de tantos hechos execrables.”

Resta saber se, uma vez exilado no Equador, Julian Assange realmente terá a plena liberdade que a Constituição do país lhe garante. Ou se poderá revelar sem maiores problemas informações verídicas contrárias a Rafael Correa caso existam — e caiam em suas mãos. Nunca é demais lembrar que os Estados não têm amigos: têm interesses. E os interesses mudam como se muda de cueca.

http://www.latitudesul.org/2012/06/20/assange-equador-e-liberdade/

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