Massacre no Paraguai: 13 Sem Terra mortos

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Na região de Curuguaty, departamento (Estado) de Canindeyú, onde a maior parte de seus quilômetros quadrados é latifúndio em mãos de ricos mafiosos do Paraguai e fazendeiros brasileiros e de outras nacionalidades estrangeiras foram massacrados 13 camponeses sem terra na sexta feira da semana passada. Na tentativa de despejar os sem terra, acampados numa fazenda, 6 polícias militares perderam também a vida ao se deparar com uma forte resistência de parte dos camponeses.

Os camponeses pertencem ao movimento dos sem terra, chamados de “carperos”, que faz alusão aos barracos de lonas pretas utilizadas nos acampamentos. A organização dos “carperos” tem três anos de existência e surge quase ao mesmo tempo do que o governo do presidente Fernando Lugo, com a intenção de exercer uma maior pressão sobre o governo em busca da reforma agrária. O governo do ex-bispo utilizou de forma oportunista o novo movimento para projetar uma pretensa imagem popular ao manter como interlocutor ao movimento campesino paraguaio em busca de resolver a injusta estrutura fundiária do país. Os “carperos”, sem se declarar “Luguistas” partiram para ações mais diretas na esperança de que o governo iria dar respostas para eles perante os poderosos fazendeiros aos que se enfrentavam. Até o momento, foi todo o contrário. Importante esclarecer que no país existem outras organizações camponesas históricas, como a Federação Nacional Campesina (FNC), a mais forte e de oposição frontal ao governo Lugo; e o Movimento Campesino Paraguaio (MCP); a Mesa Coordinadora de Organizaciones Campesinas (MCNOC); a Coordinadora Nacional de Mujeres Indígenas e Campesinas (CONAMURI); todas elas mantendo uma postura de apoio condicionado ao Lugo.

O dono da fazenda Campos Morombí, onde aconteceram os fatos, é um dos donos do Paraguai. Blas N. Riquelme é um oligarca que ficou poderoso na época da ditadura militar, dono de terras griladas, de grandes latifúndios em várias regiões do país; se fez rico com a evasão de impostos e a corrupção. Homem do Partido Colorado, em representação do qual foi Senador da República. Segundo a Direção Geral da Verdade, Justiça e Reparação da Defensoria do Povo do Paraguai, a Fazenda Morombí foi cedida de forma irregular ao referido latifundiário. Com tudo isso, o governo do Lugo foi incapaz de recuperar a terra para fins da reforma agrária.

Depois do massacre, o governo exonerou o ministro do interior, Carlos Filizzola, (socialdemocrata); e colocou no seu lugar o Rubén Cándia Amarilla, do Partido Colorado, com o qual o Lugo deu uma nova mensagem contrária aos interesses populares, cedendo mais uma vez à direita, desta vez para agradar e acalmar ao partido fascista da ditadura, seu principal adversário eleitoral. Até a “esquerda luguista” ficou contrariada, ao considerar o Cándia Amarilla como “repressor de camponeses”. Com o novo ministro só se espera mais abusos e arbitrariedades contra o movimento camponês. Quando o mesmo foi máximo representante do Ministério Público paraguaio apoiou a criminalização da luta camponesa; e, agora, como novo Ministro do Interior, já falou que vai ser implacável com os “assassinos” (de policiais), ou seja, contra os membros da organização dos 13 camponeses massacrados.

Enquanto a mídia do Paraguai acusava aos camponeses de “assassinos”, “terroristas” e o Lugo reafirmava sua defesa às “leis da República”, e os policiais considerados como únicas vítimas e heróis, os corpos dos camponeses foram sequestrados e vários morreram ser serem socorridos. Mais do que nunca o governo “progressista” de Lugo reanimou aos partidos e as organizações de direita, pois, estes agora o acusam como único responsável pelo massacre, tentando tirar o maior proveito político da situação. Porém, Lugo é responsável, sim, fundamentalmente, porque não fez avançar a reforma agrária e por não quebrar a obsoleta estrutura fundiária num país onde a extrema pobreza no campo é a mais grave em América Latina. O maior problema no campo paraguaio é o latifúndio, agora em plena consolidação com o agronegócio, o império da soja e o avanço do capital transnacional sobre o principal médio de produção do país: a terra.

Tanto setores do luguismo, como a direita tradicional e a oligarquia fascista do Paraguai, enxergam o fantasma do Exército do Povo Paraguaio (EPP) detrás dos “carperos”. A voz do “governo da mudança” em sintonia com os ricos do Paraguai faz com que os mais pobres dentre os pobres no país, os camponeses paraguaios, sejam levados à extrema criminalização, preconceito e intolerância; fogueiras alimentadas, sobretudo, pela mídia corporativa, cujos donos, todos, têm vínculos com a concentração de terra e com a especulação imobiliária.

Com a morte dos 13 camponeses sem terra, pertencentes a um movimento social de luta pela reforma agrária no Paraguai, o governo Lugo perde mais uma oportunidade de fazer justiça e a oligarquia latifundiária saiu ganhando. Ladrões de terra, como o dono da fazenda Morombí, o ex-ditador Stroessner e seus filhos, ou grileiros como os brasileiros Ulisses Rodrigues Teixeira e Tranquilo Favero (rei da soja), se fortalecem com a impunidade e a benção à criminalização da luta pela reforma agrária. Ao invés de enfrentar o problema como demanda a história de postergação dos pequenos agricultores paraguaios, o “governo de esquerda” de Fernando Lugo prefere achar que há “infiltrados” entre os camponeses.

O massacre na fazenda Morombí tem como antecedentes políticos importantes o envio em 2011, por própria iniciativa de Lugo, ao Congresso do Paraguai da Lei antiterrorista, na contramão das conquistas do movimento popular paraguaio. A lei foi aprovada rapidamente pela direita, maioria no Congresso. As lideranças dos movimentos populares que se opõem ao sistema oligárquico são perseguidas e como na época da ditadura a tortura de lutadores sociais é uma prática comum. O governo Lugo também promoveu na hierarquia policial e militar quadros acusados de terrorismo de Estado, pelo qual o Estado Paraguaio está no banco dos réus na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Cidh). Igualmente o governo do ex-bispo lançou uma propaganda em âmbito nacional e internacional, oferecendo recompensa (com dinheiro da Itaipu) para caçar refugiados políticos paraguaios que estão sob a proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Na OEA, o governo Lugo assumiu a defesa de torturadores e sequestradores de dirigentes do Partido Pátria Livre.

Enfim, o governo paraguaio se ocupa de muitas coisas, batendo contra os setores populares que assumem uma postura critica e lutam, consequentemente, como os camponeses mortos contra o latifúndio; e esquece-se de cumprir a promessa eleitoral de fazer a reforma agrária, sobretudo recuperando as terras roubadas na época da ditadura militar.

*Poeta, militante social e político, refugiado paraguaio no Brasil

Enviado pela CPT para http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=68011

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