O dia em que justiça começou a ser feita, por Egon Heck

“Enquanto a presidente Dilma devolve ao Ministério da Justiça áreas indígenas a serem homologadas, introduzindo mais um impecilho no processo de demarcação, ou seja, que o Ministro de Minas e Energia, no caso Lobão, seja previamente consultado, no STF uma vitória dos povos indígenas. Esperamos que seja o início do cumprimento tardio da Constituição e legislação internacional pertinente aos direitos dos povos indígenas neste país”, escreve Egon Heck, do CIMI-MS, ao enviar o artigo que publicamos a seguir. Eis o artigo.

A agenda do Supremo Tribunal Federal estava tomada por questões relevantes. A ministra Carmem Lucia propõem, em função da gravidade da situação e a eminência de conflitos e violências, o julgamento da nulidade dos títulos incidentes nos 54 mil hectares da terra dos Pataxo-Hã-Hã-Hae, no Sul da Bahia. Exceto o ministro Gilmar Mendes, os demais se pronunciaram pela nulidade dos títulos. Era dois de maio.

O presidente do STF, Ayres Brito, interveio em algumas oportunidades frisando que para os indígenas “terra não é um bem, mas um ser, um ente, um espírito protetor. Eles não aceitam indenização, porque acreditam que nessas terras vivem seus ancestrais”.

Quem diria,
Uma vez mais na Bahia,
Onde a invasão começou,
Há mais de cinco séculos,
O heroico povo Pataxó Hã-Hã-Hae
Reconquista, com suprema galhardia,
Um pedaço de seu território tradicional.
Suprema justiça no tribunal da vida!

Foram mais de 28 anos em que a ação de anulação dos títulos esteve para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. O que todos nos perguntamos é porque quase três décadas para se julgar uma ação?. Foram mais de três dezenas de lideranças assassinadas neste período. Há 15 anos Galdino era queimado aqui em Brasília.

Agora esperamos o julgamento urgente das ações de devolução das terras já homologadas dos Kaiowá Guarani de Nhanderu Marangatu, e outras dezenas de ações que envolvem direitos indígenas a seus territórios. Que sejam anulados os títulos dados pelo governo Getúlio Vargas em terras dos Kaiowá Guarani.

Que a justiça para com os povos indígenas continue sendo feita!

A justiça abre os olhos e o coração

Enquanto em Brasília o Supremo Tribunal Federal, julgava a nulidade dos títulos incidentes sobre a Terra Indígena Caramuru Paraguasu, do povo indígena Pataxo-Hã-Háã-Hae, a juíza Dora Martins que, juntamente com uma delegação de juízes, visitou algumas comunidades Kaiowá Guarani, escrevia seus sentimentos com relação à visita:

“E nós, juízes, ali, “veneno e antídoto” a engolir em seco lágrimas insuspeitas. Conseguimos, estou certa, nos fazer ver além e através da toga. E foi bom.  E o líder Jorge bradou justiça com a Constituição na mão, e as mulheres fizeram, na história, sua segunda ATY GUASU (assembleia) para discutir o medo de não terem terra, alimento, saúde e identidade. Mulheres indígenas com voz. Homens indígenas que querem voltar a ocupar seu território sagrado e tão vilipendiado. E as atrocidades se repetem compassadamente. Nos agradeceram os companheiros brancos, que lá nos receberam, e nos presentearam com a fala de que, com toda certeza, nós, juízes brancos, ao irmos até lá “fizemos história na história deles”. Mais lágrimas e legítimas. E foi tocante saber que eles acharam honroso e importante que juízas e um juiz que lá estiveram se fizeram acompanhar por familiares, crianças e filhos. E tudo ficou tão familiar, tão igual, tão Brasil profundo de brancos e índios… um alento, para todos, e em especial para aqueles que lá, guerreiros bravios, lutam em prol da causa Guarani; lá, em Mato Grosso do Sul, onde juízes decidem os processos de uma perspectiva tão divorciada da terra e dos humanos valores indígenas, a ponto de entenderem que quando a prova é apenas a “fala do índio”, ainda que sejam dezenas deles, alega-se “falta de prova” para por fim ao caso… Afinal, para esse cego olhar da justiça de branco, palavra de índio não vale! “

Oxalá outras delegações de juízes se disponham a conhecer esse outro Brasil, de origem, profundo, desconhecido e desprezado. Quiçá outras Doras, Coras e Coralinas surjam por esse país afora e tenham a sensibilidade e coragem de expressar seus sentimentos com relação aos sofrimentos e injustiças sofridas pelos povos primeiros desse “grande país e tão pequeno para nós povos indígenas” (Marçal Guarani em sua fala ao Papa, em 1980).

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/509173-odiaemqueajusticacomecouaserfeita

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