Nota Técnica sobre o julgamento pelo STF da ACO-312, referente à nulidade de títulos de propriedade sobre a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu

No momento em que a ação Cível Originária (ACO-312), referente à nulidade de títulos incidentes na Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu, na Bahia, volta à pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), julgamos oportuno trazer mais uma vez a público as informações de caráter legislativo, histórico e antropológico que subsidiam de modo inconteste os direitos territoriais indígenas sub judice na lide.

1. Do Processo de Constituição Legal, Histórica e Social da Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu

1.1. Em 1926 o Estado da Bahia, através da Lei Estadual 1916, de 09 de agosto, determinou destinar “50 (cinquenta) léguas quadradas de terras em florestas gerais ou acatingadas, para o gozo dos índios Tupinambás e Patachós, ou outros ali habitantes” (art. 1º).

1.2. A figura constitucional do “reconhecimento” “aos índios” de “direitos (…) sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, nesses termos consagrada na Constituição de 1988, aparece pela primeira vez apenas na Carta Constitucional de 1934, em que está, em seu artigo 129, sob a formulação de que “Será respeitada a posse de terras aos silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”. Tal figura de direito aparece daí por diante em todas as constituições brasileiras, até a dita de 1988, ora em vigor.

1.3. Entretanto, um tal dispositivo constitucional não existia quando da supra referida destinação de terras a índios em 1926.

De fato, durante todo os períodos colonial, imperial e republicano até a dita carta de 1934, a atribuição legal de terras a indígenas se fez apenas por “destinação” ou “doação” formais por parte do ente estatal que detinha, por Lei, o direito sobre essas terras – Rei de Portugal no período colonial, e, em seguida, Imperador e, no período republicano inicial, os Estados, proprietários legais das terras ditas “devolutas” desde a Lei de Terras de 1851.

1.4. Ao assim destinar terras a indígenas, não tinha evidentemente o Estado a intenção de “respeitar” ou “reconhecer” a sua “posse” ou “ocupação” tal qual se daria então, posto que essa figura legal não existia.

Com efeito, como se pode depreender facilmente do conhecimento de toda a história das relações entre Estado e indígenas no Brasil, do período colonial àquela altura do republicano, a atribuição formal de terras a indígenas tinha antes o objetivo de reunir a esses em espaços determinados, de forma compulsória quando necessário, deslocando para dentro das áreas assim destinadas diversos contingentes de população indígena, frequentemente de grupos socialmente bem distintos entre si e de origens etnolinguísticas diversas, de modo a, com essa sua circunscrição territorial, liberar terras para a ocupação colonial.

1.5. Não terá sido outro o intento do Estado da Bahia ao fazer a supra referida destinação.

1.5.1. Como é sabido, ainda se encontrava em plena vigência no Sul da Bahia, nas décadas iniciais do século XX, o processo de ocupação de terras pela expansão da lavoura cacaueira. Do mesmo modo, havia ainda aí bandos indígenas autônomos e sem contato regular com a sociedade nacional, sendo as táticas e operações de dizimação destes pelas frentes de expansão cacaueira igualmente conhecidas e registradas na documentação e literatura especializadas.

1.5.2. Por outro lado, seguindo uma tendência do final do período imperial e início do republicano em toda a região, o estado da Bahia, por sua Lei 198, de 21/08/1897, havia extinguido os aldeamentos indígenas no estado, deixando assim ao desabrigo de reconhecimento e assistência estatais enquanto grupos sociais específicos e diferenciados, contingentes indígenas habitantes dos sítios desses antigos aldeamentos de origem imperial ou mesmo colonial, como os existentes, na região Sul da Bahia, no seu litoral (notadamente Olivença) ou às margens dos rios Colônia e Pardo. Uma tal extinção também abrira esses sítios à penetração das frentes de expansão cacaueira, não sem ocorrência de conflitos por vezes graves com os contingentes indígenas aí situados, como notoriamente ocorria então no caso de Olivença.

1.5.3. Parece claro assim que, ao fazer a supra referida destinação, tinha o estado a intenção de reunir, em uma área circunscrita para esse fim, tanto os bandos ainda isolados em toda a região, quanto esses contingentes em extintos aldeamentos, ambos em explícitas situações de confronto com a sociedade regional em franca expansão territorial.

1.5.4. Não por acaso menciona a referida Lei que a área que institui se se destinaria “ao gozo dos índios Pataxós e Tupinambás”, sendo sabido, àquela altura, que pelo menos boa parte dos bandos isolados seriam de já conhecida etnia pataxó; e que o mais conhecido dos aldeamentos extintos, o de Olivença, também o que vivia maior conflito com a sociedade regional, era de origem de Tupis da costa, portanto “Tupinambás”.

