Manifesto contra a postura do Ministério das Cidades nas remoções em todo o Brasil

A preparação para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 tem motivado a realização de vultuosos investimentos em obras de infraestrutura e projetos de renovação e reestruturação urbanas das cidades-sede. O Rio de Janeiro, cidade que sediará ambos os megaeventos, já possui vários desses projetos em andamento. A requalificação urbana de algumas regiões da cidade somada à pressão para cumprir parâmetros nunca publicizados pelos comitês organizadores, tem demandado a remoção de milhares de famílias de baixa renda e até de classe média, promovendo segregação e expulsando-as para regiões periféricas da cidade.

Em completa falta de compromisso com a melhoria das condições de vida da população residente nas áreas-objeto das intervenções, recursos públicos são investidos em intervenções urbanas que acarretam a remoção de moradores de áreas ou de imóveis que, posteriormente, serão utilizados para beneficiar uma população com perfil sócio-econômico superior à faixa de renda das famílias originais. São vários os exemplos de empreendimentos que visam substituir pobres por ricos em áreas valorizadas pelo capital imobiliário, seja pelo viés habitacional, ou pela valorização da área para incentivar o turismo.

Numerosas denúncias apontam para o caráter de exceção assumido pelas remoções, que aproveitam-se ora das lacunas legais, ora da sobreposição de normativas para regular uma mesma situação, de forma diferente – com o beneplácito de um Poder Judiciário autoritário, insensível e desatualizado. Assim são negados direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal e um sem-número de tratados internacionais. Leis consolidadas e debatidas em sociedade dão lugar a decretos e portarias, atos do poder executivo, emitidos sem nenhum processo participativo prévio ou preocupação com a população afetada.

Nesse contexto, surge a proposta de portaria do Ministério das Cidades, que visa regulamentar a garantia do direito à moradia e à cidade às pessoas afetadas pela “necessidade de deslocamento involuntário” provocado pela execução de “obras e serviços de engenharia em intervenções sob gestão do Ministério das Cidades”.

A portaria veio a reboque do falacioso e polêmico Workshop Internacional sobre Deslocamentos Involuntários, promovido pelo Ministério das Cidades e o Banco Mundial, em Brasília, em março deste ano. Contando apenas com agentes do governo e técnicos do Banco Mundial, o evento consagrou uma perspectiva conformista ao considerar os chamados “deslocamentos involuntários” inevitáveis ou justificáveis, omitindo o seu caráter seletivo, voltado para populações e grupos sociais pobres e vulneráveis. O evento ignorou a participação dos principais sujeitos dos conflitos e as sucessivas ilegalidades que permeiam as remoções forçadas associadas à realização dos megaeventos esportivos. Tudo registrado na Nota Pública de Repúdio à realização do Workshop Internacional sobre Deslocamentos Involuntários, a qual foi subscrita por diversas entidades da sociedade civil organizada.

Na conjuntura atual das remoções, em que nenhum dispositivo constitucional é respeitado, o processo de consulta pública e a portaria parecem mais uma forma de tentar legitimar as práticas de exceção já em curso em razão dos projetos de desenvolvimento. Uma matéria de tão alta complexidade não pode ser tratada por uma normativa de discutível eficácia jurídica, cujo poder de regulamentação se restringe a projetos sob gestão de um Ministério das Cidades que vem sistematicamente se omitindo perante os inúmeros e trágicos conflitos promovidos por prefeituras e governos estaduais, muitas vezes em seu nome ou com o seu respaldo.

No Rio de Janeiro, os projetos que causam os maiores impactos de remoção estão fora desta alçada e, quando chamado às falas, o MCidades transferiu a responsabilidade para os governos locais. Para além das diversas obras e intervenções, existe a remoção de famílias nas áreas rurais atingidas pelo Porto do Açu, a eterna ameaça aos quilombos da Pedra do Sal, Sacopã e Marambaia, além de remoções diversas sob o argumento de um risco ambiental sempre suposto e afirmado através de laudos e pareceres de questionável acuidade técnica e totalmente apócrifos quanto à responsabilidade profissional.

Não resta dúvida de que o Brasil reatualiza sua tradição de desenvolvimento desigual com a sofisticação de trocar os nomes, mas não as práticas. No lugar das remoções forçadas temos, agora, o discurso oficial dos “deslocamentos involuntários”. Não se trata de simples deslocamento semântico e, sim, da disputa pela produção de sentido e de ideologia do que seja desenvolvimento e os seus custos sociais.

Com relação à “consulta pública” em si, aberta com um prazo restrito e pouco razoável, ela não possibilita uma discussão mais aprofundada sobre a natureza e os procedimentos, a tomada de decisão sobre quem deve ser removido e como se evitar as remoções. Consolida-se, assim, um déficit de democracia na gestão do espaço urbano já que além de impossibilitar a realização de debates mais de fundo, tal formato de consulta inviabiliza uma discussão ampla com a população. Este formato não abre nenhuma possibilidade de dialogar sobre alternativas aos projetos e às próprias remoções.

O mais perigoso desta portaria é que ela cria uma distorção na alocação de recursos públicos do Ministério das Cidades que, ao invés de servir para fins de combate ao déficit habitacional, colaboram para aumentá-lo.

Uma consulta pública só tem sentido se acompanhada de articulação política prévia entre os diversos atores sociais (comunidade, acadêmicos, movimentos sociais) e poder real de decisão sobre as arbitrariedades cometidas até agora e em vias de ocorrer novamente. Os reassentamentos de famílias tem que ser discutidos com a população ao longo de todo o processo (antes, durante e depois dos projetos). Não podemos repetir o engodo da “Comissão de Mediação” criada pela SMH carioca, onde os conflitos eram tratados como mero procedimento burocrático e tentativa de “minorar os danos inevitáveis” das remoções que estavam ocorrendo das formas mais violentas e desumanas.

