Guerras sem vencedor, EUA sem influência

Fantasma das relações internacionais americanas, guerra do Iraque provou que força militar já não é sinônimo de vitória política

Por Patrick CockburnCounterpunch | Tradução: Vila Vudu

Os últimos soldados dos EUA estarão fora do Iraque dentro de três semanas. O presidente Obama e o primeiro-ministro do Iraque Nouri al-Maliki encontram-se em Washington, para declarar ao mundo que os EUA saem do Iraque tão fortes quanto lá chegaram e deixam, ao sair de lá, um país cada vez mais estável, mais democrático e mais próspero. Só mentiras, nada além de mentiras.

A operação de desinformação foi atentamente cronometrada, para que o presidente Obama entre no ano das eleições ‘declarando’ aos quatro ventos que pôs fim a uma guerra muito impopular, sem ter sofrido qualquer derrota. Já vimos a pré-estréia desse discurso há algumas semanas, quando o vice-presidente Joe Biden visitou Bagdá, para louvar as magníficas realizações dos EUA.

Ao longo dos anos, os iraquianos habituaram-se a ver políticos estrangeiros que chegam em segredo a Bagdá, sempre cercados por monumentais arranjos de segurança e que, mal põem o pé no país, imediatamente se põem a emitir frases sobre os fantásticos progressos do país e altas realizações dos EUA em todos os campos. Imediatamente depois das tais frases, todos embarcam nos aviões que os trouxeram e escafedem-se do Iraque. Mas mesmo para esses padrões muito baixos, o desempenho do vice-presidente Biden, dessa vez, ultrapassou tudo que os iraquianos já viram; foi, de fato, cômico. Reidar Visser, especialista em Iraque, escreveu: “Biden serviu-nos o cardápio de sempre, de gafes, piadinhas e empáfia temperadas com autoconfiança arrogante e ignorância completa sobre o que se passa no mundo. Dentre outras, Biden tentou conquistar corações e mentes dos iraquianos elogiando os hospitais que os EUA teriam construído em Baku… capital do Azerbaijão, no Mar Cáspio, cidade que, para o vice-presidente, teria sido ‘transferida’, talvez, para o Iraque”.

Os candidatos Republicanos à eleição presidencial têm sido desacreditados (e ridicularizados) por gafes desse tipo. Pode-se avaliar o prestígio de Biden pela evidência de que, apesar dos longos e tediosos discursos, nenhum jornal dos EUA jamais, até hoje, percebeu que o vice-presidente dos EUA é praticamente analfabeto, no que tenha a ver com geografia do Oriente Médio. Visser destaca que Biden “disse que ‘conseguimos converter o limão em limonada’; falou do Iraque de hoje como ‘uma cultura política baseada em eleições livres e sob o império da lei’; e disse que ‘a cultura política do Iraque, emergente e inclusiva (…) é garantia absoluta de estabilidade’. Não disse coisa com coisa.” Infelizmente, os EUA deixam atrás de si, na retirada, um Iraque em ruínas, dividido e destroçado.

A verdade é que o fracasso dos EUA, que nada conseguiram de positivo nem no Iraque nem no Afeganistão ao longo de uma década, apesar de seus gigantescos exércitos e muitas armas, e apesar de ter consumido vários trilhões de dólares naquelas guerras, comprometeu muito profundamente o seu status de única superpotência. Fossem quais fossem os planos quando invadiu o Iraque em 2003, Washington jamais supôs que, ao sair de Bagdá, veria no poder partidos religiosos xiitas, com laços estreitos com o Irã. E, no Afeganistão, nem o aumento do número de soldados nem os $100 bilhões/ano conseguiram derrotar 25 mil combatentes Talibã mal treinados.

As grandes potências dependem muito da imagem de invencibilidade; e a boa estratégia manda não arriscar-se demais. O Império Britânico jamais se recuperou, aos olhos do mundo, do esforço gigantesco que teve de fazer para derrotar umas poucas dezenas de milhares de fazendeiros Boer.

A evidente incapacidade dos EUA para vencer no Iraque e no Afeganistão fez muito mal ao país, sobretudo, porque, na medida em que a vitória não aparecia, a política e as políticas dos EUA foram sendo progressivamente militarizadas. O Congresso aprovou vastíssimos orçamentos para o Pentágono, e apenas alguns bilhões para o Departamento de Estado. “O Departamento de Defesa é um gigante, comparado às demais agências federais” – observava já o Relatório da Comissão 11/9. – “Com orçamento anual maior que o PIB da Rússia, o Departamento de Defesa é um império.”