Mas não esquece o texto legal de mencionar “ou outros ali habitantes”, o que mais uma vez denota a sua intenção de circunscrever de modo abrangente, na área destinada, todos os contingentes indígenas de uma região, o Sul da Bahia, então em franco processo de ocupação pela expansão de uma importante frente econômica regional.

Nesses termos, o “ali habitantes” não pode ser entendido como referente ao interior da área destinada, cujos limites não são sequer definidos pela Lei, mas a toda essa região. Em apoio a esse entendimento, deve ser dito que era bem sabido então, sem sombra de dúvida, que nas matas interiores em que se devia implantar a área assim reservada, não habitavam Tupinambás, e sim apenas junto à costa.

1.6. Com efeito, uma tal tarefa de reunião de contingentes indígenas diversos teve início logo em seguida à referida Lei, tendo à frente o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que entre 1926 e o ano seguinte, instalou três postos para atração desses índios: o Caramuru à margem esquerda do rio Colônia; o Ajuricaba (de existência efêmera) à margem direita do rio Pardo; e o Paraguaçu, aproximadamente a meio caminho entre os anteriores.

Como se sabe, para esses postos foram atraídos os últimos bandos isolados que puderam ser salvos do extermínio pelas frentes cacaueiras, formados por diminutos contingentes de pataxós e por um bando ainda menor de um grupo distinto, conhecido por Baenã (de provável filiação etnolinguística “botocuda”).

Foram também atraídos contingentes daqueles antigos e extintos aldeamentos, a começar já em 1926 pelos Kamakã de São Pedro de Alcântara (atualmente Ferradas), não por acaso situado junto ao florescente núcleo cacaueiro do antigo arraial das Tabocas, já então a recém criada cidade de Itabuna, principal núcleo urbano de toda a região.

Todo esse processo se concluiria pouco mais de dez anos depois, como é sobejamente testemunhado pelos escritos do notório indigenista Curt Nimuendaju (1938), agente direto desse processo, com a chegada dos contingentes de Kamakãs oriundos das extintas aldeias do rio Pardo, e dos chamados Kariri-Sapuyá, egressos das localidades de São Bento (no atual município de nova Canaã) e Santa Rosa (próxima à cidade de Jequié) – ambas no interior da região cacaueira – e personagens de uma longa peregrinação que os trouxera, desde a década de 1830, de seus aldeamentos coloniais em Pedra Branca, onde haviam então protagonizado importantes rebeliões contra a ocupação de suas terras.

1.7. Conforme dito, embora o estado da Bahia houvesse destinado a esses índios 50 léguas quadradas de terras, situando-as ‘grosso modo’ entre os cursos dos rios Gongoji e Pardo, os seus limites não foram fixados na Lei nem foram efetivamente demarcados sem que antes se consolidasse ou praticamente se completasse o processo de ajuntamento de indígenas de procedências diversas junto aos dois postos mantidos pelo SPI.

Tal não é difícil de compreender se se entende que o sentido de toda a empreitada na qual se insere a edição da Lei – com a destinação de terras sem limites ainda definidos – e a implantação e a ação dos postos do SPI, destinava-se antes a um tal ajuntamento ou “redução” de indígenas junto a postos do órgão federal, e não ao “reconhecimento” ou “respeito” a terras então sob posse de indígenas – figura legal inexistente até 1934 – fossem eles “isolados” ou habitantes dos extintos aldeamentos.

1.7.1. Vale referir que a prática de tais reduções ou ajuntamentos não deixou de ser praticada após a Constituição de 1934. Pelo contrário, o SPI e sua sucessora a Funai seguiram promovendo, em todas as regiões do país, esses processos de ajuntamento de indígenas de procedências diversas, pelo menos até a década de 1970, como se tornou notório por exemplo no caso do “parque” do Xingu, criado em 1960 e para onde os seus principais gestores, os notórios irmãos Villas-Boas, trouxeram, por meios diversos, povos indígenas até então situados em áreas circunvizinhas mas externas aos seus limites.

Uma tal prática de deslocamentos compulsórios e “ajuntamento” de indígenas, embora já concomitante com situações de reconhecimento de posse indígena, só deixou de fato de ocorrer a partir da década de 1980 e, nitidamente, após a Constituição de 1988.

1.8. Entre 1936 e 1937 o SPI e o estado da Bahia realizaram, enfim, de modo conjunto, a demarcação de uma área em torno dos ditos postos Caramuru, Paraguaçu e Ajuricaba (esse último então ainda existente). Junto ao Posto Caramuru haviam sido reunidos os bandos até então “isolados” e junto ao Paraguaçu os grupos egressos de extintos aldeamentos.

Vale referir que a área assim demarcada tem cerca de 54100 hectares, menos de terço dos 180000 hectares (50 léguas quadradas) originalmente destinados.

