Com Belo Monte, violência sexual contra criança e adolescente cresce 138%

Na esteira da endemia que explodiu em Rondônia com as obras das usinas de Jirau e Santo Antonio, Belo Monte também está se tornando um vetor de crimes de violência sexual contra a criança e o adolescente.  Segundo dados do Conselho Tutelar de Altamira, somente no primeiro trimestre deste ano já foram registrados 32 casos, o que significa uma projeção para o final do ano de mais de 100 ocorrências – em 2009, foram denunciados 28 casos e em 2010, 42.

“Isso são apenas os casos registrados.  Sabemos que há muitos outros que acabam não sendo denunciados; e que, via de regra, as projeções são sempre menores do que as estatísticas mostram.  De toda forma, isso já duplica a demanda e a necessidade de atendimento”, explica a conselheira Lucenilda Lima.  Segundo a conselheira, Altamira não tem estrutura para sustentar “um empreendimento monstruoso como esse.  O conselho tutelar é a porta de entrada de todos os problemas que chegam no município.  Somos 5 conselheiros pra 106 mil habitantes no maior município do mundo.  E um carro velho que vive mais quebrado do que funcionando”, desabafa.

Lucenilda explica que em 2009 o Conselho realizou 2440 atendimentos.  Em 2010, o numero subiu para 2518 casos.  Já no primeiro trimestre de 2011, 890 ocorrências foram registradas, jogando para 3200 o número de atendimentos até o final do ano – crescimento de 27%.  “As empresas e governos envolvidos nesta obra, enfiada goela abaixo, são responsáveis.  Tratam a cidade na base do descaso”, conclui.

De acordo com o professor da UFPA e especialista em direitos humanos, Assis Oliveira, o ano de 2009 foi marcado pelo início do processo de implementação de Belo Monte.  “Já se notou um crescimento [da violência contra crianças e adolescentes] a partir daí – e agora com as obras, é tão acelerado que as instituições não tem capacidade para suportar a demanda”, explica.

Modelo

Segundo o professor, não é somente em Belo Monte que ocorrem casos de violência sexual, aumento de vício por drogas, e aumentos da violência das próprias crianças e adolescentes.  “Isso se dá em locais onde ocorrem grandes projetos como este.  No Rio Madeira, dados da Plataforma Dhesca demonstraram aumento de 208% nos casos de estupro desde o início da obra.  Esse aumento não se dá por uma questão local.  Está ligado a um modelo de desenvolvimento, que tem por trás uma série de violações de direitos”, diz Assis.

Ele sustenta que o aumento da migração é uma das hipóteses que explicariam este tipo de contexto.  “A maioria são homens, que vem trabalhar em ritmo intenso, a semana toda nos canteiros de obras e tem o final de semana para se divertir.  Por diversão, entenda-se bebidas e exploração sexual – coisas que envolvem a criança e o adolescente”.

Outra questão séria são as famílias que estão sendo desalojadas dos seus locais de vivência tradicional, das periferias, acrescenta Assis.  O empobrecimento dessas famílias, o aumento do custo de vida – de alimentos a aluguéis -, tudo isto tem levado à precarização e marginalização das famílias.  “Muitas vezes, a solução que se acha é o ingresso das crianças no trabalho infantil – e um deles é a prostituição”.

Por fim, Assis aponta que não houve um processo democratizante, onde as crianças e adolescentes pudessem se manifestar e marcar opinião sobre Belo Monte.  “As crianças tem opinião, elas vivenciam essa ação – e devem ser levadas em conta”, avalia.

Para os movimentos sociais de Altamira, a principal preocupação são as condições e o ambiente oferecido às crianças em longo prazo.  “Como será o futuro delas na nossa região?  Está provado que o governo não está garantindo as políticas públicas necessárias para segurar a onda de migrações e o aumento populacional.  As creches, centros de internação, escolas e outros aparelhos que temos já não dão conta nem da nossa demanda.  E obviamente não darão conta dos conflitos, sobretudo nos próximos cinco anos, quando a população tenderá a explodir, caso Belo Monte ainda não tenha sido barrada até lá”, afirma a coordenadora do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Antonia Melo.  “E estamos falando de direitos que deveriam ter sido garantidos há muito tempo nessa região, e só agora os governos falam desses direitos.  Porque você tem um grande projeto que desperta interesse, leis que não funcionam e uma falsa fiscalização do que deveria se estar fazendo para que a obra pudesse estar acontecendo”, conclui.

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