Mas é o império que fracassou, nos últimos anos, apesar do pesado peso político que pagou. Experiente diplomata dos EUA perguntou-me em tom de lástima, há alguns anos: “Que fim levou a desconfiança que os generais nos inspiravam depois do Vietnã? Hoje, todos parecem acreditar nos generais… Mas general dizer a verdade é evento raríssimo!”

Vale também para o Exército Britânico. As façanhas militares dos britânicos em Basra e Helmand foram ainda menos gloriosas que as dos norte-americanos, mas a tática de ‘incorporar’ jornalistas entre os soldados deu bons resultados, e os militares britânicos foram poupados das críticas que muito fizeram para merecer.

Apesar do longo período, agônico, antes de decidir-se a mandar mais soldados para o Afeganistão em 2009, Obama, de fato, nunca teve escolha. Leon Panetta, então diretor da CIA e hoje Secretário da Defesa, enfurecia-se com a demora, enquanto a Casa Branca discutia se enviaria ou não mais soldados. Para Panetta, a realidade política era clara: “Nenhum presidente Democrata pode deixar de fazer o que os militares resolvam fazer, sobretudo se pediu a opinião dos militares. Agora, é mandar os soldados e pronto!” Para Panetta, a decisão de mandar mais 30 mil soldados para o Afeganistão teria de ser tomada em uma semana.

O assassinato de Osama bin Laden e o fracasso dos militares, que não derrotaram os Talibã, aumentaram o espaço de manobra do governo Obama e apressaram a retirada do Afeganistão. É muito pouco provável que, em ano de eleição presidencial, depois de ter-se retirado do Iraque e sonhando com conseguir sair a tempo também do Afeganistão, Obama inicie mais uma guerra, dessa vez contra o Irã. Nos EUA e em Israel quem insista em falar grosso com o Irã perde só alguns votos. Mas os votos fugirão em maior quantidade, se Obama arrastar os EUA a nova guerra, dessa vez contra oponente muito mais forte do que os EUA enfrentaram no Iraque; ou Israel, no Líbano.

Em meio à pior crise econômica desde os anos 1930, o resto do mundo não agradecerá aos EUA e a Israel, se iniciarem um conflito que fechará o Estreito de Hormuz e mandará à estratosfera o preço do petróleo. Simultaneamente, a ‘desescalada’ no conflito retórico parece também pouco provável, porque a ameaça do conflito interessa eleitoralmente a vários grupos, tanto em Washington e Telavive, quanto em Teerã. Norte-americanos, israelenses e iranianos, todos, identificam-se como salvadores messiânicos, em luta contra inimigos satânicos. Qualquer acordo que ponha fim à ameaça de conflito será sabotado, no plano político interno, nos EUA, em Israel e no Irã, como ‘pacto com o diabo’.

Acima de tudo isso, paira o fato de que os EUA perderam a influência que já tiveram no Oriente Médio, mas já não têm. Diga Biden o que disser, o Iraque foi completo desastre para os EUA. E, no Afeganistão, forças militares gigantescas produziram resultados políticos muito magros. Washington talvez festeje o fim de Muammar Gaddafi ou de Bashar al-Assad. Mas não há dúvidas de que os EUA perderam e continuam a perder a posição de liderança que tiveram na Turquia e no Egito, enquanto lá existiram ditadores e ditaduras militares.

A crise política provocada pelo Despertar Árabe em todo o Oriente Médio não dá sinais de arrefecer. De fato, só dá sinais de intensificar-se, nas lutas pelo poder no Egito e na Síria. O resultado da guerra civil líbia poderia talvez estimular novas ações de intervenção estrangeira, mas a crise econômica torna cada dia mais arriscado, para os governos dos EUA e da Europa, qualquer tipo de envolvimento em guerras para as quais ninguém vê final à vista.

O grande sucesso do general David Petraeus como comandante dos EUA no Iraque foi ter persuadido muitos norte-americanos de que os EUA venceram as guerras nas quais foram derrotados. Também convenceu muita gente de que a guerra do Iraque havia acabado, porque diminuía o número de norte-americanos mortos, quando, na verdade, a guerra continuava.

O veredicto do Iraque pairará como um fantasma sobre a política externa dos EUA ainda por muito tempo. A guerra do Iraque tem derrotados, mas o Iraque não é, tampouco, vencedor. Mesmo assim, a guerra do Iraque provou que força militar superior já não se traduz facilmente em vitória política.

http://www.outraspalavras.net/2011/12/13/guerras-sem-vencedor-eua-sem-influencia/

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