1.9. Vale também referir que pelo menos a imensa maioria dos grupos indígenas aí reunidos não se encontrava no interior dos limites demarcados anteriormente a esse processo de “reunião”.

A maioria dos bandos dos Pataxó teriam vindo das cabeceiras do rio Salgado, de onde teriam sido atraídos para o Sul até o seu confluente Colônia, limite norte da área a ser demarcada e onde se implantou o Posto Caramuru; e pelo menos um dos seus bandos, o dito Hã-Hã-Hãe, teria sido atraído desde além do Rio Pardo, para o Sul, em serras do atual município de Itarantim. Os Baenã, por sua vez, estariam, no momento da atração, entre as bacias do Colônia e do Pardo, a oeste da linha demarcatória que viria a ser implantada pelo estado da Bahia. Outros baenãs e pataxós, situados mais ao norte, entre o Colônia e o Gongoji e, portanto, mais longe dos postos, como muitos outros desses bandos isolados não tiveram a sorte de chegar a ser “atraídos” até os postos, tendo sido dizimados pelos colonos cacaueiros.

Do mesmo modo, todos os extintos aldeamentos de onde vieram os demais grupos se situam fora dos limites que vieram a ser demarcados.

1.10. O que ocorreu em seguida à demarcação da área que viria a ser designada na documentação oficial como Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu; e a consolidação dos seus postos federais e grupos de habitantes indígenas, é também bastante conhecido a partir da documentação e literatura especializadas.

Embora a carta de 1934 vedasse a alienação das terras sob posse indígena, não era vedado o seu arrendamento, e este foi de fato praticado em larga escala pelo SPI, consoante a expansão da lavoura cacaueira, que não estancou diante dos limites demarcados, haja visto inclusive que em boa parte do interior desses situam-se terras especialmente propícias para essa lavoura. A concessão indiscriminada de arrendamentos ensejou conflitos com os indígenas e propiciou a sua expulsão das terras pelos fazendeiros arrendatários ou mesmo ex-arrendatários, que cessaram de pagar os arrendamentos diante de um SPI cada vez mais impotente, negligente e mesmo ausente e corrupto, o que chegaria a um extremo no longo período de crise por que passou o órgão entre a morte do seu criador e inspirador, o Marechal Rondon, em 1958, e a sua extinção em 1967. O órgão que o sucedeu após essa extinção, a Funai, também não adotou, por longo período, medidas que pudessem reverter o quadro de esbulho, expulsão de indígenas e apossamento ilegal de suas terras, mesmo após os arrendamentos de terras indígenas passarem a ser vedados pela Lei 6001 – Estatuto do Índio – de 1973.

1.11. Vale ressaltar que, mesmo em grande parte expulsos das terras que lhe haviam sido destinadas, os indígenas da Reserva Caramuru-Paraguaçu nunca deixaram totalmente de ocupá-las, mantendo núcleos de resistência permanente, notadamente junto às ruínas do posto Caramuru, na localidade hoje conhecida como Bahetá, e nas margens do rio Panelão, no extremo oriental da Reserva.

1.12. Entretanto, diante da persistente omissão federal, o estado da Bahia concedeu, entre 1976 e 1982, não sem protestos dos indígenas, títulos de propriedade a diversos ocupantes de terras no interior da reserva.

1.13. Finalmente em 1982, com apoio da Funai e da Polícia Federal, indígenas refugiados em outras áreas indígenas retomaram uma das “fazendas” que ocupavam o seu território, estabelecendo aí uma “cabeça de ponte” para o progressivo retorno de outras famílias expulsas, até o contingente atual superior a 2000 pessoas, vindo também a ocupar outras áreas que, a partir de 1998, mediante negociações entre a Funai e os seus ocupantes, foram transferidas à posse indígena, tendo o órgão federal indenizado benfeitorias e os seus ocupantes reconhecido formalmente o direito indígena a essas terras. Com isso, os indígenas ocupam hoje cerca de um terço da área originalmente reservada, mas se mantém um sangrento conflito de já quase trinta anos que tem provocado o assassinato de muitos indígenas por pistoleiros.

A ação de nulidade de títulos ora por ser julgada foi ingressada pela Funai logo em seguida à ação de 1982, quando o órgão e o governo federal retomaram formalmente a gestão da área, após tê-la abandonado praticamente por completo nas décadas anteriores.

2. Do Estatuto Legal da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu e da Legitimidade de sua Tradicional Ocupação Indígena

2.1. Pelas circunstâncias legais de sua criação e implantação, a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu deve ser considerada, nos termos do Estatuto do Índio (Lei 6001 de 1973), uma “área  reservada”.

