Quando foram iniciadas, em 2007, as obras de transposição das águas do Rio São Francisco para o semiárido nordestino, Lula previa inaugurar, ainda no seu mandato, o Eixo Leste de um dos dois canais de escoamento, numa extensão de 400 km. Não só o ex-presidente não pôde incluir essa façanha nas suas grandes obras, mas há risco de que nem mesmo a presidente Dilma Rousseff possa dar por concluída essa parte do projeto, o mais caro do PAC. Balanço recente do Ministério da Integração Nacional indica que os primeiros testes do trecho inicial do Eixo Leste só poderão ser realizados nos últimos meses de 2014.
Isso se tudo correr de acordo com o cronograma, se as licitações forem realizadas nos prazos previstos, se a licença ambiental for renovada e se não faltarem verbas. Tudo isso faz do projeto de transposição do São Francisco um dos melhores exemplos de falta de planejamento e má gestão de recursos públicos na história recente do País.
A obra está praticamente paralisada. Na última sexta-feira (5/8), a presidente Dilma Rousseff disse que a transposição não está parada, mas admitiu, em seguida, que “algumas parcelas” estão com obras interrompidas. Segundo o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, 5 dos 14 lotes em que a construção foi dividida estão hoje à espera de uma negociação para aumento dos preços dos contratos por meio de aditivos; 2 estão pendentes de licitação e outros 2 estão sendo tocados, mas em ritmo lento. O Ministério elevou agora o custo total da obra para R$ 6,8 bilhões, R$ 1,8 bilhão a mais do que o originalmente previsto, o que não teria ainda passado pelo crivo da
alta cúpula do governo.
Apesar do que tanto se fala sobre a necessidade de projetos executivos para obras públicas – isto é, projetos que cumprem todos os requisitos técnicos para sua execução -, a polêmica transposição das águas do São Francisco continua sendo conduzida no estilo tradicional da administração pública brasileira, em cima do joelho.
Ao discriminar os gastos para dar andamento à construção, que seria retomada a partir de setembro, o ministro Bezerra disse que R$ 771 milhões serão destinados a aditivos aos contratos, além de R$ 282 milhões de reajustes de contratos assinados em 2006. A isso se somam R$ 180 milhões para renovação da licença ambiental. O que é muito estranho, uma vez que o governo já desembolsou R$ 170 milhões para licenciamento ambiental.
Ainda assim, os gastos mencionados não perfazem o valor adicional de R$ 1,8 bilhão. A diferença, segundo ainda o Ministério, é contabilizada como um aumento de 20% a 30% do custo previsto para os lotes 5 e 8, ainda não licitados, relativos a estações de bombeamento para o Eixo Norte e à construção de barragens. A explicação é que, como os projetos não foram detalhados, houve erro na projeção de custos. O ministro Fernando Bezerra considera que o aumento de 36% no custo final “é compatível com os reajustes de preços da construção civil”, embora não mencione nenhum índice ou estudo em abono de sua afirmação.
Na realidade, tem-se a impressão de que a obra de transposição do São Francisco vai começar de novo, embora o governo já tenha gastado R$ 2,4 bilhões em sua construção e já tenha comprometido mais R$ 1,3 bilhão. Como estudos técnicos têm demonstrado, o custo original excedia em muito os benefícios do projeto, que, se e quando for concluído, beneficiará apenas 5% do semiárido. Mas mesmo os opositores da transposição consideram que as obras já avançaram a tal ponto que seria um desperdício não lhes dar continuidade. E, pelas pressões políticas que a iniciativa desencadearia, o redimensionamento do projeto também está fora de discussão.
De qualquer forma, espera-se que o governo, que diz lutar para introduzir no setor público padrões de gestão comparáveis aos da iniciativa privada, incumba um grupo de técnicos de reexaminar os custos do projeto de transposição do Rio São Francisco, tratando as estimativas do Ministério da Integração Nacional apenas como referência.
Editorial publicado no estadão desta terça-feira, 16 – Enviado por Ruben Siqueira