Renato Santana*, de Brasília
Para assegurar o direito de posse de uma área localizada entre os municípios de Buique e Ibimirim, Pernambuco (PE), a 300 km de Recife, o povo Kapinawá retomou no início deste mês terras para pressionar a Fundação Nacional do Índio (Funai) a demarcar o Território Indígena (TI) não contemplado na delimitação anterior. Há dez anos em poder dos índios, a área recuperada fica dentro de uma fazenda, de propriedade não-indígena, que dá acesso às aldeias.
A Funai identificou e delimitou as terras Kapinawá antes da Constituinte de 1988. Desta forma, os processos de demarcação eram tocados de forma equivocada – amiúdes incompletos – dada a então inexistência dos vigentes direitos constitucionais indígenas a terra.
Nas terras vivem 600 famílias Kapinawá – cerca de 2.500 indígenas – em doze aldeias: Quridalho, Lagoa, Puiu, Maria Preta, Colorau, São João, Cajueiro, Caranaúba, Caldeirão, Baixa da Palmeira, Coqueiro e Batinga. Todas reconhecidas pela Funai desde 1999, além de atendidas pela saúde e educação diferenciadas – mesmo sem a área ser reconhecida oficialmente.
Em julho deste ano começaram a correr boatos de que o fazendeiro iria vender as terras ou construir uma pousada para os turistas do Parque Nacional do Vale do Catimbau. A insegurança se instalou entre os indígenas que no território conseguiram encontrar condições de vida na plantação de roças, criação de animais.
No início de agosto a Aldeia Malhador foi o local escolhido para uma reunião entre lideranças Kapinawá. Estavam presentes importantes lideranças do povo: cacique Zé Bernardo, a vice-cacique Cremilda e o pajé Robério, os três da aldeia sede Mina Grande. Quatro dias depois, na madrugada do último dia 11 de agosto, retomaram seu território e permanecem firmes e organizados.
A retomada Kapinawá receberá a visita do coordenador da Funai de Maceió na terça-feira (23). Por conta da reestruturação e da consequente redução de custos e funcionários do órgão, o escritório de Recife foi fechado. O fazendeiro ainda não apareceu no local.
Histórico
No decorrer da década de 1980, a Funai identificou e delimitou as terras Kapinawá em 14 mil hectares. No entanto, deixou de fora determinada quantidade de famílias que não se assumiam indígenas.
A questão tornou-se mais delicada para os indígenas quando em 2001 o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) criou o Parque Nacional do Vale do Catimbau – quem vivia dentro desta unidade de preservação ambiental permanente teria um prazo de cinco anos para recolher indenização e partir.
Dentro dos limites do parque foram incluídas terras Kapinawá, homologadas e registradas, bem como das famílias que não estavam incluídas no processo de identificação da Funai na década de 80.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), então responsável pelo parque – hoje em dia sob controle do Instituto Chico Mendes -, tentou por diversas vezes, sobretudo no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, tirar as famílias indígenas de lá, mas apenas as que viviam fora da área demarcada.
Cimi e Associação Nacional de Ação Indigenista (Anai) acompanharam de perto todo este processo. As memórias dão conta das inúmeras reuniões realizadas com o Ibama (PE) e outros órgãos técnicos com a intenção de sensibilizá-los e atentá-los aos direitos reservados para o povo indígena Kapinawá sobre a área.
Nos últimos tempos o assédio do Ibama e Instituo Chico Mendes arrefeceu. Ao passo que relatos revelam que o fazendeiro “abandonou” o território e “deixou” os índios o explorar. Situação que se manteve até julho, quando a ameaça da pousada apresentou indícios de se concretizar e o povo Kapinawá decidiu recuperar as terras em retomada.
Clima da retomada
O antropólogo e advogado Sandro Lôbo, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Pernambuco, esteve na área retomada. “Há um grupo que faz cota para comprar mistura e as mulheres vão pelas casas das aldeias próximas pedir às famílias que contribuam doando galinhas e outros gêneros alimentícios”, diz.
Desse modo, Sandro descreve o clima como de tranquilidade e as lideranças Kapinawá divulgaram carta para explicar os motivos da retomada e quais são as reivindicações do povo. O advogado do Cimi seguirá ao lado dos indígenas oferecendo o suporte necessário.
*Com informações do Cimi Regional Nordeste
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=5751&action=read