Não se pode autorizar uma obra que passa por cima de milhares de famílias
Nós, moradores das comunidades ameaçadas de remoção e integrantes de movimentos sociais do Ceará vimos, por meia desta, mostrar nosso repúdio a este ato que autoriza o início das obras do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), no Ceará. Não podemos dizer que estamos surpresos com esse anúncio, afinal a falta de diálogo e de participação popular tem sido uma marca nos processos que envolvem os projetos de infraestrutura urbana para a Copa de 2014.
Ao invés de informações, o que recebemos foram ameaças e supostas visitas, inclusive do Governador do Estado, para convencer os moradores a deixarem suas vidas e para oferecer um valor ínfimo pelas casas, antes mesmo do início do estudo de impacto ambiental. Estudo que, mais tarde, foi aprovado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente, embora não possuísse o obrigatório estudo de alternativas ao projeto. E isso não se deu por desconhecimento. Os movimentos sociais e a Defensoria Pública formularam e apresentaram estudos alternativos, mas eles sequer foram considerados pelo poder público.
Apenas através da imprensa ficamos sabendo que todas essas famílias seriam removidas para um bairro distante da cidade, no qual não há nada construído, mas sim outras centenas de famílias à espera de moradia há dois anos. Diante disso, repudiamos este projeto que foi pensado não para resolver os problemas de mobilidade urbana de Fortaleza, mas para destruir comunidades, afetando a vida de milhares de famílias. Essa situação, inclusive, já causou a morte de dois idosos, que sofreram de depressão após saber que seriam expulsos de seus lares.
É, a prioridade nunca foi o povo. Tanto que o trajeto do VLT que hoje a presidenta do Brasil autoriza desvia de grandes empresas privadas e/ou de terrenos vazios, mas atinge os/as trabalhadores/as. Isso ocorre, por exemplo, na comunidade Lauro Vieira Chaves, onde vivem 203 famílias, onde o trajeto desvia do traçado da linha férrea REFFSA, seu parâmetro, e faz uma curva acentuada para atingir toda a comunidade. Lá, há um grande terreno descampado, que poderia ser utilizado para a construção das moradias, o que preservaria os moradores, como determina a Constituição do Município. Isso não nos foi ofertado. O que querem mesmo é deixar os mais pobres cada vez mais afastados, longe dos olhos dos turistas e dos ricos da cidade, que vivem como se as profundas desigualdades não existissem.
O que está sendo feito hoje é a autorização de uma ordem de serviço de uma obra completamente irregular do ponto de vista jurídico, que não contou com qualquer tipo de diálogo com a população diretamente atingida e muito menos com a população de Fortaleza como um todo; desastrosa do ponto de vista social; subordinado do ponto de vista político aos interesses de empreiteiras nacionais e empresas internacionais, como a Fifa; e irresponsável do ponto de vista econômico. Embora isso não seja divulgado, os enormes gastos com as obras da Copa do Mundo resultarão no aumento da dívida pública de Fortaleza, que passará de 307.674 milhões em 2010 para R$ 917.131 milhões em 2014, conforme previsão contida na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2012.
Como se vê, trata-se de uma obra que faz desta uma cidade ainda mais excludente e ainda mais desrespeitosa com o seu povo. Não podemos aceitar essa lógica. Ajudamos a construir cada uma das comunidades, na maioria das vezes sem ajuda alguma do poder público. Não podemos aceitar que o estado brasileiro vire um estado de exceção, onde a força do dinheiro não ergue, mas apenas destrói coisas belas.
Comitê Popular da Copa – Fortaleza
Enviada por Rodrigo de Medeiros Silva.