Com efeito, conforme o artigo 17º dessa Lei:

“Reputam-se terras indígenas:

I   – as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, a que se referem os artigos 4º, IV, e 198, da Constituição;

II    – as áreas reservadas de que trata o Capítulo III deste Título;

III   – as terras de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas.”

Dispondo ainda que:

“Das áreas reservadas

Art.26º A União poderá estabelecer, em qualquer parte do território nacional, áreas distintas à posse e ocupação pelos índios, onde possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais indígenas, (…)”

Tais áreas não se confundem, pois, com as ditas “terras ocupadas”, definidas pelo citado art. 198 da Constituição vigente então, a Emenda Constitucional nº 1 de 1969:

“Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos têrmos que a lei federal determinar, a êles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de tôdas as utilidades nelas existentes.”

É evidente que essas “terras habitadas”, expressão idêntica à da Constituição de 1967, são as mesmas terras das quais se diz que “Será respeitada a posse” aos “silvícolas” que nelas “se achem localizados em caráter permanente”, nos termos das Constituições de 1934, 1937 e 1946; e que na Constituição de 1988 se definem como “terras tradicionalmente ocupadas”, sobre as quais se “reconhece” “direitos originários”.

A essas o constituinte nitidamente determinou, como condição para o seu reconhecimento e proteção, um caráter de “habitação permanente” por indígenas, expressão consagrada nesses exatos termos no §1 do Art. 231 da presente Constituição.

Tal não é entretanto o caso das “áreas reservadas”, que são, conforme supra, “áreas distintas à posse e ocupação pelos índios” que “a União pode estabelecer em qualquer parte do território nacional”.

Assim, criada por Lei Estadual e administrada pela União através do SPI a partir da implantação de seus postos já no mesmo ano (1926) e por este demarcada em 1936, a área Caramuru-Paraguaçu manteve, desde então e até a edição da Lei 6001, em que pese as omissões e corrupções administrativas e esbulhos possessórios havidos, o seu caráter legal de área destinada “ao gozo dos índios”, nos termos da Lei que a criou, ou, analogamente, de “área” “onde” estes “possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais indígenas”, nos termos da definição legal de “área reservada” de 1973.

É, pois, de “área reservada” o caráter legal da já então denominada “Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu” a partir da constituição dessa figura legal em 1973.

2.2. Por outro lado, a referida área e Terra Indígena deve ser também tomada, à luz do disposto na Constituição de 1988 e na jurisprudência dela decorrente, como “terra tradicionalmente ocupada por indígenas”.

Uma tal “ocupação tradicional”, que é histórica e não atemporal, é algo socialmente construído, ao longo de determinado período de tempo, na relação entre grupos sociais e os territórios que ocupam ou passam a ocupar.

O eminente jurista José Afonso da Silva diz, em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, que “‘terras tradicionalmente ocupadas’ não revela uma relação temporal, não se refere a tempo de ocupação. ‘Ocupadas tradicionalmente’ não significa ocupação imemorial”.

Segundo o ilustre autor, “tradicionalmente refere-se (…) ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos em que se deslocam etc.”

Ou ainda, que “não se deve privilegiar somente dados históricos, quando se trata de definir terra de ocupação tradicional indígena, porque o ‘tradicionalmente’ do texto constitucional não se refere a tempo pretérito, mas à forma de ocupação de um dado território. Implica em dizer também da ocupação atual, segundo culturas e tradições, as quais também são mutáveis.”

2.2.2. Num exemplo regionalmente próximo à da Terra Caramuru-Paraguaçu, tem-se a Terra Indígena Coroa Vermelha, em que indígenas da etnia Pataxó se instalaram, de forma mansa e pacífica, em 1972, tendo aí constituído, desde então, um grupo social específico, e portanto com modos também próprios e específicos de relação com esse território e os seus recursos, constituindo aí pois também, deste modo, uma dada “ocupação tradicional”. Essa Terra foi em 1998 declarada “de posse permanente indígena” e em seguida devidamente regularizada como Terra “tradicionalmente ocupada” por índios, nos termos da Constituição de 1988.

2.3. Não é difícil pois caracterizar, nos termos supra referidos, a ocupação indígena na área da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, a partir das décadas de 1920 e 1930, como um processo de conformação de uma “tradicional ocupação” indígena, já perfeitamente configurada quando da promulgação da Constituição de 1988.

Nesse processo, os grupos indígenas ali reunidos estabeleceram relações próprias e estáveis entre si, inclusive através de inter casamentos, definiram áreas de ocupação dentro do território demarcado e aí resgataram tradicionais práticas agrícolas, de caça e de pesca, em ambientes já conhecidos dos grupos formadores, a Mata Atlântica e o agreste (ou “florestas acatingadas” nos termos da Lei de 1926) ; e ainda, não menos importante, enfrentaram as compulsões da relação com o Estado nacional tutelar e com o processo de esbulho decorrente dos arrendamentos e expulsões, conformando também nesse processo formas próprias de organização, de resistência e de luta, que alcançariam o seu ponto mais significativo na “retomada” de 1982.

