Os camponeses pertencem ao movimento dos sem terra, chamados de “carperos”, que faz alusão aos barracos de lonas pretas utilizadas nos acampamentos. A organização dos “carperos” tem três anos de existência e surge quase ao mesmo tempo do que o governo do presidente Fernando Lugo, com a intenção de exercer uma maior pressão sobre o governo em busca da reforma agrária. O governo do ex-bispo utilizou de forma oportunista o novo movimento para projetar uma pretensa imagem popular ao manter como interlocutor ao movimento campesino paraguaio em busca de resolver a injusta estrutura fundiária do país. Os “carperos”, sem se declarar “Luguistas” partiram para ações mais diretas na esperança de que o governo iria dar respostas para eles perante os poderosos fazendeiros aos que se enfrentavam. Até o momento, foi todo o contrário. Importante esclarecer que no país existem outras organizações camponesas históricas, como a Federação Nacional Campesina (FNC), a mais forte e de oposição frontal ao governo Lugo; e o Movimento Campesino Paraguaio (MCP); a Mesa Coordinadora de Organizaciones Campesinas (MCNOC); a Coordinadora Nacional de Mujeres Indígenas e Campesinas (CONAMURI); todas elas mantendo uma postura de apoio condicionado ao Lugo.
O dono da fazenda Campos Morombí, onde aconteceram os fatos, é um dos donos do Paraguai. Blas N. Riquelme é um oligarca que ficou poderoso na época da ditadura militar, dono de terras griladas, de grandes latifúndios em várias regiões do país; se fez rico com a evasão de impostos e a corrupção. Homem do Partido Colorado, em representação do qual foi Senador da República. Segundo a Direção Geral da Verdade, Justiça e Reparação da Defensoria do Povo do Paraguai, a Fazenda Morombí foi cedida de forma irregular ao referido latifundiário. Com tudo isso, o governo do Lugo foi incapaz de recuperar a terra para fins da reforma agrária.
Depois do massacre, o governo exonerou o ministro do interior, Carlos Filizzola, (socialdemocrata); e colocou no seu lugar o Rubén Cándia Amarilla, do Partido Colorado, com o qual o Lugo deu uma nova mensagem contrária aos interesses populares, cedendo mais uma vez à direita, desta vez para agradar e acalmar ao partido fascista da ditadura, seu principal adversário eleitoral. Até a “esquerda luguista” ficou contrariada, ao considerar o Cándia Amarilla como “repressor de camponeses”. Com o novo ministro só se espera mais abusos e arbitrariedades contra o movimento camponês. Quando o mesmo foi máximo representante do Ministério Público paraguaio apoiou a criminalização da luta camponesa; e, agora, como novo Ministro do Interior, já falou que vai ser implacável com os “assassinos” (de policiais), ou seja, contra os membros da organização dos 13 camponeses massacrados.
Enquanto a mídia do Paraguai acusava aos camponeses de “assassinos”, “terroristas” e o Lugo reafirmava sua defesa às “leis da República”, e os policiais considerados como únicas vítimas e heróis, os corpos dos camponeses foram sequestrados e vários morreram ser serem socorridos. Mais do que nunca o governo “progressista” de Lugo reanimou aos partidos e as organizações de direita, pois, estes agora o acusam como único responsável pelo massacre, tentando tirar o maior proveito político da situação. Porém, Lugo é responsável, sim, fundamentalmente, porque não fez avançar a reforma agrária e por não quebrar a obsoleta estrutura fundiária num país onde a extrema pobreza no campo é a mais grave em América Latina. O maior problema no campo paraguaio é o latifúndio, agora em plena consolidação com o agronegócio, o império da soja e o avanço do capital transnacional sobre o principal médio de produção do país: a terra.
Tanto setores do luguismo, como a direita tradicional e a oligarquia fascista do Paraguai, enxergam o fantasma do Exército do Povo Paraguaio (EPP) detrás dos “carperos”. A voz do “governo da mudança” em sintonia com os ricos do Paraguai faz com que os mais pobres dentre os pobres no país, os camponeses paraguaios, sejam levados à extrema criminalização, preconceito e intolerância; fogueiras alimentadas, sobretudo, pela mídia corporativa, cujos donos, todos, têm vínculos com a concentração de terra e com a especulação imobiliária.
Com a morte dos 13 camponeses sem terra, pertencentes a um movimento social de luta pela reforma agrária no Paraguai, o governo Lugo perde mais uma oportunidade de fazer justiça e a oligarquia latifundiária saiu ganhando. Ladrões de terra, como o dono da fazenda Morombí, o ex-ditador Stroessner e seus filhos, ou grileiros como os brasileiros Ulisses Rodrigues Teixeira e Tranquilo Favero (rei da soja), se fortalecem com a impunidade e a benção à criminalização da luta pela reforma agrária. Ao invés de enfrentar o problema como demanda a história de postergação dos pequenos agricultores paraguaios, o “governo de esquerda” de Fernando Lugo prefere achar que há “infiltrados” entre os camponeses.
O massacre na fazenda Morombí tem como antecedentes políticos importantes o envio em 2011, por própria iniciativa de Lugo, ao Congresso do Paraguai da Lei antiterrorista, na contramão das conquistas do movimento popular paraguaio. A lei foi aprovada rapidamente pela direita, maioria no Congresso. As lideranças dos movimentos populares que se opõem ao sistema oligárquico são perseguidas e como na época da ditadura a tortura de lutadores sociais é uma prática comum. O governo Lugo também promoveu na hierarquia policial e militar quadros acusados de terrorismo de Estado, pelo qual o Estado Paraguaio está no banco dos réus na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Cidh). Igualmente o governo do ex-bispo lançou uma propaganda em âmbito nacional e internacional, oferecendo recompensa (com dinheiro da Itaipu) para caçar refugiados políticos paraguaios que estão sob a proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Na OEA, o governo Lugo assumiu a defesa de torturadores e sequestradores de dirigentes do Partido Pátria Livre.
Enfim, o governo paraguaio se ocupa de muitas coisas, batendo contra os setores populares que assumem uma postura critica e lutam, consequentemente, como os camponeses mortos contra o latifúndio; e esquece-se de cumprir a promessa eleitoral de fazer a reforma agrária, sobretudo recuperando as terras roubadas na época da ditadura militar.
*Poeta, militante social e político, refugiado paraguaio no Brasil
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