Duas tragédias semelhantes e 41 mortos na estrada

Leonardo Sakamoto

Duas tragédias de natureza semelhante ocorreram com trabalhadores rurais nos últimos dias. Oito pessoas morreram em Campo Alegre de Goiás (GO) após a caminhonete em que estavam ter se chocado com outro veículo. Em na Bahia, próximo a Jequié, outros 33 faleceram após um acidente com o seu ônibus. Ambos os casos ganharam o noticiário nacional, mas esse tipo de ocorrência é mais comum que se pensa. E, em alguns casos, poderia ser evitado. Trago informações de reportagem de Daniel Santini, da Repórter Brasil, para ajudar a esclarecer o assunto.

Bahia – A Central Energética Vicentina não registrou a Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores dos cortadores de cana mortos em acidente de trânsito no dia 3 de dezembro de 2011. Ao todo, 33 pessoas morreram, incluindo o motorista do ônibus. O documento é necessário para o monitoramento das condições de trabalho de grupos empregados em diferentes unidades da federação e só pode ser emitido diante da apresentação dos contratos. Trata-se de um mecanismo de controle importante para o combate a violações trabalhistas.

Os cortadores mortos no acidente foram contratados pela usina nos municípios de Buíque e Pedra, no agreste pernambucano, e passaram cerca de oito meses trabalhando em Vicentina, município próximo a Dourados (MS). Eles regressavam para as festas de final de ano com familiares quando o ônibus bateu em uma carreta na BR-116, próximo a Jequié, na Bahia. Por lei, a usina deveria ter mantido o Ministério do Trabalho e Emprego em Pernambuco informado sobre as viagens. “O documento deveria ter sido protocolado no Estado de origem, o que não aconteceu. Não há registro nem em Caruaru, nem na Superintendência no Recife e nem em nenhuma das outras unidades no Estado”, afirma Francisco Reginaldo, gerente do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em Caruaru, cidade mais próxima com uma unidade regional para tais trâmites. A Repórter Brasil tentou contato com os proprietários, os sócios Edilberto Antonio Meneguetti, Carlos Reinaldo Meneguetti e José Wagner Meneguetti, mas nenhum deles se posicionou.

“Toda usina interessada em recrutar trabalhadores em outros estados tem que seguir um trâmite, declarar que eles estão sendo transportados com contrato regular, que vão ter alimentação, que vão ser observadas condições de segurança, que terão transporte coletivo oferecido pela empresa. A Certidão de Declaração de Transporte de Trabalhadores é o documento que possibilita esse monitoramento”, explica Francisco Reginaldo. “Temos o máximo de cuidado para que o trabalhador que viaja não fique desamparado, especialmente no corte de cana. São pessoas que já ficam longe da família, em um trabalho penoso. E vemos muitos casos de trabalho escravo, em que a pessoa sai de um ponto onde são feitas promessas e fica refém, não consegue nem voltar. Entra no emprego novo já devendo”, destaca o gerente. “Infelizmente, os maus empregadores sempre encontram uma forma de burlar a legislação. É uma saga que esse país sofre e que não é de agora. É de séculos, mas o Brasil está mudando”, completa.

Muitos dos que viajaram para cortar cana na última safra eram jovens em busca de melhores perspectivas. “A empresa sempre vem buscar gente aqui, organiza grupos e leva muitos jovens. A situação não é boa, aqui é um lugar onde não se oferecem muitas vagas”, diz Ane Maria Barbosa de Mello, mãe do trabalhador Jandecarlos Barbosa de Mello, de 24 anos, morto no acidente. “A gente recebeu assistência dos governantes, mas ninguém da empresa veio nos procurar. Não recebi nenhuma satisfação”, completa a mulher.

De acordo com o juiz trabalhista Marcus Barberino mesmo em situações irregulares em que as empresas deixaram de emitir a Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores, os trabalhadores continuam tendo os direitos mantidos. É o caso do acidente ocorrido neste final de semana. “Mesmo sem a declaração, as famílias têm direito ao auxílio acidentário e a pensão por morte”, explica, destacando que e o acidente pode ser considerado acidente de trabalho, conforme o artigo 21 da Lei número 8.213.

Goiás – A outra tragédia aconteceu na sexta-feira (2), na BR-050, em Campo Alegre de Goiás, na região Sudeste do Estado. Um grupo de nove trabalhadores de uma fazenda de soja estava sendo transportado na carroceria de uma caminhonete, que se chocou com outro veículo. O fazendeiro era o condutor da caminhonete e morreu na hora, assim como sete trabalhadores que foram projetados por conta da colisão. Duas pessoas estão internadas em estado grave. As causas do acidente ainda estão sendo apuradas.

De acordo com Jacquelinne Carrijo, auditora fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Goiás (SRTE/GO) que está cuidando do caso, além das infrações de trânsito o empregador cometeu infrações trabalhistas, já que a legislação determina o transporte de trabalhadores em veículos fechados, sentados e com cinto de segurança. “Independente do trecho a ser percorrido ou das condições da estrada, o veículo tem que estar de acordo com a legislação”, conta Jacquelinne.

E só para contextualizar: as mortes por doenças e por acidentes relacionados ao trabalho no mundo cresceram de 2,31 milhões (2003) para 2,34 milhões (2008). Em média, 6,3 mil pessoas morreram diariamente por conta de seu trabalho nesse período. Os dados fazem parte do relatório “Tendências Mundiais e Desafios da Saúde e Segurança Ocupacionais“, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O número de acidentes fatais caiu (de 358 mil para 321 mil), mas o número de mortes por doenças vinculadas ao exercício de atividade econômica saltou de 1,95 milhão, em 2003, para 2,02 milhões, em 2008. Considerando os tipos de enfermidades, temos em primeiro lugar o câncer (29%), seguido por doenças infecciosas (25%) e doenças circulatórias (21%).

O número de acidentes não-fatais que causaram afastamento de quatro ou mais dias atingiu 317 milhões em 2008, o que representa uma média de cerca de 850 mil lesões diárias que exigem esse tipo de afastamento. “Na maioria dos países, vastos números de acidentes, fatalidades e doenças relacionadas ao local de trabalho não são reportados e nem registrados. Existem provisões em nível internacional e em âmbito nacional para registrar e notificar acidentes e doenças: contudo, a subnotificação persiste como prática frequente em muitos países do mundo”, destaca o documento.

Em agosto deste ano, a questão do descaso com a segurança no trabalho ganhou repercussão nacional quando nove operários morreram em um canteiro de obras em Salvador. Eles estavam em um elevador que despencou de uma altura de 65 metros. E, em abril, um jovem de 16 anos morreu soterrado em uma obra no Cambuci, Centro de São Paulo.

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