2.4. Esse processo de conformação de uma “terra tradicionalmente ocupada por índios” sobre a área originalmente demarcada para os postos Caramuru e Paraguaçu, já perfeitamente caracterizada quando da instituição dessa figura constitucional em 1988, em nada colide com o estatuto de “área reservada” que essa área terá tido a partir da sua origem, sendo como tal definida nos termos da Lei 6001 de 1973. Pelo contrário, só a reforça e com ela conflui, em todos os sentidos, na consolidação do direito desses indígenas sobre esse território.

3. Da Formação do Povo Indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe

3.1. Conforme visto, a população indígena na Terra Caramuru-Paraguaçu se constituiu a partir de contingentes de origens diversas.

Esses diferentes grupos de início ocuparam distintas faixas de território, mas já estabeleceram de imediato entre si relações de aliança e casamentos, pelo menos entre aqueles que partilhavam a assistência por um mesmo posto, o Caramuru ou o paraguaçu.

Esse processo de amalgamento previsivelmente se intensificou com as restrições territoriais e confinamento decorrentes do progressivo esbulho; e, com o processo de diáspora, diversas das famílias indígenas da área buscaram refúgio conjunto em povoados e cidades próximas – como Itabuna – ou, de modo muito significativo, junto a outros postos indígenas na Bahia – o de Barra Velha, em Porto Seguro, criado em 1971 – e em Minas Gerais, onde se situava a administração regional do órgão indigenista.

Foi a partir dessas áreas de refúgio, em especial aquelas sob administração da Funai, que se organizou, com participação desta, a “retomada” de 1982.

Nesse momento tem início, de modo mais organizado e definido – inclusive com a deflagração do processo judicial que redundaria na ACO 312 – a mobilização interna e externa ao grupo indígena que, por um lado, viria conferir grande visibilidade pública ao caso e, por outro, promove o progressivo retorno das famílias indígenas dispersas, que passam a se concentrar, pelo menos até 1997, na única grande área efetivamente sob posse indígena, a ex-fazenda São Lucas, que passara a ser a nova sede do reativado posto Caramuru.

É a partir dessas organização e mobilização que começa a aparecer mais sistematicamente, na documentação oficial, na imprensa e também nos trabalhos acadêmicos, o etnônimo Pataxó Hã-Hã-Hãe com referência a todo o grupo indígena.

De fato, até a década anterior, a esparsa documentação existente refere predominantemente o conjunto da população indígena reunida na Reserva Caramuru-Paraguaçu com expressões genéricas do tipo “índios do Caramuru”, ou, bem menos frequentemente, discriminando alguns dos seus segmentos originais.

Ao que se deve então a adoção desse etnônimo específico como designação para todo o grupo, já então nitidamente unido e único em sua organização e em sua demanda pelo resgate do seu território?

Como dito acima, durante o período mais crítico de esbulho e de diáspora, notabilizaram-se dois focos de resistência indígena no interior do seu território, e, nesses, dois personagens emblemáticos. Um deles, Samado Santos, Kariri-Sapuyá de origem, resistiu com sua família, enfrentando pistolagem e repressão do próprio órgão indigenista, no semi inexpugnável vale do Panelão. Outra, Bahetá, era então a única sobrevivente direta dos bandos ainda isolados trazidos à antiga sede do posto Caramuru, junto ao Rio Colônia, na década de 1930. Bahetá jamais arredou pé de junto das ruínas do antigo posto, sobrevivendo basicamente da pesca no rio.

Apesar de ser, já há algumas décadas, a única sobrevivente do seu bando original, Bahetá conservava, naquele início da década de 1980, um surpreendente conhecimento de um léxico relativamente vasto de sua língua original, o que evidentemente se tornou foco do interesse de linguistas e etnólogos.

Como seria de se esperar, num contexto em que os ocupantes da Terra Indígena e a elite regional, em seguida à “retomada” e ao ingresso da ação judicial de nulidade de títulos, esforçavam-se por desautorizar a identidade dos indígenas recém retornados à sua Terra, a presença da “parente” Bahetá assumiu para estes posição emblemática na afirmação dessa identidade.

Bahetá era de um dos bandos identificados à época do contato como de etnia Pataxó e, segundo ela própria explicou aos pesquisadores seus interlocutores, Hã-Hã-Hãe significa “povo”, “gente”.

Assim, a adoção do etnônimo Pataxó Hã-Hã-Hãe por todo o grupo de indígenas da Terra Caramuru-Paraguaçu tem caráter metonímico e emblemático, o que não se pode considerar de modo algum ilegítimo do ponto de vista socioantropológico.

