Homenagens à memória do Doutor Sócrates

Na verdade, mais que tudo o que está escrito abaixo, quem de fato soube homenagear Sócrates foi o time do Coríntias antes do início do jogo, punho ao alto, lembrando que, paralelo a um excelente jogador, ele era também um ser humano indignado e engajado, que de fato levantava o punho contra a ditadura, o que não acontecia sem represálias. Perdemos, mais que um ídolo do esporte, um brasileira de luta e de fibra. Sócrates, presente! TP.

Boitempo Editorial lamenta a morte de Sócrates, um grande brasileiro e autor desta casa editorial, que se orgulha de ter em seu catálogo o livro Democracia Corintiana: a utopia em jogo, de autoria do ex-capitão da seleção brasileira de futebol e do jornalista Ricardo Gozzi.

Formado em medicina pela Universidade de São Paulo e conhecido como Doutor e Magrão, Sócrates foi um dos líderes do movimento que resultou na participação direta dos jogadores do Corinthians nas decisões do clube no início da década de 1980. Das contratações ao local de concentração, tudo era resolvido pelo voto. Esta experiência histórica ficou conhecida como a Democracia Corintiana e em 2002 ganhou o seu primeiro registro literário, publicado pela Boitempo. O livro integra a Coleção Pauliceia e conta com um conjunto de fotos em cores e em preto e branco de Sócrates e outros participantes do modelo democrático de gestão do futebol.

Em sintonia fina com o período de abertura política vivido no Brasil, a Democracia Corintiana atraiu simpatizantes e detratores. Décadas depois, ainda é um assunto debatido com paixão nas rodas de futebol. Mais que um resgate histórico, este livro mostra ser possível romper com o atual modelo retrógrado e corrupto do futebol brasileiro para, enfim, moralizá-lo.

Para prestar uma homenagem ao Magrão, que será sempre lembrado na editora, e atender a pedidos de seus muitos fãs, a Boitempo prepara uma nova edição e uma versão em ebook, a serem lançados ainda neste ano.

Confira abaixo despedidas de Ricardo Gozzi e Juca Kfouri (autor do prefácio do livro) ao Doutor, originalmente publicados em seus blogs.

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Até logo, Magrão

Por Ricardo Gozzi.

Como praticamente todo garoto no Brasil, na infância eu queria ser jogador de futebol. Mais especificamente, jogador do Corinthians. Se fosse pra jogar em outro time, minha profissão do futuro mudava para arqueólogo ou astronauta.

Era início da década de 1980 e meu grande ídolo no Timão daquela época era seu maestro, o Doutor Sócrates. Nas peladas e nos times que me enfiava, minha camisa era a 8, o mesmo número do Magrão.

O tempo passou e não virei jogador de futebol nem arqueólogo nem astronauta. Acabei jornalista. Até que a vida, pouco mais de uma década atrás, me colocou diante de uma pessoa fantástica e extremamente generosa, justamente daquele que foi meu primeiro ídolo no futebol.

Ao término de cada conversa, a sensação que eu tinha era de que acabara de receber uma profunda aula de vida. Pouco tempo depois, essa amizade me proporcionou o privilégio de assinar em parceria com o Magrão o registro histórico daquela que é provavelmente a mais conhecida de suas obras, a Democracia corintiana: a utopia em jogo (Boitempo, 2002).

Nos últimos anos, porém, nossos caminhos estavam se cruzando pouco, bem menos que o desejável, e nossos contatos eram pra lá de esporádicos.

Há certamente dezenas, talvez centenas, de pessoas mais qualificadas para falar do Magrão do que eu, mas quero deixar aqui meu muito obrigado – pela amizade, pelas palavras, pela generosidade, por tudo enfim. Até logo!

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Ricardo Gozzi é jornalista, escritor e corintiano.

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Dia 4 de dezembro de 2011

Por Juca Kfouri.*

O dia em que uma das maiores torcidas do mundo acordou chorando de dor e foi dormir chorando de alegria.

Uma confusão de sentimentos como provavelmente jamais houve na história do futebol.

Às quatro e meia da manhã morria Sócrates Brasileiro, o Doutor, o Magrão, o Magro, o mago dos calcanhares geniais, o mais original de todos os jogadores da história centenária do Corinthians.

Às sete horas da noite esta história era enriquecida com seu quinto título brasileiro e a Fiel torcida que acordara deprimida comemorava eufórica a façanha do pentacampeonato.

Alguém já disse que o futebol imita a vida, e vice-versa.

É fato.

E se o cumpridor time alvinegro tinha pouca chance de se tornar inesquecível, eis que agora ficará para sempre na memória de todos como o time que foi campeão no dia em que Sócrates morreu.

E ele que já era inesquecível, acrescentará à sua história ter morrido no dia em que seu time o homenageou sendo campeão.

O que, convenhamos, é uma história bonita, linda mesmo.

E triste, profundamente triste.

* Comentário para o Jornal da CBN desta segunda-feira, 5 de dezembro de 2011.

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Juca Kfouri é cientista social, colunista da Folha de S.Paulo e do UOL.

http://boitempoeditorial.wordpress.com/2011/12/05/homenagem-a-memoria-do-doutor-socrates/

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