O princípio da não-remoção está expresso na Lei Orgânica do município do Rio de Janeiro, assim como o direito à moradia e à cidade estão garantidos na Constituição da República Federativa do Brasil. Não precisamos de leis de exceção, não precisamos de regulações ineficazes. Queremos simplesmente que nossos direitos sejam respeitados.

É preciso parar de reduzir danos! Uma portaria é muito pouco para garantir o direito à Cidade! Precisamos de um espaço de diálogo que não seja fajuto e que não confira uma aura democrática a uma série de violências empreendidas pelo Estado. Investigação já sobre os crimes cometidos por Prefeituras e Governos Estaduais nas remoções urbanas e rurais! Por um Ministério das Cidades comprometido com a Reforma Urbana e não com a especulação imobiliária e o desenvolvimento predatório e irresponsável!

Não às remoções! Pelo direito à moradia e à cidade!

Abaixo-assinado online disponível em:

http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2012N24964

Evento no Facebook:

http://www.facebook.com/events/462487193777782/

Manifestação de apoio por e-mail:

[email protected]

Movimentos e entidades que subscrevem esse manifesto:

Fórum Comunitário do Porto – Rio de Janeiro
Fórum Justiça – Rio de Janeiro
GT Moradia do Fórum Justiça – Rio de Janeiro
Mandato Vereador Eliomar Coelho – Rio de Janeiro
FASE – Rio de Janeiro
Coletivo Favela Não se Cala – Rio de Janeiro
Programa de Estudos de Trabalho e Política – Faculdade de Serviço Social/UERJ – Rio de Janeiro
Conselho Regional de Serviço Social 7ª Região
Rede QUESS – Rede Questão Urbana e Serviço Social
ARQPEDRA – Associação da Comunidade Remanescente do Quilombo Pedra do Sal
Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas
Associação dos Remanescentes do Quilombo da Família Oliveira e Ventura
AMPVA – Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódramo
AMPVP – Associação de Moradores e Pescadores do Arroio Pavuna
MNLM – Movimento Nacional de Luta pela Moradia
Fórum de Saúde – Rio de Janeiro
Fórum de Juventudes – Rio de Janeiro
MUCA – Movimento Unido dos Camelôs – Rio de Janeiro
NUREG – Núcleo de Estudos sobre Regionalização e Globalização, Departamento de Geografia, UFF, Niterói
Fórum Social de Manguinhos
Grupo Canal do Cunha
Bicuda Ecológica
Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB-Rio)
Escola de Samba Mirim Pimpolhos da Grande Rio
Escola de Samba Pimpolhos da Grande Rio
Associação de Pais e Professores do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (APP/CAP/UERJ)
Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência
Instituto Mais Democracia

Pessoas físicas que apoiam esse manifesto:

Caroline Rodrigues, assistente social, Rio de Janeiro
Helena Galiza, arquiteta, Rio de Janeiro
Isabel Cristina Cardoso, professora FSS/UERJ, Rio de Janeiro
Jorge Luis Borges Ferreira, geógrafo, Rio de Janeiro
Letícia Giannella, geógrafa, Rio de Janeiro
Denise Penna Firme, arquiteta, Rio de Janeiro
Ludimila Paiva, mestranda em Direito à Cidade/UERJ, Rio de Janeiro
Canagé Vilhena da Silva, Arquiteto e Urbanista, Rio de Janeiro
Gabrielle Herculano, FSS/UERJ, Rio de Janeiro
Antônio Carlos Machado Vieira, Fundador da Associação de Moradores do Bairro da Saúde – Rio de Janeiro
Arlete Moysés Rodrigues, Prof.ª Livre Docente Unicamp
Camila Soares, Escola de Samba Mirim Pimpolhos da Grande Rio – RJ
Carlos Vainer, Prof.° Titular IPPUR/UFRJ – Rio de Janeiro
Eduardo Rodrigues, geógrafo, Rio de Janeiro
Fábio Prestes Cavenaghi, Escola de Samba Mirim Pimpolhos da Grande Rio – RJ
Gabriel Balardino Bogado Faria, geógrafo, Rio de Janeiro
Gilliatt Moraes, artista, Rio de Janeiro
Herts Viana Leal, Rio de Janeiro.
Juliana Caetano, atriz e tradutora, Rio de Janeiro
Letícia Osório, Fundação Ford
Maria Darcy Oliveira, técnica em restauração do patrimônio histórico e cultural, Rio de Janeiro
Maria dos Camelôs, Rio de Janeiro.
Mariana Gomes Peixoto Medeiros, Advogada e mestranda em Direito à Cidade/UERJ, Rio de Janeiro
Matilde Guilhermina de Alexandre, técnica em restauração do patrimônio histórico e cultural, Rio de Janeiro
Maurício Campos dos Santos, engenheiro civil e mecânico, assessor voluntário de movimentos populares, Rio de Janeiro
Nabi Oliveira dos Santos, estudante, Rio de Janeiro
Rogério Haesbaert, Prof. Geografia UFF
Romero Souza, entidade ambientalista Eco Cidade
Sérgio Daniel Nasser, professor de História, Rio de Janeiro
Yana dos Santos Moysés, geógrafa, Rio de Janeiro

Fonte:http://forumcomunitariodoporto.wordpress.com/2012/05/22/manifesto-contra-a-postura-do-ministerio-das-cidades-nas-remocoes-em-todo-o-brasil/#comments

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