De fato, conforme dito, já era bastante evidente então a unidade social, política e também étnica desses indígenas, restando-lhes apenas a adoção de uma designação que fosse “reconhecível” como “indígena” pelos seus interlocutores na sociedade nacional.

A figura emblemática de Bahetá decerto jogou papel preponderante nessa escolha; e isso não quer dizer que a maioria dos demais indígenas quisessem se fazer passar pelo que não seriam. Conforme dito, tratou-se de um processo de escolha consciente e com sentido marcadamente emblemático, o que não é incomum em situações etno-históricas semelhantes.

A pronta adoção do etnônimo Pataxó Hã-Hã-Hãe pela mídia, por organismos oficiais e em trabalhos acadêmicos denota que todas essas instâncias, conhecedoras e testemunhas do processo de sua construção, jamais o tomaram de modo algum por ilegítimo.

Os grupos étnicos são unidades sociais de caráter histórico como quaisquer outras e que, enquanto tais, redefinem constantemente os seus limites, de acordo com situações históricas específicas que os constrangem.

Em artigo já clássico sobre o tema das “Expectativas e Possibilidades do Trabalho do Antropólogo em Laudos Periciais”, o professor João Pacheco de Oliveira (1994) diz, sobre a continuidade histórica de grupos étnicos indígenas, que “a única continuidade que talvez possa ser possível sustentar é aquela de, recuperando o processo histórico vivido por tal grupo, mostrar como ele refabricou constantemente sua unidade e diferença face a outros grupos com os quais esteve em interação. A existência de algumas categorias nativas de autoidentificação, bem como de práticas interativas exclusivas, servem de algum modo para delimitar o grupo face a outros, ainda que varie substantivamente o conteúdo das categorias classificatórias e que a área específica de sociabilidade se modifique bastante, expandindo-se ou contraindo-se em diferentes contextos situacionais.”

A construção da categoria étnica Pataxó Hã-Hã-Hãe é pois concomitante ao próprio processo social e histórico de formação e consolidação do segmento étnico que ela designa, sendo, por isso mesmo, marca, testemunho e referência legítimas desse processo e do respectivo segmento social que o protagoniza.

3.1.1. Vale sublinhar que a presença de inovações ou reformulações em designações étnicas indígenas nos contextos de contato entre essas sociedades e as sociedades coloniais nacionais não é exceção, mas sim algo bastante recorrente historicamente.

Como se sabe, o regime colonial frequentemente reuniu em aldeamentos, missionários ou não, contingentes indígenas de origens etnolinguísticas diversas, e Os novos agrupamentos sociais assim formados vieram a constituir, ao longo de algum tempo, segmentos étnicos bem distintos de quaisquer unidades sociais anteriores ou mesmo correlatas ao período de contato colonial, sem que tais “novos” grupamentos étnicos deixem de ser reconhecidos como povos indígenas distintos e legítimos no presente.

Dentre os múltiplos exemplos, e ficando apenas no Nordeste, temos os casos dos Kapinawá (Pernambuco), Tapeba (Ceará), Coiupanká (Alagoas), Tuxá (Bahia), dentre muitos outros, todos eles povos indígenas e designações étnicas surgidas apenas após o contato e em decorrência de processos de compulsão colonial, sem registro histórico diretamente correspondente a estes para a fase desse contato ou imediatamente posterior a esta nos períodos colonial, imperial ou mesmo republicano; mas também sem que deixe de ser perfeitamente possível se traçar os processos históricos mais ou menos recentes através dos quais esses agrupamentos étnicos e suas respectivas designações foram gestados.

Em outras situações, esses agrupamentos étnicos ou povos indígenas de conformação neocolonial adotaram designações étnicas associáveis a grupamentos indígenas anteriores ao contato, como é o caso dos Pataxó contemporâneos, vizinhos dos Pataxó Hã-Hã-Hãe imediatamente a Sul, que não são de modo algum formados por esse único grupo étnico digamos, “original”, mas sim pelo ajuntamento forçado destes com vários grupos conquistados no Extremo Sul da Bahia em períodos históricos diversos – como Tupi (Tupiniquim), Maxakali e Botocudos), compulsoriamente reunidos em aldeamento único por determinação do governo provincial na segunda metade do século XIX.

Por fim, mesmo povos indígenas bastante conhecidos e de contato mais recente em outras regiões do país – como Xavantes, Timbira e Kayapó – adotam designações étnicas também advindas do contato e que abrangem novas conformações sociais e étnicas que estão muito longe de corresponder exatamente ao que terão sido no momento do contato ou anterior a este; tampouco estando hoje nos mesmos territórios em que estiveram antes do contato ou nos quais se deu tal contato, sem que isso impeça que as Terras que atualmente ocupam sejam legitimamente reconhecidas e regularizadas como Terras “tradicionalmente ocupadas por indígenas”, nos termos da Carta constitucional vigente.

