Sem controle, invasores arriscam a própria vida e a de motoristas ao se instalar à beira de rodovias em Minas

O servente Flávio na janela da cozinha do barraco em que mora no Anel Rodoviário, em Belo Horizonte: uma carreta já atingiu o local antes de ele se mudar para lá

Só nas estradas federais, há em média um aglomerado a cada 46 quilômetros. Autoridades admitem dificuldades em fiscalizar e remover famílias

Mateus Parreiras

Bela Vista de Minas – O comerciante Rodrigo José Placídio, de 23 anos, quase morreu num acidente na BR-381, entre Belo Horizonte e Governador Valadares. Perdeu a vista esquerda e ficou com cicatrizes no maxilar e na coxa. A camisa que veste tem o retrato do amigo de infância Shueyner, de 20, morto há dois anos ao atropelar um cavalo criado em área invadida da estrada. Mesmo diante de tantas tragédias, Rodrigo alugou há seis meses um lote invadido na curva do quilômetro 439 da BR-381, em Bela Vista de Minas, na Região Central do estado. Abriu uma revenda de carros, que ficam expostos a menos de um palmo do acostamento, sobre a linha da valeta de drenagem.

A pouco mais de 100 quilômetros dali, no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o servente Flávio Soares da Silva, de 36, convive há um ano com o barulho de carros, caminhões e carretas. Ele se instalou em uma bifurcação da estrada com a companheira e outros dois amigos. O casebre de tijolos com seis metros quadrados foi ocupado depois que uma carreta desgovernada entrou na construção e a deixou em ruínas, forçando os antigos moradores a sair. “A gente veio do Bairro Santa Efigênia e não tem nem cama. Só colchões no chão, umas panelas e uma grelha para esquentar arroz e sopa”, conta. Sem controle e fiscalização eficiente, casos como o de Flávio e Rodrigo se repetem ao longo de estradas federais mineiras.

Só na BR-381, entre Belo Horizonte e Governador Valadares, há 18 áreas invadidas por famílias, comerciantes e criadores de gado. No conjunto de todas as BRs, segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), pelo menos 192 locais estão ocupados irregularmente por moradias, comércios, indústrias, pastos e criadouros de animais. Levando-se em conta os 8.965 quilômetros de estradas federais no estado, é como se houvesse um aglomerado de casas, barraquinhas de comércio, bares e criadouros a cada 46,7 quilômetros – distância menor do que os 51 quilômetros que separam a capital mineira de Brumadinho, na Grande BH. A BR-381 é a terceira via mais ocupada do estado, atrás das BRs 459 e 365 (veja números).

A ocupação clandestina das chamadas faixas de domínio – espaço mínimo livre de construções, de 15 metros a partir do acostamento – põe em risco tanto invasores como motoristas. Essas áreas servem de escape, de reserva de espaço para melhorias e reparos nas rodovias e ferrovias e também auxiliam na drenagem. Pior: as invasões podem ser mais numerosas. Segundo o Dnit, há invasões não registradas por serem muito antigas e estar em disputa judicial em processos abertos pelo extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (Dner). O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por sua vez, registra em áreas pertencentes a rodovias mineiras seis acampamentos de movimentos sociais com 422 famílias reivindicando terras. Já o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) informou ter 18 processos na Justiça sobre áreas invadidas.

Risco Autoridades alertam para o perigo dessas invasões. A porta-voz da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Minas Gerais, Fabrizia Nicolai, aponta que o trânsito de veículos, pessoas e animais por esses locais não sinalizados e preparados para isso tornam os trechos propensos a batidas e atropelamentos. “A travessia de pedestres e carros é problemática e os carros ainda param nos acostamentos”, alerta. Só no ano passado, o quilômetro 439 da BR-381, onde a revenda de Rodrigo Placídio está instalada, registrou oito pessoas feridas em quatro acidentes, uma delas atropelada. De acordo com a PRF, no entanto, a corporação pouco pode fazer além de tentar impedir obras clandestinas. “Uma vez que a pessoa ocupa o local, cabe à Justiça removê-la ou não”, diz.

O Dnit também não consegue evitar a ocupação nas áreas de domínio. “Tenho uma equipe de seis pessoas e um carro velho estragado. Como vou verificar e notificar invasões nas centenas de quilômetros sob nossa jurisdição?”, desabafa, na condição de anonimato, um funcionário de uma unidade regional do Dnit. Por meio de nota, a assessora da autarquia em Brasília classificou a situação de Minas como “das mais complicadas do Brasil”. “Para remover uma família da área de domínio, a Justiça e o Ministério Público exigem que se encontre uma outra moradia para o invasor”, informou a nota. O Dnit não se pronunciou sobre a falta de estrutura das diretorias regionais.

192 – É o número de invasões ao longo das BRs mineiras

35 – É o total de invasões na BR-459, campeã do estado

20 – É o número de BRs mineiras com invasões registradas

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/05/27/interna_gerais,296667/sem-controle-invasores-arriscam-a-propria-vida-e-a-de-motoristas-ao-se-instalar-a-beira-de-rodovias-em-minas.shtml#.T8IjYc27X5E.gmail. Enviada por José Carlos.

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