3.2. Muito importante sublinhar também, no caso dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, que a adoção desse etnônimo mais abrangente de modo algum fez desaparecerem ou tornou indistintos os diferentes segmentos étnicos que o compõem.

Pelo contrário, como fica sobejamente atestado nos estudos etnológicos e genealógicos sobre o grupo nos últimos trinta anos, inclusive naqueles que são peças periciais na ACO 312, os grupos indígenas que, reunidos na Terra Caramuru-Paraguaçu, vieram a formar o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, permanecem perfeitamente distinguíveis em seus laços familiares internos e mesmo em sua organização social e política.

São eles os Kariri-Sapuyá (contingente majoritário), os Kamakã, os Tupinambá oriundos de Olivença (família Muniz), Os Baenã (família Titiá), os Guerém oriundos do antigo aldeamento de São Fidélis (no município de Valença, também uma família discreta), os Pataxó e os Hã-Hã-Hãe (estes dois últimos ainda concentrados na área do antigo posto Caramuru, próximo à cidade de Itaju do Colônia).

Contemporaneamente, cada grupamento familiar dos Pataxó Hã-Hã-Hãe sabe perfeitamente identificar sua filiação a um ou a mais de um desses grupos “originais”, e, mais que isso, esses grupos seguem muito vivos e presentes na organização interna do grupo maior e em seus vínculos de aliança e parentesco.

Deste modo, ao se afirmar Pataxó Hã-Hã-Hãe, um indígena da Terra Caramuru-Paraguaçu não está de modo algum negando sua condição de Kariri-Sapuyá ou Kamakã etc. Pelo Contrário, as duas afirmações identitárias coexistem e ocupam campos semânticos distintos: ao passo que a afirmação como Pataxó Hã-Hã-Hãe denota o vínculo com o território e com a luta por este; a identificação enquanto Kamakã, Tupinambá, Baenã etc. remete aos vínculos mais estreitos de parentesco, de aliança e organização políticas internas.

Conforme a literatura especializada mais recente sobre o grupo, os Pataxó Hã-Hã-Hãe se referem a esses seus grupos mais chegados de parentesco e aliança – diretamente correspondentes aos diversos segmentos indígenas originalmente reunidos na Reserva – muito significativamente como “famílias étnicas”.

Com a expansão das áreas de ocupação indígena no interior do seu território tradicional, a partir de 1997, essas “famílias étnicas” se tornaram ainda mais efetivas enquanto eixos de organização interna ao grupo, na medida em que passaram a orientar, de modo muito nítido, as novas configurações territoriais dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, com cada uma dessas “famílias” buscando ocupar áreas específicas e sempre que possível correspondentes às que ocupavam quando da implantação da Reserva, nas décadas de 1920 e 1930.

É bastante previsível que, com a esperada reconquista da totalidade do seu território tradicional, as “famílias étnicas” dos Pataxó Hã-Hã-Hãe venham a se tornar ainda mais efetivas política, social e territorialmente, podendo vir a conformar um complexo sistema social a um só tempo único e multiétnico, à semelhança dos que conformam hoje outras unidades territoriais indígenas também únicas e múltiplas etnicamente, como o Alto Xingu, o Alto Rio Negro, o Tumucumaque (Pará) ou o Sertão ocidental de Alagoas.

4. Da Concessão de Títulos de Propriedade Incidentes sobre a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu

4.1. Os títulos de propriedade emitidos pelo estado da Bahia entre 1976 e 1982 sobre o território da Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu foram todos concedidos a ex-arrendatários do SPI ou a seus sucessores.

Isso demonstra que tais arrendamentos foram a origem dos apossamentos assim titulados.

4.2. Apesar de sua omissão e das evidências de negligência e corrupção de servidores seus, a União, através do SPI e da Funai, jamais deixou de considerar e reconhecer formalmente a área em questão como Terra Indígena e como sua propriedade, ainda que tenha tardado por quase seis anos entre o início da concessão de títulos pelo estado (1976) e o ingresso de ação pela sua nulidade e interrupção do processo (1982).

4.3. Do mesmo modo, apesar dos arrendamentos de Terras Indígenas terem se tornado ilegais a partir da Lei 6001 de 1973, a Funai não adotou de imediato as providências necessárias para cancelá-los no território da Reserva Caramuru-Paraguaçu, só o fazendo nove anos após, em 1982, juntamente com o ingresso da ação pela nulidade de títulos.

4.4. A Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu jamais foi desconstituída por documento legal equivalente ou superior ao que a criou, a Lei estadual de 1926.

Ao contrário, para conceder os títulos o estado baseou-se apenas em “pareceres” e “relatórios” que atestavam, de modo absolutamente fraudulento e preconceituoso, que no território em questão “não havia mais índios”.

4.5. Apesar do processo de esbulho possessório que culminou justamente em meados da década de 1970, jamais deixou de haver presença e posses indígenas no território da Reserva; e jamais os indígenas dela expulsos deixaram de manter o seu ânimo possessório sobre esse território, tanto que se mantiveram organizados e em comunicação entre si durante o período de diáspora, sempre na intenção de retorno ao seu território e demandando do órgão indigenista providências e apoio nesse sentido, o que enfim se efetivou em 1982.

5. Síntese e Conclusão

5.1. A Terra Indígena hoje designada Caramuru-Paraguaçu tem existência legal contínua e ininterrupta desde sua criação por Lei Estadual de 1926 e dentro dos limites circunscritos pela sua demarcação física em 1936; mantendo, ao longo de toda a sua existência, o seu caráter de área destinada “ao gozo de indígenas”; e devendo, nessa condição, ser reconhecida como “área reservada” a indígenas, nos termos e a partir da Lei 6001 de 1973; e também como “terra tradicionalmente ocupada por índios” nos termos da Constituição de 1988.

5.2. O caráter legal da sua criação, por destinação pelo estado e com finalidades específicas, prescindia da caracterização do território assim destinado como terras “em que indígenas se achem permanentemente localizados”, figura legal que só aparece a partir da Constituição de 1934.

5.3. Entretanto, é perfeitamente possível se demonstrar historicamente que a área de 50 léguas quadradas assim destinada, embora sem limites totalmente precisos então, era à época palco de processo de expansão da lavoura cacaueira, que afugentava e dizimava bandos indígenas ainda isolados, localizados aí e no seu entorno.

5.4. Ao implantar a Reserva, o estado nacional executou aí a prática, recorrente desde os primórdios do período colonial e ainda vigente em décadas posteriores do século XX, de para tais áreas previamente destinadas a indígenas atrair ou transladar grupos indígenas até então localizados em seus arredores.

5.4. Essa circunstância não impede entretanto que, uma vez aí consolidada uma presença indígena estável, o que já era perfeitamente caracterizado na década de 1930, uma tal área possa e deva ser também considerada como “terra habitada por silvícolas”, com direito à sua “posse permanente”, nos termos da Constituição de 1967 e de sua Emenda nº 1 de 1969; ou como “terra tradicionalmente ocupada por índios”, nos termos da Constituição de 1988, e sempre em conformidade com o princípio constitucional consagrado desde 1934.

5.5. O caráter parcial da posse indígena sobre a totalidade desse território se deve de início à prática de arrendamentos a terceiros – admitida até a sua interdição legal em 1973 – mas também ao progressivo processo ilegítimo de esbulho violento aí praticado contra a presença e posse indígenas, entre as décadas de 1930 e 1970. Como o esbulho não configura direito por parte dos seus autores e os arrendamentos haviam sido tornado ilegais, se deve admitir o direito de posse indígena integral sobre todo esse território quando da promulgação da Constituição de 1988.

5.6. De origens etno-linguística e históricas bastante diversas, os grupos indígenas reunidos na Terra Caramuru-Paraguaçu foram amalgamados e politicamente unificados em um grupo étnico único e específico – o povo indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe – já publicamente identificável e reconhecido nos anos iniciais da década de 1980.

5.6. Ao se remontar historicamente a presença indígena na Terra Caramuru-Paraguaçu, não se deve buscar a continuidade de um segmento ou segmentos étnico(s) discreto(s) e permanente(s), mas sim a compreensão dos processos societários de amalgamento, fusão e inclusão através dos quais esses grupamentos originalmente diversos produziram e reproduziram, ao longo de sua história recente, tanto a sua nova unidade quanto a sua diversidade étnicas.

5.7. Imprescindível sublinhar que toda a atual população indígena na Terra Caramuru-Paraguaçu está genealogicamente conectada, por descendência direta, a membros de algum ou alguns dos grupos indígenas aí reunidos nas décadas de 1920 e 1930, conforme sobejamente demonstrado nos detalhados estudos realizados; independentemente das diferentes designações étnicas pelas quais esses grupos foram reconhecidos ou que adotaram ao longo dessa história.

5.8. Face ao exposto, não há como não se ajuizar pela nulidade dos títulos de propriedade outorgados pelo estado da Bahia incidentes sobre a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu.

Brasília, 18 de outubro de 2011.

Associação Brasileira de Antropologia

Associação Nacional de Ação Indigenista

Conselho Indigenista Missionário

 

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